Nos bastidores do Starbucks: engenharia fiscal e pressão sobre os funcionários

O canal Arte passa esta terça-feira um documentário sobre a cadeia norte-americana Starbucks, entre a pressão sobre os trabalhadores, a otimização fiscal e ameaças ambientais. Chama-se "Starbucks sem Filtros"
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Mantém a marca, muda o logótipo, retém a clientela de luxo, cria uma multinacional. Quais as chaves do sucesso da multinacional Starbucks? O agressivo marketing da marca que transformou uma bebida num produto de luxo, mas há mais, segundo o documentário Starbucks sem Filtros que o canal ARTE transmite esta terça-feira, dia 28, às 19.50 (18.50, em Portugal), também disponível online - da pressão sobre os funcionários da empresa à relação desequilibrada com os produtores passando pela engenharia fiscal que permite poupar milhões de euros em impostos

"Eles não querem dizer 'número 26, o café está pronto'. Querem que se sinta reconhecido. Veja, a sua bebida está pronta. Venha buscá-la", explica um professor universitário que tem estudado as técnicas de venda da multinacional norte-americana, citado neste documentário de 94 minutos, resultado de 18 meses de investigação.

A primeira das quase 22 mil lojas Starbucks espalhadas pelo mundo abriu as portas em 1971, em Seattle, Washington. Zev Siegl, um dos três fundadores do Starbucks, explica que o objetivo da companhia é ser uma multinacional que se dirige a cada cliente pelo nome. "É uma coisa extremamente inteligente de fazer", considera, também citado no documentário. Com a sua forma de funcionar, o Starbucks apresenta-se como "um terceiro lugar de vida", entre a casa e o escritório.

Outra estratégia: fazer pouca publicidade e deixar que sejam os consumidores, que transportam os copos a publicitar o produto. Os clientes são os ricos e os que querem parecer ricos, como pensou o seu CEO Howard Schultz.

A empresa vale hoje 71 mil milhões de euros em bolsa e está em 67 países, Portugal incluído. Tornou-se "símbolo da globalização", de acordo com o documentário do canal ARTE.

A empresa não deu autorização aos autores do filme - Luc Hermann e Gilles Bovon - para falarem com os baristas (é assim que os trabalhadores são chamados), justificando não serem porta-vozes da empresa. Para o conseguir a investigação usa câmara oculta e um jornalista passou dois meses como estagiário.

Um antigo funcionário aceita dar a cara para explicar como o Starbucks os pressiona diminuindo o número de horas de trabalho semanal. Após uma carta aberta redigida por este trabalhador, Howard Schultz quis falar pessoalmente com o trabalhador, mas, contrapõe, "a situação manteve-se". "Como viver com uma semana de trabalho de 25 horas?"

No documentário mostram como o consumidor é levado a consumir produtos que não havia pensado e que fazem crescer a conta mais dois euros do que o inicialmente previsto.

Engenharia fiscal requer intervenção da Comissão Europeia

Como Google, Apple, Facebook, Windows (entre outros), o Starbucks é uma empresa que usa todas as ferramentas ao seu dispor para otimizar os resultados fiscais que assim permitiu que não pagassem impostos sobre alguns rendimentos em alguns estados europeus, segundo o documentário do ARTE.

Starbucks está em França há 14 anos. Inicialmente não havia investidores, hoje são 180 lojas. Calcula-se que terá tido um lucro de 96 milhões de euros sobre os quais não pagou impostos, porque só nos exercícios fiscais de 2015 e 2016 apresentou resultados positivos, Responsável por questão fiscais junto da ONG Oxfam France, Manon Aubry realça que "não importa que outra pequena e média empresa confrontada com a mesma situação tiveses que cessar a sua atividade."

Como o conseguem? Criatividade fiscal. A empresa paga uma licença de uso da marca, sediadas em Amesterdão. Segundo o Libération, o Starbucks compra a preço superior ao do mercado o café a uma das suas empresas e faz a moagem em outro. Estas despesas pesam sobre os resultados da filial francesa enquanto os lucros ficam com as outras empresas com sede fiscal instalada na Holanda e na Suíça, onde os impostos não passam os 10% (não os 33,33% de França). No Reino Unido, a estratégia é a mesma.

A situação já levou a uma intervenção da Comissão Europeia. A comissária com a pasta da concorrência, Margrethe Vestager, considera que "as vantagens concedidas pela Holanda e Suíça compreendem entre 20 e 30 milhões de euros". E pediu para que que estes valores fossem recuperados. Desde pelo menos 2015 que a situação está a ser analisada.

Howard Schultz, o diretor de marketing que mudou tudo

À medida que entram na história do Starbucks, Hermann e Bovon identificam como momento importante a contração de Howard Schultz, um diretor de marketing nova-iorquino, em 1982.

De uma viagem a Itália, Howard Shultz traz a ideia de fazer do Starbucks mais do que um local de venda de café moído. Um restaurante, a partir de produtos de café a que se opõem os fundadores. Schultz acabaria por vencer a batalha. Em 1985 compra a empresa. Mantém a marca, muda o logótipo, retém a clientela de luxo, cria uma multinacional.

No cargo de CEO até junho do ano passado, Schultz, que também fala no documentário, afirma-se um empresário moderno, aposta numa estratégia sustentável. Por isso, as bebidas têm nomes em italiano e a palavra sustentável aparece a todo o momento,

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