Nova ameaça para Portugal. Crise no comércio torna bens de investimento mais caros
Portugal tem das taxas de investimento mais baixas do grupo das economias desenvolvidas, o investimento total anual do país equivale a pouco mais de 17% do produto interno bruto (PIB, 2018), tendo caído para mínimos históricos em 2013 e recuperado relativamente pouco desde então.
Mas as crescentes dificuldades na economia mundial (como as barreiras comerciais e fatores de total incerteza, como o Brexit) poderão tornar os bens de investimento mais caros, o que prolongará esse estado de coisas e levará a problemas de crescimento, a uma economia com ainda menos potencial.
Eventualmente, conduzirá a um desequilíbrio ainda maior das contas externas de Portugal (balança comercial). Assim é porque o país, não sendo um líder na produção de bens de investimento e tecnológicos, tem de os importar para depois os incorporar nos processos produtivos.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que se debruçou sobre o tema num dos capítulos, revelado ontem, do Outlook económico mundial, o custo dos bens de capital pode subir dramaticamente nos próximos anos.
No grupo das 39 economias avançadas consideradas pelo FMI, Portugal surge com a sexta mais fraca intensidade de investimento. Porto Rico e Grécia lideram este ranking. Países com setores financeiros muito importantes (que inflacionam o PIB) também estão na liga dos últimos. É o caso de Chipre, Macau e Reino Unido.
A liderar o ranking aparecem territórios como Coreia do Sul, Noruega e Singapura, todos com taxas de investimento em redor dos 30% do PIB.
"Nas últimas três décadas, o preço de máquinas e equipamentos caiu drasticamente em relação a outros preços nas economias avançadas e emergentes", começa por dizer o FMI.
No entanto, há agora uma séria e nova dúvida. "Será que o aumento das tensões comerciais, o ritmo lento da integração comercial e o crescimento lento da produtividade ameaçam o potencial do investimento daqui para frente?"
Para a instituição dirigida por Christine Lagarde, a resposta é sim e as economias mais atrasadas no investimento e as mais pobres ou em desenvolvimento podem ser as mais penalizadas pelo aumento deste tipo de custos, vistos como essenciais para potenciar o crescimento futuro.
O FMI recorda que "o crescimento do investimento diminuiu de forma considerável desde a crise financeira global de 2008-2009".
Olhando para os dados do INE e do próprio FMI, isso é verdade no caso de Portugal. Na realidade, o panorama é ainda pior porque o declínio começou no início deste milénio. Depois de a taxa de investimento nacional ter atingido um máximo histórico de 29% em 1999, muito apoiada pela explosão na construção e nas obras públicas (como estradas, que ainda hoje estão por pagar na totalidade), a intensidade do investimento total caiu abruptamente desde essa altura.
Esta tendência agravou-se ainda mais com a referida crise financeira e com a segunda estocada que acabou por ser a crise da dívida e a bancarrota do país em 2011, que criou elevados constrangimentos à concessão de crédito bancário, o meio tradicional de financiamento do investimento.
E, com as políticas de austeridade e a exigência em reduzir o défice e a dívida desde 2011, os cortes no investimento público afundaram ainda mais o investimento total. Só para se ter uma ideia, o investimento público ronda anualmente os 4 mil milhões de euros, ou seja, está em linha com os valores de 2015, o primeiro ano sem a gestão direta da troika.
Em percentagem do PIB (contas nacionais), é parecido. Em 2018, o investimento público não chegou a 2% do PIB. Tem vindo a subir devagar, mas este valor é igual ao do ano da chamada saída limpa (2014).
Ora, para o FMI, "o abrandamento no comércio global" desde meados dos anos 2000 "pode limitar novas reduções nos preços do investimento".
E há "ameaças ainda mais imediatas". Para o Fundo, uma delas é "as maiores barreiras comerciais em algumas economias avançadas, que podem colocar em risco os benefícios do comércio livre - tido como certo durante tanto tempo nestas economias".
Os países "importadores líquidos de bens de capital", como os emergentes, mas também como é o caso de Portugal que é dependente da tecnologia alheia e estrangeira, "podem enfrentar preços mais altos nas máquinas e equipamentos e, de forma mais ampla, ter menos oportunidades para beneficiar da disseminação transfronteiriça de conhecimento e tecnologia no âmbito da globalização".
O Banco de Portugal concorda que "a economia portuguesa pode ser afetada por riscos associados a um aumento da turbulência nos mercados financeiros e a um recrudescimento de tensões nos mercados da dívida soberana na área do euro". Avisa que "o aumento da incerteza a nível global, para o qual contribui, por exemplo, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, constitui uma ameaça à confiança dos empresários, podendo conduzir ao adiamento de investimentos".
De acordo com o banco central, o investimento ainda vai conseguir acelerar neste ano (até 6,8%), mas depois perde ritmo até 2021 (5,2%).