Sendo certo que o projeto de lei que o PS apresentou ao fim da tarde na comissão da Transparência já inclui as nomeações do Presidente da República para a sua Casa Civil, a verdade é que - num gesto nunca antes visto num inquilino de Belém - Marcelo resolveu anunciar que ele próprio também tinha feito um articulado, o qual enviaria ao Governo para este o adotar (porque PR não tem poderes legislativos).."Esta matéria está nas mãos dos partidos, do Governo e do Parlamento, exceto numa parte que diz respeito à Presidência da República e em que eu tenho praticamente pronto já um projeto de diploma, mas que tem de ser submetido ao Governo porque o Presidente não tem poderes legislativos, sobre um regime de impedimentos na Presidência da República", disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, quando chegava à Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para participar na sessão solene do Congresso Internacional da Deficiência Visual, com o tema "Sociedade Inclusiva + Participação Responsável = Cidadania Plena", promovido pela ACAPO - Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal..O Presidente aproveitou para cantar vitória pelo facto de o PS ter decidido fazer algo que ele próprio reclamava já há alguns dias - contra a opinião de Rui Rio - que devia ser feito: tratar legislativamente do problema das nomeações de familiares.."Aquilo que me dizem é que, neste momento, há iniciativas que estão a ser ponderadas para apreciação do Governo e do Parlamento. E, se for assim, é bom", assinalou..Marcelo Rebelo de Sousa defendeu ainda que a sua função "foi chamar a atenção para a importância da matéria porque, tal como aconteceu na administração pública, durante muito tempo dizia-se [que] basta apenas a ética". "E depois chegou-se à conclusão de que não bastava a ética porque, durante muito tempo, na função pública também não havia lei e dizia-se [que] faz parte do bom senso, faz parte da ética, e um dia concluiu-se 'bom, talvez seja bom haver lei', e hoje há lei e ganhou-se com a lei.".O Chefe do Estado disse também esperar que, "quando os deputados entenderem, quando o Governo entender, quando os partidos entenderem, mais cedo ou mais tarde, se chegue à mesma conclusão quanto aos gabinetes que apoiam titulares de cargos políticos a que se chegou na administração pública há 20 anos"..No PS o dia foi agitado, impondo a necessidade de retificações, acrescentos e esclarecimentos..Ao fim da manhã, após uma reunião do grupo parlamentar do PS, o deputado Pedro Delgado Alves disse que o que está em causa, considerando que "o calendário de trabalhos" da comissão parlamentar da Transparência é "ainda compatível com uma alteração desta natureza, ou seja, o aditamento de dois ou três artigos a uma legislação que existe, que não implica trabalho muito moroso, para ser aprovado ainda nesta legislatura", até julho..A questão do "terceiro grau"."Aquilo que fizemos foi precisamente ir buscar exemplos de direito comparado, nomeadamente a legislação francesa, aprovada há pouco tempo pelo presidente Macron, indo mais além, identificando que se torna impossível a nomeação por membros do Governo ou outros titulares de cargos políticos de seus familiares para exercício de funções nos seus gabinetes", afirmou..Segundo Pedro Delgado Alves, olhou-se "para o grau de parentesco da lei Macron", mas também se utiliza aquilo "que resulta do Código do Procedimento Administrativo, que vai mais longe, é mais amplo, tem linhas de parentesco colateral até ao terceiro grau"..As inibições, acrescentou, incluem "ascendentes e descendentes, cônjuges e unidos de facto, adotados", entre outros, e trata-se de as "acrescentar à 'lei dos gabinetes', que é aplicável ao Governo, mas, por remissão, a todos os casos em que um titular de cargo político tenha um gabinete de apoio"..A norma será "aplicável a todos os gabinetes de membros do Governo, de apoio aos órgãos parlamentares, autarquias locais, regiões autónomas, Presidência da República (Casa Civil e Casa Militar)", entre outros..Delgado Alves falou em parentes até ao terceiro grau - mas isso não inclui primos (o terceiro grau só abrange tios e sobrinhos). Isto apesar de o deputado socialista dizer que sim, que os parentes do terceiro grau incluem primos..Resumindo: a meio da tarde o PS teve de esclarecer que a proposta iria abranger a nomeação de familiares até ao quarto grau. Com isso os primos já estão incluídos. Mais uma vitória para o PR, que já o tinha exigido há uns dias. E foi por causa da nomeação de um primo para o seu gabinete que na semana passada se demitiu o secretário de Estado do Ambiente..Ao fim da tarde, mais uma novidade proveniente da bancada socialista, quando o projeto foi formalmente entregue: não podendo o articulado impedir as nomeações cruzadas (políticos a nomear os familiares de outros políticos), a verdade é que impõe que essas nomeações sejam publicitadas na página eletrónica do Governo..O diploma socialista prevê ainda que quem violar a lei seja demitido - e que a nomeação em causa seja anulada: caem o nomeador e o nomeado (como aconteceu com o agora ex-secretário de Estado do Ambiente)..Só o CDS reagiu à iniciativa do PS: "Se o PS pretende fazer uma espécie de cortina de fumo legislativa, envolvendo com isso até a comissão da Transparência, pois que o faça, mas mais uma vez tem o ónus político. Ficamos todos a perceber que esta lei não é para resolver, é uma lei para esconder e, sendo assim, da nossa parte, deverá ter também ela uma sanção política. Agora, o CDS não faz política de cadeira vazia", afirmou o centrista na Assembleia da República.