No Butão o primeiro-ministro é médico aos sábados
Lotay Tshering fez 50 anos esta sexta-feira e os funcionários do governo fizeram-lhe uma festa. Sorridente, o primeiro-ministro do Butão surge nas fotografias da sua página oficial de Facebook com um bolo e um cartaz a dizer "Parabéns chefe". Fotografias essas que foram também partilhadas numa outra página sua: a Dr. Lotay Tshering. Isto porque o chefe do governo butanês também é médico e, mesmo depois de eleito, continua a exercer. Às quintas-feiras de manhã faz aconselhamento a futuros profissionais de saúde e aos sábados vê pacientes e faz cirurgias.
"Há quem goste de jogar golfe, há quem goste de tiro ao arco, eu cá gosto de operar. Vou continuar a fazer isto até morrer e sinto falta de não poder estar aqui todos os dias. Quando vou de carro para o trabalho, durante a semana, gostava de poder voltar à esquerda na direção do hospital", diz Lotay Tshering aos repórteres da agência internacional AFP, que num sábado destes o encontraram no Hospital Central Jigme Dorji Wangchuck. Apesar de tudo, o líder do Partido Unido do Butão diz que encontra alguns pontos de ligação entre a profissão de médico e o cargo de primeiro-ministro.
"No hospital eu faço raio-X e trato os pacientes. No governo faço raio-X e trato da saúde das políticas. Tento melhorá-las", diz o governante, naquele hospital de Thimphu, a capital do Butão. Lotay Tshering, que estudou no Bangladesh e durante muito tempo foi o único urologista com formação superior no seu país natal. Mais tarde fez especializações em universidades de países como o Japão, Singapura e Austrália. Continuar a exercer como médico, diz, é para ele um anti-stress.
No ano passado Lotay Tshering tornou-se o terceiro primeiro-ministro democraticamente eleito do Butão. E o seu Partido Unido do Butão nem sequer tinha antes qualquer deputado no Parlamento do Butão. Conhecido dos butaneses pelo seu trabalho junto das comunidades rurais mais desfavorecidas, centrou o seu discurso nas questões sociais, no combate ao desemprego, na melhoria dos cuidados de saúde. Estes já são, tal como a educação, gratuitos no Butão. Na televisão butanesa participava num programa sobre medicina e até recebia telefonemas para dar conselhos médicos enquanto estava no ar. Tshering dominou nas duas voltas do escrutínio e a sua formação política obteve maioria de 30 deputados num total de 47.
Entalado entre a China e a Índia, os dois países mais populosos do mundo, o Butão tem cerca de 750 mil habitantes e a sua área, 38,3 Km2, é praticamente metade da de Portugal Continental. Predominantemente budista, o país tem seguido o seu próprio caminho de desenvolvimento, defendendo e respeitando o ambiente e a mãe natureza, como manda a Constituição. Segundo a lei fundamental deste país asiático é obrigatório que 60% do território continue coberto por floresta. Talvez por isso o Butão seja o único país do mundo com taxa negativa de carbono, ou seja, absorve mais emissões de CO2 do que produz.
Para proteger a sua floresta e os seus templos, o Butão impõe quotas rígidas aos turistas, ou seja, quem quiser ser aceite no país como turista tem que se comprometer a gastar pelo menos 250 dólares por dia (223 euros). No Butão, o Produto Interno Bruto era, em 2017, segundo o CIA WorldFactbook, de 9 mil dólares. Mas, por contraponto ao PIB, o desenvolvimento do país é avaliado também através do índice de Felicidade Interna Bruta. Este foi criado, em 1972, pelo rei Jigme Singye Wangchuck, em resposta aos que afirmavam que a economia do seu país apresentava níveis de crescimento muito pobres.
Baseada nos valores espirituais budistas a Felicidade Interna Bruta tem como pilares a promoção da educação para a inclusão social, a preservação e promoção dos valores culturais, a boa governança, a saúde na garantia da vida, o desenvolvimento sustentável para a inclusão e potencialização dos níveis de vida, a diminuição da jornada de trabalho na promoção do tempo livre e do lazer, o estimulo da prática de desporto, a igualdade de género e a liberdade de pensamento.
Apesar de tudo, o país debate-se com muitos problemas que também existem noutros países, como o desemprego, o crime, a obesidade... Segundo um estudo publicado no Bhutan Health Journal um em cada três butaneses sofre de obesidade. A taxa de desemprego era, em 2017, segundo o CIA WorldFactbook, de 3,2% e 12% das pessoas viviam abaixo do limiar da pobreza. A taxa de criminalidade aumentou em 95%, segundo o governo do Butão, devido ao desemprego jovem e devido ao facto de até há três anos o registo de crimes não ser obrigatório no país, nota a página do Overseas Security Advisory Council dos EUA.
De qualquer forma, para os butaneses é um privilégio ser tratado pelo primeiro-ministro, sublinha a reportagem da AFP. "Agora que fui operado pelo primeiro-ministro, que é considerado um dos melhores médicos do país, sinto-me mais aliviado", confessa Bumthap, um butanês que naquele sábado foi operado à bexiga, no hospital Jigme Dorji Wangchuck por Lotay Tshering.
Pai de três filhos, dois deles adotados durante o tempo em que esteve no hospital regional de Mongar, distrito do Butão, Tshering candidatou-se a primeiro-ministro pela primeira vez em 2013. Falhou. À segunda, em 2018, foi de vez. A sua primeira visita oficial ao estrangeiro foi à Índia, sem dezembro, onde se reuniu como o primeiro-ministro Narendra Modi. O seu governo tem 10 ministros. Voluntário durante o terramoto do Nepal, em 2015, teve que reembolsar o Estado por toda a formação que recebeu por forma a poder assumir o cargo de primeiro-ministro.
Agraciado pelo Dalai Lama com o prémio de herói da compaixão, em 2005, segundo o DailyBhutan.com Lotay Tshering diz inspirar-se numa oração atribuída a Madre Teresa de Calcutá, freira católica, que dedicou a sua vida a servir os outros: "As pessoas, por vezes, são pouco razoáveis, irracionais, centradas em si mesmas. Perdoa-lhes na mesma. Se fores simpático, as pessoas podem acusar-te de ser egoísta, por motivos ulteriores. Sê simpático na mesma. Se tiveres sucesso, ganharás alguns amigos infiéis e alguns fiéis inimigos. Sê bem-sucedido na mesma. Se fores sincero e honeste, as pessoas podem desiludir-te. Sê sincero e honesto na mesma. Aquilo que passaste anos a construir, outros podem destrui-lo da noite para o dia. Cria na mesma. Se encontrares serenidade e felicidade, alguns terão ciúmes. Sê feliz na mesma. O bem que fizeres hoje, será por vezes esquecido. Faz o bem na mesma. Dá o melhor que tiveres, e nunca será suficiente. Dá o teu melhor na mesma. No final de contas, é tudo entre ti e Deus. Nunca foi entre ti e eles".