Foi a primeira-ministra Margaret Thatcher que inspirou Nicola Sturgeon a aderir, com apenas 16 anos, ao Partido Nacionalista Escocês (SNP). Não porque a conservadora britânica fosse um exemplo a seguir numa altura em que a economia não andava lá muito bem e o desemprego parecia ser a norma, mas porque já então considerava que era errado que a Escócia fosse governada por um Executivo que não tinha eleito e porque estava convencida de que só a independência podia fazer prosperar o país. Algo que continua a defender hoje, aos 51 anos, os últimos sete à frente do governo escocês. E porque insiste em realizar um segundo referendo sobre o tema..Sturgeon arrisca o seu legado político com a tentativa de realizar um segundo referendo sobre a independência da Escócia menos de 10 anos depois do primeiro, numa altura em que as sondagens indicam que esta não é uma prioridade nos próximos dois anos. Segundo a YouGov, só um em cada cinco escoceses acredita ser uma prioridade (atrás do sistema nacional de saúde, da economia, da educação ou da crise climática). E, chamada a pronunciar-se sobre o tema, a maioria voltaria a votar contra esta ideia. "Se houvesse um referendo amanhã, 44% dos escoceses dizem que votariam "sim", enquanto 46% votariam "não", havendo ainda 10% de indecisos", segundo uma pesquisa da Savanta ComRes para o The Scotsman. "Removendo esses indecisos, a intenção de voto seria 51% a favor do "não" e 49% a favor do "sim".".À frente do governo escocês desde 14 de novembro de 2014, Sturgeon tornou-se em maio na primeira ministra escocesa há mais tempo no cargo, ultrapassando o seu antecessor e mentor, Alex Salmond, entretanto caído em desgraça - demitiu-se depois de 55% dos escoceses terem votado "não" no referendo de 18 de setembro de 2014 e viria a ser acusado de assédio sexual, que sempre negou, acabando por ser ilibado pela justiça em março de 2020 e por acusar o governo da sucessora de não ter investigado corretamente a situação..Nascida a 19 de julho de 1970 em Irvine, Sturgeon estudou Direito em Glasgow. Antes de entrar para o Parlamento escocês, em 1999, ainda trabalhou como solicitadora. Desde 2007 que ocupou vários cargos no governo escocês, começando como ministra da Saúde e do Bem-Estar, e em 2012 passando para as Infraestruturas, Investimento e Cidades e vice-primeira-ministra da Escócia. Quando Salmond anunciou a demissão após perder o referendo, ela foi a única candidata à sua sucessão nas eleições do SNP (em 2004 tinha abdicado de concorrer à liderança para avançar como número dois dele), tomando depois posse como primeira-ministra a 20 de novembro de 2014. É a primeira mulher no cargo. O seu marido, Peter Murrell, com quem casou em 2010, é o líder executivo do partido..Apesar de o referendo à independência ter sido apontado como a "oportunidade de uma geração", Sturgeon sempre defendeu a necessidade de voltar a consultar os escoceses, mesmo antes do referendo do "Brexit" (em 2016), que acabou por ser a gota de água. A Escócia votou 62% para continuar na União Europeia, mas no conjunto do Reino Unido a opção de sair venceu com 52%.."A independência é sobre equiparmo-nos para navegar o futuro, guiados pelos nossos próprios valores, aspirações e interesses. É sobre ajudar-nos a alcançar o nosso potencial aqui em casa e desempenhar o nosso papel na construção de um mundo melhor", afirmou Sturgeon no Parlamento escocês, a 28 de junho, anunciando o seu plano para um novo referendo a 19 de outubro de 2023. "Agora é a hora da independência", declarou..Em 2014, o governo britânico deu luz verde ao referendo (transferindo poderes para o Parlamento escocês de forma a tornar a consulta legal), mas agora não há interesse em repetir o cenário. Daí que o plano de Sturgeon passe por ter um referendo consultivo, que obriga, em caso de vitória do "sim", a passar legislação tanto no Parlamento escocês como no inglês (a independência não seria automática). Antecipando já uma disputa legal, pediu ao Supremo Tribunal do Reino Unido que se pronuncie sobre se é legal ou não convocar a consulta sem a autorização de Londres. Caso este se pronuncie contra o referendo, a chefe do governo quer que as eleições gerais britânicas se tornem, elas próprias, num referendo. Uma maioria do SNP (que iria a votos só com o tema da independência no programa) desencadearia o processo de negociação..Um dia depois de discursar no Parlamento, Sturgeon foi recebida pela rainha Isabel II, que todos os anos passa uma semana no Palácio de Holyrood, a sua residência em Edimburgo. Em 2014 os planos eram para manter a monarquia, e nada deve mudar nesse sentido..susana.f.salvador@dn.pt