Com a cidade e o estado a registarem oito e 11 vezes mais mortos de covid-19 do que o causado pela organização de Bin Laden, ainda sem o bulício pela qual é conhecida, mas com a perspetiva de poder reabrir de forma gradual, a começar pelas aulas: é neste quadro que Nova Iorque evoca nesta sexta-feira o décimo nono aniversário dos atentados da Al-Qaeda..Sem a presença do presidente e candidato Donald Trump nem do opositor democrata Joe Biden nas eleições a realizar em menos de dois meses, Nova Iorque vai realizar a já tradicional cerimónia anual em memória dos quase 3000 mortos resultantes do ataque terrorista com um minuto de silêncio nos momentos exatos, há 19 anos, em que os terroristas fizeram colidir dois aviões sequestrados contra as torres gémeas do World Trade Center..O vice-presidente Mike Pence vai estar no memorial do 11 de Setembro no chamado Ground Zero e poderá passar pelo museu, que vai abrir pela primeira vez desde que o novo coronavírus atingiu em força a cidade em março ao ponto de o governador ter, em meados daquele mês, comparado a pandemia aos atentados. "Isto é tremendamente perturbador em todos os níveis", disse então Andrew Cuomo. "Para mim, em Nova Iorque, lembra-me o 11 de Setembro, onde um momento que era inconcebível mudou tudo.".Quase duas décadas após os ataques, o 11 de Setembro continua a ser sinónimo de heroísmo e resiliência de Nova Iorque, mas as atenções estão viradas para o presente. "É particularmente importante que neste ano todos nós valorizemos e comemoremos o 11 de Setembro, as vidas perdidas e o heroísmo demonstrado no momento em que nova-iorquinos são de novo chamados a enfrentar um inimigo comum", disse mais recentemente Cuomo..As boas notícias resumem-se na essência a uma: Nova Iorque, que foi o ponto inicial da propagação da epidemia nos Estados Unidos, está com a situação controlada: há 33 dias que a taxa de infeção por covid-19 é de menos de um por cento, quando as escolas se preparam para abrir na cidade de Nova Iorque no dia 21. O diretor do departamento de Educação de Nova Iorque, Richard Carranza, disse que 61% das escolas públicas da cidade optaram por um sistema misto de aulas (presencial e remoto) e as restantes pela telescola em exclusivo..Se não houver novos focos de infeção, os restaurantes vão passar a acolher clientes no interior no final do mês, mais um pequeno passo de normalização depois da reabertura de museus e dos ginásios em finais de agosto.."They say the lights are always bright on Broadway/ They say there's always magic in the air" (traduzível como "Dizem que há sempre luzes a brilhar na Broadway/ Dizem que há sempre magia no ar") cantava Peter Gabriel, então nos Genesis, há 46 anos..Mas a "cidade que nunca dorme" está a viver as dolorosas consequências da pandemia. A Broadway, com os mais de 40 teatros, obtinha mais de 850 milhões de dólares em vendas de bilhetes e alimentava a economia da cidade em 13 mil milhões de dólares por ano (11 mil milhões de euros), sendo um importante chamariz para os 53 milhões de visitantes que se deslocaram em lazer..Os trabalhadores do setor fazem contas à vida e desesperam por um pacote de ajuda do Senado, que poderá nunca passar do papel. Alguns não têm outra alternativa que não partir. "Na minha vizinhança vejo todos os dias três pessoas a mudarem-se", diz ao The Washington Post o coreógrafo Warren Adams..Sem quaisquer certezas, os produtores e restantes agentes do meio apontam para duas estações para o regresso da Broadway: primavera ou outono de 2021..Apesar do aparente controlo do coronavírus, a incerteza quanto à reabertura de teatros mantém-se. Ninguém sabe como é que as produções irão vingar se ficarem sujeitas a limitações de ocupação de espectadores, por exemplo. "Quantos espetáculos voltam e com que taxa de frequência? O que é que os trabalhadores vão fazer? O que farão os donos [dos teatros]? Qual é o impacto do teletrabalho para a vida noturna de Nova Iorque? O que acontece aos hotéis, restaurantes, ao turismo? Quantas pessoas deixam a cidade e não voltam?", tudo perguntas sem resposta do produtor Scott Rudin ao Post..Manhattan é uma das zonas mais atingidas pela desertificação. Quase todos os trabalhadores dos escritórios têm estado em teletrabalho desde março, tendo deixado o comércio e restaurantes sem clientes. No fundo, agravou-se uma tendência, uma vez que entre 2017 e 2020 o número de espaços comerciais vagos aumentou 78%..E os residentes também têm seguido essa tendência. Segundo o autarca Gale Brewer, pelo menos 35 000 pessoas saíram de Manhattan, a avaliar pelos pedidos de boletins de voto postal para as eleições presidenciais..Sem o brilho nem a magia dos espetáculos, sem o pulsar dos trabalhadores e do comércio, sem o cosmopolitismo dos residentes e dos turistas, são amplificados os problemas sociais. O crime voltou a disparar, em especial o crime com armas de fogo: em comparação com agosto do ano passado, registou-se um aumento de 47% de homicídios e 166% de tiroteios. .As razões pelas quais se deu este crescimento são alvo de debate, da crise económica à sensação de insegurança, da desconfiança em relação à polícia ao aumento do número de armas em circulação, e ao número de detenções relacionadas com armas de fogo, como alvitra o The New York Times..Por outro lado, nota a AFP, os sem-abrigo são agora mais visíveis devido ao encerramento de numerosos abrigos por razões de saúde, e à transferência de quase 13 000 para viver nos hotéis vazios de Manhattan..Enquanto isso, o nova-iorquino Donald Trump mantém via Twitter uma guerra com o governador. Acusou o presidente da câmara Bill de Blasio e o governador de "destruírem" a cidade e ameaçou não libertar fundos federais de locais que a administração Trump considera serem "jurisdições anarquistas", caso de Nova Iorque.."Ele não pode ter guarda-costas suficientes para andar em Nova Iorque", respondeu Cuomo aos jornalistas. "Esqueçam os guarda-costas. É melhor ele ter um exército se pensa que vai andar pelas ruas de Nova Iorque."."Trump está a tentar matar ativamente a cidade de Nova Iorque. Isto é pessoal. Penso que é psicológico", concluiu.