Notre-Dame: como a tecnologia 3D pode ajudar a reconstrução da catedral
Poderá um videojogo ajudar na reconstrução da Catedral de Notre-Dame, em Paris, parcialmente destruída pelo fogo? Lançado em 2014, o videojogo Assassin's Creed Unity coloca o protagonista na Paris do século XVIII, com a Catedral de Notre-Dame a ter um lugar central na ação. A designer Caroline Miousse, da empresa de videojogos Ubisoft, levou 14 meses só para recriar a catedral para que ficasse o mais parecido possível com o que era em 1790. Miousse teve a colaboração de um historiador e trabalhou a partir de mapas, fotografias e pinturas procurando incluir vários detalhes na decoração da igreja. "O meu colega Pascal Barriault (artista de texturas) e eu estávamos constantemente a perguntar-nos quais os detalhes do edifício que mais prendem a atenção das pessoas? Que tipo de imagens nos vêm à cabeça quando pensamos nesta obra-prima da arquitetura?", explicou Miousse, ao jornal The Guardian .
Mas, apesar de tudo, o jogo tem algumas idiossincrasias - por exemplo o pináculo, que aparece, só foi construído no século XIX - e dificilmente poderá ser usado como fonte para a reconstrução após o incêndio, uma vez que os seus criadores usaram de alguma "liberdade artística". "Eles são artistas gráficos e procuram um visual coerente. Mas se uma estátua é dois metros mais alta do que na vida real, isso não é importante para eles. Estamos à procura de precisão milimétrica, trabalhamos com engenheiros, dados de analistas", explicou ao Le Monde Cédric Gachaud, da Life3D, empresa que fez os modelos 3D para a remodelação que estava em curso.
"O papel do 3D é transmitir às gerações futuras aquilo que temos medo de não poder transmitir como é", explica Yves Ubelmann, presidente do Iconem, um estúdio em Paris que se tornou famoso por ter reconstituído em três dimensões a cidade de Palmira, na Síria, depois de ser ocupada pelo exército do Estado Islâmico. "Trabalhamos principalmente em países em crise, Síria, Iraque, Afeganistão... Não esperávamos que isso acontecesse em Notre-Dame, em Paris", afirma, sublinhando no entanto que a empresa ainda não recebeu qualquer convite para trabalhar na reconstrução da catedral.
Mas há outras empresas que, de facto, já fizeram parte desse trabalho. Por exemplo, a Targo, uma empresa francesa, capturou em 3D e em 360º partes da catedral que geralmente estão fechadas ao público, como o telhado, para um documentário que foi lançado em março deste ano. Intitulado O Homem Por Trás de Notre-Dame, o filme de oito minutos gravado com uma câmara estereoscópica, acompanha o dia-a-dia de Patrick Chauvet, o padre de Notre Dame.
Também a Universidade Vassar, no estado de Nova Iorque, EUA, tem disponível online uma imagem 3D e interativa do interior do monumento. Esta imagem foi criada para um projeto de investigação sobre a construção da catedral iniciado pelo historiador de arte Andrew Tallon, falecido em 2018. "Tanta coisa foi escrita sobre esse edifício. E tantas coisas são falsas", afirmou ele à National Geographic em 2015, justificando o uso de scanners em laser para perceber como foi construído o edifício.
Andrew Tallon, que foi pioneiro neste método, queria "entrar na cabeça dos construtores". Em 2010, ele passou cinco dias a recolher dados da Catedral de Notre-Dame usando um scanner laser montado num tripé e colocado em 50 pontos do monumento. O aparelho disparava feixes laser em direção à estrutura, medindo quanto tempo passa até receber o eco, ou o reflexo, de volta. Reunindo todos esse dados através de um software sofisticado, Tallon criou uma imagem da catedral que é milimetricamente semelhante ao original.
Finalmente, as empresas GE-A e Life 3D fizeram um modelo em 3D de toda a estrutura exterior para preparar o mais recente restauro de Notre-Dame, que estava em curso quando ocorreu o incêndio. "Fizemos toda a digitalização em 3D de todo o edifício, exceto a fachada do pátio, que não estava incluída nas reformas", explica Denis Lachaud. Estas empresas são especialistas na renovação de telhados e coberturas que exigem uma digitalização muito precisa para se ter um conhecimento abrangente do edifício, quer para colocar os andaimes quer para se conhecer bem os espaços que se vão restaurar."
Duas técnicas são geralmente usadas. A primeira consiste em criar, através de computador, uma imagem a partir de milhares de fotografias (por exemplo, tiradas com um drone). Esta técnica permite recriar as cores com mais acuidade. A segunda técnica recorre aos scanners a laser, que medem o espaçamento preciso entre cada elemento da estrutura.
O que sabemos, portanto, é que nenhuma empresa detém todas as informações e que será preciso recolher os dados de várias origens e obtidos com diferentes técnicas para se conseguir ter o máximo de informação sobre a catedral e, mesmo assim haverá sempre "lugares sombra", sobre os quais ninguém trabalhou. Isto, claro, se se optar por reconstruir a catedral tal como ela era antes do incêndio de 15 de abril.