O sucesso da campanha de vacinação contra a covid-19 em Israel é o grande trunfo eleitoral do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Quase 60% dos adultos israelitas já receberam pelo menos uma dose da vacina e os vacinados têm luz verde para ir aos restaurantes, ginásios, estádios ou concertos. Mas nas quartas eleições no espaço de dois anos e com as primeiras testemunhas prestes a serem chamadas no seu julgamento por corrupção, Netanyahu precisa mais do que vencer - precisa de uma maioria. E isso não está garantido..As sondagens indicam que 51% dos israelitas não querem Netanyahu, à frente do governo desde 2009 (e antes disso entre 1996 e 1999), como primeiro-ministro. Mas nenhum dos adversários é tão popular quanto ele. Benny Gantz, líder da Azul e Branca (aliança de centro, entretanto desfeita), parece agora uma carta fora do baralho depois de dois anos de luta. O atual ministro da Defesa, que com base no acordo que assinou com Netanyahu depois das eleições de março de 2020 deveria assumir a chefia de governo em novembro, pode nem chegar ao mínimo de 3,25% dos votos que lhe garantem a entrada no Knesset com quatro deputados..O principal adversário é, desta vez, o antigo jornalista Yair Lapid, do partido Yesh Atid. É o atual líder da oposição, tendo saído da aliança Azul e Branca quando Gantz aceitou negociar com Netanyahu. Mas na última sondagem do Canal 12 israelita, o Likud conquistava 32 lugares no Parlamento (menos sete do que os atuais, mas o valor mais elevado em meses), frente aos 18 do Yesh Atid (mais dois do que tem agora). As contas têm contudo que se fazer com base nas alianças..Essa mesma sondagem coloca o Likud e os aliados com 51 deputados (a maioria são 61). Os partidos que já declararam o seu apoio a Netanyahu são o Shas (8), o Judaísmo Unido da Torá (7) e os sionistas religiosos (4). Naftali Bennet, líder do Yamina, poderá eleger nove e fazer com que o bloco chegue aos 60, não tendo rejeitado uma aliança com o primeiro-ministro. Pelo contrário, parece ter renunciado ao papel de ser um "fazedor de reis" ao comprometer-se a não apoiar um governo liderado por Lapid..O lado anti-Netanyahu é demasiado diverso, o que dificultará também qualquer aliança. Inclui, por exemplo, um antigo membro do Likud, que saiu depois de não ter conseguido derrotar o primeiro-ministro nas primárias do partido: Gideon Sa"ar. O ex-ministro da Educação e do Interior formou o Nova Esperança e poderá conquistar nove deputados. O bloco inclui ainda a Lista Conjunta (aliança de partidos árabes), que pode eleger oito representantes, o Yisrael Beiteinu do ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman (sete deputados), o Partido Trabalhista (seis) e o Meretz (quatro)..Os números que Netanyahu necessita podem vir do Ra"am, isto é, da Lista Árabe Unida, que pode eleger quatro deputados e cujo líder, Mansour Abbas, disse estar aberto a colaborar com qualquer coligação que esteja disponível a fazer as reformas necessárias que beneficiem a minoria árabe israelita (cerca de 20% da população). Mas esse apoio não iria agradar aos aliados tradicionais do primeiro-ministro, que tem ele próprio tentado captar votos entre os árabes israelitas..Outro dos trunfos que Netanyahu esperava usar nesta campanha era a normalização das relações com quatro países árabes - Bahrain, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão. Mas um esperado encontro com o príncipe herdeiro Mohammad Bin Zayed Al Nahyan, o líder de facto dos Emirados, acabou por não acontecer como previsto por um desacordo diplomático com a Jordânia (com quem tem relações diplomáticas desde 1994)..Em vez da foto que esperava, o primeiro-ministro teve que explicar porque é que um desacordo em questões de segurança tinha levado o príncipe jordano a cancelar uma visita à mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém (lugar sagrado que está sob a guarda da Jordânia). E como isto tinha levado Amã a demorar a dar a autorização para o avião de Netanyahu sobrevoar o território e obrigado a cancelar a ida a Abu Dhabi, sendo que os Emirados também não ficaram satisfeitos com a ideia de serem usados com fins eleitoralistas..Quem ajudou à normalização das relações com os países árabes (oferecendo-lhes incentivos) foi Donald Trump, o maior trunfo de Netanyahu nos últimos anos. O ex-presidente norte-americano foi responsável por reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, mudando a embaixada dos EUA para lá, e deu luz verde aos colonatos em território palestiniano ocupado. Mas já não é uma carta no baralho..Abril de 2019.Desacordo dentro da coligação do governo por causa do serviço militar obrigatório para os ultraortodoxos, assim como as acusações de corrupção contra Benjamin Netanyahu, levam a antecipar o voto. As eleições só estavam previstas para novembro. Likud e aliança Azul e Branca, de Benny Gantz, terminam empatadas, com 35 deputados cada..Setembro de 2019.Depois de Netanyahu não ter conseguido formar uma coligação de governo e para evitar que Gantz tivesse essa oportunidade, o Knesset votou a sua própria dissolução, o que levou a novas eleições em setembro. Gantz conseguiu eleger mais um deputado do que Netanyahu..Março de 2020.Após longas negociações, nem Netanyahu nem Gantz reuniram apoios suficientes para formar governo, obrigando a novas eleições findo os prazos oficiais. Desta vez, o Likud consegue mais quatro deputados que a Azul e Branca e o impasse é desbloqueado quando ambos os líderes chegam a acordo para formar uma coligação. Este acordo previa que Netanyahu assumisse o poder até novembro de 2021 e Gantz, que seria entretanto ministro da Defesa, nos restantes dois anos..Março de 2021.Apesar do acordo, as relações entre Netanyahu e Gantz nunca foram as melhores. As eleições só estavam previstas para maio de 2023, mas a lei dizia que se o orçamento de estado para 2020 não fosse aprovado até 23 de dezembro, o Parlamento seria dissolvido e haveria novas eleições a 23 de março. Críticos do primeiro-ministro dizem que ele chocou com Gantz de propósito, para impedir que este chegasse ao poder, enquanto Netanyahu culpou o líder da Azul e Branca por não conseguir chegar a um compromisso..susana.f.salvador@dn.pt