O grupo de voluntários dirige-se apressado para as torres do bairro de Churchill Gardens, vindo do metro de Pimlico, onde tinham acabado de se conhecer. Divididos em grupos de quatro ou cinco, têm os panfletos, já prepararam os argumentos. Um deles é responsável por levar a pasta com os nomes e as moradas dos eleitores da zona. O desafio é bater às portas, procurando saber em quem vão votar nesta quinta-feira e convencer os que estão indecisos de que a melhor escolha para travar o Brexit é o Labour. Mas têm concorrência..São 14.30. Menos de quatro horas depois, à porta do mesmo metro, juntam-se os voluntários (menos) dos liberais-democratas (Lib Dems) com destino a outra zona da circunscrição das cidades de Londres e Westminster, querendo aproveitar o facto de neste círculo eleitoral, que sempre votou nos conservadores, 72% dos eleitores terem votado contra a saída do Reino Unido da União Europeia no referendo em 2016..No coração político do Reino Unido, que alberga não só o edifício do Parlamento britânico mas a própria Downing Street, onde fica a residência do primeiro-ministro, existe o sentimento de que é possível derrotar os tories. Os conservadores, após 18 anos a contar com Mark Field (cuja carreira parlamentar ficou manchada em junho de 2019 pelo facto de ter empurrado uma ativista durante um evento com o ministro das Finanças, Philip Hammond), apostam agora em Nickie Aiken, que faz parte do governo local..O candidato do Labour é Gordon Nardell, que se identifica no Twitter como "judeu, socialista" e escreve que "só o Labour pode travar o Brexit do Boris", numa referência ao primeiro-ministro conservador. Já os liberais-democratas viraram-se para o deputado e antigo ministro-sombra Chuka Umunna, que após mais de duas décadas no Partido Trabalhista se demitiu em desacordo com o líder, Jeremy Corbyn.."É imperdoável que, no fervor de roubar votos ao Labour, os Lib Dems vão deixar entrar mais um deputado conservador no Parlamento e levar ao Brexit que Boris Johnson quer", alertou Nardell, no dia em que o DN acompanhou a campanha porta-a-porta, lembrando que só precisa de que pouco mais de 1500 eleitores mudem de ideias. Nas eleições de 2017, a vantagem dos conservadores foi a mais curta de sempre na circunscrição das cidades de Londres e Westminster (Cities of London and Westminster, em inglês) - 3148 votos.."Os Lib Dems estão a viver na terra da fantasia. Eles nunca fizeram melhor do que um terceiro lugar nesta circunscrição, muito raramente tiveram mais de 10% ou 11% dos votos. Não vão conseguir ganhar. O problema é que cada voto contra os conservadores que vá para os Lib Dems é um voto a menos para o Labour, o único partido que pode vencer os tories nesta circunscrição", acrescentou o trabalhista, em campanha ao lado do humorista e ator Eddie Izzard, junto a uma escola, distribuindo panfletos entre os pais que aguardavam os filhos..O discurso dos Lib Dems é diferente. "Tenho tido muita sorte. Todas as pessoas com quem falei têm dito: 'Bom, não me vou juntar aos Lib Dems, mas vou votar em vocês desta vez.' Tenho tido um feedback muito positivo. É claro que também há pessoas que dizem que gostam do que o partido defende, mas vão votar nos tories para manter o Labour fora do poder", contou Julian Sims, um dos voluntários do partido de Jo Swinson que esqueceu o frio para fazer campanha por Umunna..Esta não é a sua primeira vez em campanha, mas desta vez sentiu que era ainda mais urgente estar nas ruas. "Resolvi participar por causa do Brexit porque quero mesmo, mesmo, mesmo impedir o Brexit. A minha filha vive em França e quero que os meus netos cresçam com a mesma sorte que eu tive, de poder viajar e viver onde queiram na Europa", contou.."Quem é que se pode manter neutral?".Na torre G da Coleridge House, nos Churchill Gardens, Graham é um dos que abrem a porta quando os voluntários do Labour batem. Foi convencido a votar nos Lib Dems precisamente porque quer evitar a saída da União Europeia. Algo contra o qual os voluntários procuram argumentar, lembrando que depois do primeiro referendo não se pode simplesmente dizer que se quer revogar o Brexit, é preciso voltar a ouvir as pessoas..Mas Graham não gosta da posição de Corbyn, que quer renegociar o acordo de saída para manter uma relação mais próxima com Bruxelas e depois submetê-lo a novo referendo, dizendo contudo que vai manter uma posição neutra. "Mas quem é que se pode manter neutral desta forma?", questiona..Gemma, que já tinha andando de manhã no porta-a-porta e tinha ouvido várias vezes a mesma pergunta, tinha a resposta na ponta da língua. "A posição de Corbyn não conta. É irrelevante. A maioria do Labour é contra o Brexit e o partido é democrático, faz o que a maioria quer. Logo, fará campanha contra o Brexit. E o importante é garantir que haverá esse segundo referendo", argumenta..Com um filho de 15 anos na escola, Gemma admite, mais tarde, que sente que a campanha é mais importante do que os exames que estava a realizar nesse dia. "Se falharmos agora, é o futuro dele que está e causa", diz..Também não é a primeira vez que Alice Bounsall faz campanha porta-a-porta. "O Brexit continua a ser a maior preocupação. Quando as pessoas foram alvo de pressão como foram, claro que o tema se tornou uma enorme obsessão para elas. Tentar ultrapassar isso é muito difícil", contou a voluntária do Labour. "Em 2016 as pessoas não sabiam no que estavam a votar. Agora, com a informação que temos, precisamos de voltar a fazer a pergunta. Querem sair ou continuar? Sinceramente não sei qual é a resposta que venceria, mas sinto que estas eleições deviam estar focadas noutra coisa para lá deste tema.".Na sua opinião, nestas eleições, os britânicos "têm a oportunidade de ter um governo no poder que vai ouvir as pessoas e que se preocupa com todos, não só com os muito ricos". Alice, atriz, explica a importância de estar nas ruas a fazer campanha: "Um terço dos donativos dos conservadores vêm dos milionários. Eles têm muito mais dinheiro do que nós, dinheiro que usam na publicidade dirigida no Facebook. Nós não temos isso. Nós só temos as pessoas e é por isso que estamos aqui. Para passar a mensagem.".Na hora de contar os votos, Gordon Nardell espera ter convencido um número suficiente de eleitores e ajudar a derrotar os tories a nível nacional. Mas sabe que a tarefa não é fácil. "É muito difícil prever como é que estas eleições vão ficar. Mas sinto no ar o mesmo sentimento que havia nas eleições de 2017. Algo estava a mudar nas últimas semanas de campanha que não estava a refletir-se totalmente nas sondagens. Mas sentia-se nas conversas que estávamos a ter porta-a-porta", explica. "Não há aqui quase nenhum apoio aos conservadores, as pessoas não querem um Brexit duro, o que querem é votar no partido que sentem que está mais bem colocado para impedir a eleição de outro deputado conservador. E estamos a tentar persuadi-los de que esse partido é o Labour."