Nobel da Literatura para Bob Dylan "é um ótimo sinal para o futuro"
A peça teatral de há cinco anos, Carson McCullers Talks about Love, feita de monólogos e da música sobre a escritora norte-americana Carson McCullers, poderia ser entendida como o ponto de partida para o novo álbum de Suzanne Vega. Mas nasceu num trabalho de liceu da cantora, que já prepara a estreia em 2017 do terceiro musical inspirado na escritora dos anos 1940 e 1950. Depois, a sua vida segue em frente.
Era um velho sonho seu fazer um álbum dedicado a Carson McCullers?
Sim. Estive a trabalhar neste álbum durante muito tempo. Sinto-me feliz e aliviada por finalmente poder pôr cá fora este disco e, finalmente, poder partir para outra [risos].
Como é que este projeto começou?
Começou quando eu estava no liceu, durante os meus estudos de teatro. O meu professor desafiou-me a encarnar uma personagem que estivesse ligada às artes mas que já não fosse viva. Pediu-me que me preparasse para responder a perguntas como se eu estivesse num programa de TV. Foi um exercício tão incrível e tão divertido. A figura que eu escolhi foi a Carson McCullers. Como sabia qual era a imagem dela, achei que conseguia representá-la. Representei-a como um mero exercício. E fiquei apanhada pela ideia de a encarnar em palco. Esta é a terceira vez que escrevo esta peça, espero que seja a última.
As canções de Lover, Beloved: Songs from an Evening with Carson McCullers são mais baseadas nas personagens de Carson McCullers ou na própria escritora?
A maior parte das canções é baseada nela própria. O problema é que mesmo as canções sobre as suas personagens são, no fundo, sobre ela própria. A música We of Me centra-se no livro The Member of the Wedding. É sobre uma criança que quer fazer parte do casamento do irmão. É escrito do ponto de vista da personagem mas na vida real ela procurou sempre triângulos amorosos com o seu marido [Reeves McCullers] e uma outra pessoa. No fundo, essa canção é sobre as duas: a escritora e a personagem.
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Como é que descobriu a obra de Carson McCullers?
Descobri o seu trabalho através de uma coleção de contos de diferentes autores e o conto que me chamou a atenção era escrito por ela e chamava-se Sucker, com um estilo bem porreiro, muito bem escrito, ao mesmo tempo duro e com muita piada. Mergulhei completamente nos dois personagens que até eram masculinos. Tratava-se de dois rapazes. Dois ou três anos mais tarde, vi uma foto da Carson McCullers e apercebi-me, para minha surpresa, de que esse escritor era afinal uma mulher. Passei a aprofundar todo o seu mundo.
A primeira vez que vi o nome de Carson McCullers, também pensei que fosse um homem.
Ela fez isso de propósito. Na verdade, Carson era o seu nome do meio. O seu primeiro nome era feminino, Lula. Nos estados do Sul, fazem muito isso: dão um segundo nome de outro membro familiar ou de um homem. Também a Harper Lee tinha um nome muito masculino.
A Carson tornou-se uma nova-iorquina como a Suzanne. Que outros aspetos partilha com a escritora?
Penso que ambas temos ambição. Tal como aconteceu comigo, estudou afincadamente uma disciplina mas especializou-se noutra atividade. Ela estava a formar-se como pianista mas dedicou-se à literatura. Também ela teve a pressão de ser artista em criança. Há ainda a sensação comum de sermos rebeldes. Ela foi rebelde no seu bairro e na sociedade em geral. Eu fui rebelde na minha família.
É uma leitora de livros southern gothic?
Não, nem por isso. Limitei-me a desenvolver um afeto muito próprio pela Carson McCullers. E serei tudo menos especialista do subgénero. Não andei propriamente a ler livros da Flannery O"Connor ou da Eudora Welty.
Porque é que escolheu uma canção sobre Harper Lee?
Por razões óbvias, pois a Carson McCullers e a Harper Lee eram rivais. A Carson McCullers escreveu aquele famoso livro sobre os direitos civis em 1940, O Coração é Um Caçador Solitário. Ela conseguiu prever nesse livro a marcha pela igualdade em Washington que aconteceu em 1963 mas que descreve com clareza em 1940. Em 1959, quando a Harper Lee apareceu, as pessoas pensavam que aquele era o trabalho definitivo daquele tipo, e no entanto a Carson McCullers já andava a fazer aquilo há vinte anos. A Harper Lee conseguiu escrever um clássico, Mataram a Cotovia, ao contrário da Carson McCullers, pelo facto de o seu trabalho ser demasiado idiossincrático e alternativo. Resolvi tornar essa rivalidade inclusiva.
Concorda com o lançamento do segundo livro da Harper Lee, Go Set a Watchman? É controverso, pelo menos.
É controverso mas como já tinha lido - e gostado - Mataram a Cotovia, não senti a necessidade de ler essa prequela, a versão anteriormente escrita. Prefiro não comentar sobre a legitimidade do livro, mas depois de ter consultado alguns artigos de imprensa, preferi manter-me fiel ao que conhecia de Mataram a Cotovia. Penso que terá havido alguma exploração. Teria sido melhor se tivessem deixado que a Harper Lee solidificasse esse livro, atendendo à sua reputação, em vez de anunciarem que encontraram aquele manuscrito ao fim daqueles anos todos. Mas dizem que foi um sucesso. Não se pode contra-argumentar contra o sucesso.
Quão importante foi Gerry Leonard no seu disco?
Ele tem sido incrível. Tem estado comigo desde o início deste processo de gravação do álbum. O Gerry ajudou-me a arranjar as canções com o Duncan (Sheik). Ele procurou uma música calorosa e acústica. Soube coordenar bem a banda, conseguiu pô-la a tocar instrumentação que normalmente não usamos, como o contrabaixo, o banjo, o ukulele, o acordeão, o trombone. Tivemos de trabalhar muito rapidamente e ao vivo por causa do baixo orçamento. Estou muito contente com o resultado.
Já o conhece bem.
Já o conheço desde 2000. Ele trabalhou comigo no álbum Songs in Red and Gray. O Gerry fez uma digressão comigo quando eu tinha um braço partido. Conseguia fazer as partes dele e as minhas com enorme facilidade. E desde então passou a tocar comigo, quando não estava em digressão com o David Bowie. Se não fosse o Bowie, o Gerry teria tocado comigo mais vezes.
Festejou o Nobel da Literatura atribuído a Bob Dylan?
Penso que foi fantástico. Estou muito contente pelo Bob Dylan e penso que é um prémio merecido. Este galardão volta a iluminar as pessoas sobre a qualidade do seu trabalho e sobre a sua componente literária. É um ótimo sinal para o futuro. Ele mudou o mundo da canção.
Quais são os próximos projetos?
A peça teatral [sobre Carson McCullers] vai ser produzida no próximo ano. Vai haver um grande anúncio em março próximo ou em abril. Vai estar em cena quatro semanas num teatro dos Estados Unidos que ainda não posso revelar. E vão ser necessárias quatro semanas de ensaio. Portanto, esse projeto vai tirar-me algum tempo. E já estou a preparar o próximo álbum. Estou com grandes projetos em mãos.