Até sexta-feira, quando os delegados do SPD se reunirem em congresso, os alemães, avessos à incerteza e à instabilidade políticas desde o pós-guerra, vão permanecer na dúvida sobre o futuro próximo do governo. A vitória da dupla Norbert Walter-Borjans e Saskia Esken para a coliderança do Partido Social-Democrata (SPD), anunciada no sábado, põe em causa a manutenção deste na chamada grande coligação com os democratas-cristãos da CDU e o seu partido irmão da Baviera, a CSU..O ex-ministro das Finanças da Renânia do Norte-Vestefália e a deputada no Bundestag fizeram campanha com base na premissa de que iriam renegociar com o partido de Angela Merkel os termos do acordo de coligação. As prioridades são abandonar a política de rigor orçamental e em troca aumentar o salário mínimo para 12 euros por hora, o investimento na educação, na ferrovia e no digital e em políticas de combate às alterações climáticas..No domingo, em entrevista à ARD, Walter-Borjans destacou a necessidade de aumentar o investimento público e de acabar com os contratos de trabalho temporários. "Se o parceiro de coligação assumir uma abordagem de bloqueio a estas novas medidas, então temos de tomar a decisão de que não pode continuar", concluiu..Sobre a hipótese de se riscar a política do endividamento zero, ponto de honra dos conservadores, Angela Merkel já comentara essa hipótese como "absurda"..CDU sem abertura.Do lado da CDU não se ouviu uma única palavra de compromisso. Do ministro da Economia Peter Altmeier à ministra da Agricultura Julia Kloeckner, do ministro-presidente da Renânia Armin Laschet ao vice-líder da CDU Thomas Strobl, a mensagem foi a de que os conservadores não estão dispostos a reabrir o programa da coligação e que há promessas a cumprir..Se a líder do partido, Annegret Kramp-Karrenbauer, que sucedeu a Angela Merkel há quase um ano, também disse que não quer negociações, estendeu a mão aos novos líderes. "Acho que é bom que o SPD tenha tomado uma decisão", disse. "Abre o caminho para o regresso ao trabalho. Para a CDU é muito claro: nós continuamos com a coligação. Apoiamos esta coligação na base em que foi negociada. Essa é a base em que estamos a trabalhar e aplica-se a toda a legislatura."."Modo de autodestruição".Na ressaca da vitória de Walter-Borjans e Esken perante a dupla Olaf Scholz e Klara Geywitz, tida como favorita, por 53% contra 45%, a imprensa não escondeu a desconfiança. O Frankfurter Allgemeine Zeitung acusou os sociais-democratas de falta de "sentido de responsabilidade nacional". O Süddeutsche Zeitung crê que os sucessores de Andrea Nahles não têm apoio entre os militantes - a taxa de participação foi de 28% - nem experiência. O Die Welt destacou o comentário do ministro-presidente do Sarre, Tobias Hans, de que o SPD está "em modo de autodestruição"..Perante estas reações dos conservadores, bem como dos órgãos de comunicação social, a líder interina do SPD Malu Dreyer saiu a terreiro. "Acho que devíamos acalmar-nos um pouco. Devemos ter em conta que o partido elegeu uma nova liderança - é essa a questão - e vai definir as suas prioridades sobre a questão de como proceder com a grande coligação, mas vamos discutir isso dentro de poucos dias na conferência do partido", comentou à ZDF..Entre as fileiras do SPD, a corrente que foi liderada pela dupla derrotada tem esperanças de que os delegados do partido que vão reunir-se no centro de congressos CityCube, em Berlim, a partir de sexta-feira, não ouçam dos novos dirigentes a recomendação para sair da coligação. Olaf Scholz, que é ministro das Finanças e já sinalizou a um tempo que quer manter-se no cargo e que apoia as novas chefias no partido, poderá demitir-se se Walter-Borjans e Esken não recuarem..Por outro lado, os dirigentes da CDU olham para as sondagens e não acreditarão que o SPD, com 13%, ultrapassado pelos Verdes (23%) e pela Alternativa pela Alemanha (AfD, 14%), não queira eleições tão cedo. Já nas eleições de 2017 tivera um recorde negativo, com 20,5% - e essa tendência pode agravar-se se o SPD for responsável pela "irresponsabilidade" de derrubar um governo, como disse o ministro-presidente Armin Laschet..Criar um sonho político. Há, porém, quem defenda que é precisamente neste momento que o SPD deve soltar as amarras da grande coligação e passar a fazer oposição, regressando ao centro-esquerda. Afinal, desde que perdeu as eleições em 2005, após as reformas de Gerhard Schröder, os sociais-democratas passaram dez anos em 14 nos governos da CDU e contabilizaram uma dezenas de presidentes (se contarmos com os interinos). A base eleitoral perdeu-se para os Verdes e os populistas da AfD. "Sobretudo não é uma questão de se saber quando é que a grande coligação irá terminar exatamente. O que está em causa é voltar a criar um sonho político que fascine as pessoas de tal forma que saiam à rua para o fazer", defende o jornalista Christian Bangel, em artigo de opinião no Die Zeit ..E há quem contraponha o facto de a nova dupla do SPD ser pouco conhecida como algo de positivo. Norbert Walter-Borjans, enquanto ministro das Finanças da Renânia do Norte-Vestefália, ganhou a alcunha de Robin dos Bosques graças à perseguição que moveu aos milionários que fugiram aos impostos ao desviarem dinheiro para a Suíça. Investiu a soma de 18 milhões de euros e teve um retorno de 2,3 mil milhões de euros para a Renânia e de quatro mil milhões para os outros estados alemães..Já Saskia Esken, de 58 anos, apesar de uma experiência como deputada não muito longa, de seis anos, é uma especialista em tecnologias e tem dedicado os seus conhecimentos em comissões parlamentares sobre economia digital, privacidade ou direitos dos consumidores..Governar sem o SPD.Caso o SPD siga o seu caminho, está longe de ser consequência direta a queda do governo e a realização de eleições. Embora seja um cenário que a chanceler Angela Merkel recusou até hoje, um governo minoritário pode neste momento ser uma realidade. É que o Orçamento do Estado para 2020 já foi aprovado, pelo que não ter maioria parlamentar até à primavera de 2021, altura das próximas eleições, não deverá ser um drama. .Poderá ser até uma forma de levar para o executivo a presidente da CDU e provável sucessora de Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, entre outros dirigentes que iriam substituir os atuais ministros do SPD. Angela Merkel, de 65 anos, não vai candidatar-se a um quinto mandato..Um outro cenário poderá passar pelo regresso às conversações para uma coligação com Verdes e liberais - a coligação Jamaica, assim chamada devido às cores dos partidos, que nunca se concretizou. Foi aliás por se ter gorado essa aliança que os sociais-democratas acabaram por continuar a coligação, em 2017, quando antes o então líder do SPD Martin Schulz anunciara o fim da mesma.