Nicola Dutto, de 48 anos, vai participar este ano pela primeira vez no rali Dakar, mas não é "só mais um" a tentar a sempre difícil tarefa de completar a clássica prova, cuja edição de 2019, a 41.ª, vai de 7 a 17 de janeiro, no Peru. O piloto italiano, natural de Turim, vai fazer história ao ser o primeiro paraplégico a competir numa moto..Durante a primeira década do ano 2000, Nicola Dutto somou títulos atrás de títulos. Começou a correr em Espanha, sagrando-se campeão a conduzir em todo-o-terreno, nas chamadas Bajas, em 2004 e 2006. Depois do sucesso em solo espanhol, uma grande marca convidou-o a competir no seu país natal, onde se sagrou também campeão, em 2008 e 2009. A estes dois títulos em Itália somou também dois Campeonatos da Europa de Baja, sendo então um dos mais proeminentes pilotos da categoria no Velho Continente..Em 2010, numa corrida em Itália, um grave acidente virou-lhe a vida do avesso. "No dia do acidente arranquei em primeiro, porque era o campeão europeu e conhecia os terrenos muito bem. Deve ter sido uma pedra muito grande, ou um pedaço de rocha que atingiu a mota. Fui catapultado para a frente mas consegui agarrar-me à moto. A minha velocidade passou de 160 km/h para 0, em 4 ou 5 metros e bati com a cabeça no depósito. Parti todas as vértebras, da segunda até à última", recordou o italiano numa entrevista a uma das principais marcas que agora o patrocinam..Durante e depois do dramático acidente, a "última coisa" que Nicola Dutto imaginava era "voltar a pilotar uma moto". "Quando sofres uma lesão destas o maior problema é manter o equilíbrio. Perdi todas as sensações abaixo do umbigo e não sinto o peso do corpo abaixo da cintura", explicou..A cadeira de rodas passou a ser a sua forma de se movimentar, mas dizer que ficou confinado à mesma não corresponde à realidade, porque nove meses depois de sair do hospital, em novembro de 2011, decidiu voltar a competir. Desta vez nas quatro rodas. Foi num buggy adaptado às suas necessidades, que entrou na mítica Baja 1000, com amulher Elena ao seu lado. A corrida não correu da melhor forma, mas Nicola Dutto não esmoreceu e anunciou um projeto ainda mais desafiante: voltar às motos..Logo em 2012, Nicola foi protagonista de um momento histórico dos desportos motorizados, ao participar na Baja de Aragão (500 quilómetros) como o primeiro piloto paraplégico de motos. Nos anos seguintes, depois de encontrar um assento acolchoado confortável e "bom para a pele", e uma estrutura para apoiar e proteger as pernas, participou em várias corridas, não só nos EUA (Nevada e Califórnia), como em todo o Campeonato do Mundo de Baja, em 2016. "Não tive quaisquer problemas, principalmente com a minha pele, e o sonho que tinha quando conseguia andar era fazer o que estou a fazer agora", frisou..Agora, o Dakar... ou os "Jogos Olímpicos".Ao site da KTM, marca das motos que tem utilizado e da que vai conduzir no Dakar, Nicola Dutto disse que a prova que vai disputar agora, ao contrário do que se poderia pensar para um consagrado piloto, "nunca foi um sonho". "Mas há três anos, enquanto via a corrida na televisão, pensei 'por que não ir ao Dakar?'", contou..Apesar de não ser um sonho de sempre, o piloto italiano admite que chegar à mítica prova é um momento importante da sua vida, comparando a participação a outra importante competição da história do desporto e do planeta: "Antes do acidente, as Bajas eram o meu foco, mas desde aí tenho procurado oportunidades em todo o lado, como o Dakar. Nunca foi um sonho para mim, como era para a maioria, mas agora, para mim, ir ao Dakar, é como participar nos Jogos Olímpicos"..A moto especial e os "pilotos fantasma".Para fazer frente aos mais de 5 mil quilómetros desta edição do Dakar, compreendidos em 10 etapas, em que 70% do percurso é de areia, Nicola Dutto tem uma moto adaptada às suas necessidades e ainda antigos adversários que são agora aliados imprescindíveis.."Vou competir com uma KTM equipada com barras especiais para proteger as minhas pernas, que eu desenvolvi, e vou ter junto às mãos os botões que preciso para travar, alterar as mudanças e acelerar. Aliás, estou atado à moto e não estarei sozinho", explicou, em declarações à pagina do Dakar..O piloto italiano, dorsal 143 desta edição do Dakar, não vai definitivamente estar sozinho na aventura. Terá a companhia dos "pilotos fantasma", ou seja, três pilotos que vão acompanhá-lo para precaver qualquer eventualidade. São eles Pablo Toral, Victor Rivera e Julian Villarrubia, todos antigos adversários das corridas em Espanha.."Um irá à frente, porque eu não posso parar para olhar em volta ou ver para onde é suposto ir. Ele vai guiar-me para os trilhos certos no meio das dunas. Ele também estará lá para me apanhar quando tiver de parar para combustível ou se chegar à meta. Os outros dois pilotos vêm atrás, para o caso de algo correr mal e eles terem de me apanhar. Como estou preso à moto, é importante que sejam dois, para me levantarem a mim, à moto e ainda a estrutura onde estou", explicou o italiano..Com tudo preparado para enfrentar a competição, Nicola Dutto não teme, segundo o próprio, literalmente nada. "Vou começar motivado para dar o máximo. Estou fascinado pela ideia de passar tantas horas na moto e forçar os meus limites físicos e mentais. Assustado? Nada me assusta", garantiu.