"Ficámos de braços abertos à espera de um sinal de Telma Monteiro"

Pela primeira vez, um dirigente do Sporting descreve como foi contratado Nelson Évora. O dirigente aborda o interesse em Telma Monteiro, deixa críticas ao ciclismo e anuncia que quer ser campeão em hóquei, andebol, futsal e atletismo. Se algum falhar, assume, será uma desilusão
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De quem foi a ideia de contratar Nelson Évora?

Não houve uma ideia propriamente dita. Conheço-o há muitos anos, estivemos em Pequim 2008...

Aí, as coisas não terminaram bem na relação com o Nelson Évora devido ao facto de Marco Fortes ter regressado mais cedo a Lisboa.

Isso são episódios que acontecem. O Marco Fortes está cá. Ninguém acreditou mas continuo a dizer que o Marco não foi mandado regressar a Lisboa. Estava previsto. Pediu para ficar, mas não era possível.

Nelson Évora disse que o senhor tinha sido "uma vergonha".

Já passaram oito anos, basta confirmar no relatório do chefe de missão que foi assim como estou a dizer. Isso está ultrapassado.

Como se desenrolou a contratação de Nelson Évora?

Acompanhamos as notícias e era evidente, de há um mês a esta parte, que havia alguma coisa. Ele afastou-se do seu treinador de sempre, João Ganço. Havia algo a mudar e isso tinha que ver com a sua assistência de carácter técnico e também com o resto. Vou recuar. Há quase quatro anos, quando fomos eleitos, tinha a ilusão de que podia nas modalidades fazer um bocadinho melhor do que algumas pessoas noutros clubes. Aqui era difícil porque vim substituir Moniz Pereira. Quando cheguei, o Sporting tinha dificuldades financeiras. As modalidades, com exceção do futsal, viviam a meio gás. Era preciso mudar. Começou a ser possível quando o presidente fez a reestruturação financeira. Os bancos não acreditavam neste conselho diretivo, consideravam o presidente muito novo mas verificaram que tínhamos condições. Isso facilitou a reestruturação e as modalidades alcançaram estabilidade financeira. Houve outra mudança que foi a quotização.

Passou toda para o clube...

Agora sim, a 100%. Mas quando entrámos só tínhamos direito a 40%.

Estamos a falar de quanto anualmente? Sete, oito milhões?

Mais. As modalidades estão a correr melhor do que previ, mas o futebol é o alfa e o ómega do clube. Se as coisas correrem bem no futebol temos mais gente a pagar quotas...

Quanto é o orçamento total para as modalidades?

Ronda os dez milhões de euros. No ano passado já fizemos algum investimento no atletismo, no andebol, etc. Mesmo no atletismo fizemos escolhas. Com o orçamento que tínhamos não dava para sermos fortes nas mulheres e nos homens. Decidimos ficar com as senhoras e dispensar atletas masculinos. Fomos campeões nacionais e europeus de atletismo feminino. Percebemos que este é o caminho a seguir desde que haja dinheiro. Reunimos e encontrámos mais algum: 2,8 milhões. Com esta verba é possível fazer triagem. O andebol ainda só perdeu um jogo, o hóquei nenhum. E perguntámos como seria no atletismo. Decidimos apostar nos homens para ganhar este ano a nível nacional e em 2018 a nível europeu em femininos e masculinos. Vimos as pontuações que precisávamos. Fez-se um estudo e a partir daí...

Chegou-se a Nelson Évora.

Sabíamos pelas notícias que algo se passava. Mas há outra situação: precisávamos de condições. Fizemos um gabinete olímpico e para o dirigir fomos buscar a ex-atleta Sílvia Saiote. Finalmente, era necessária uma unidade de apoio médico que, segundo o presidente, é melhor do que a do futebol. Agora temos todas as condições. Veja, temos uma sala com magníficas condições de receção e esperamos, de braços abertos, que as pessoas venham ou não. E elas começaram a aparecer.

Quem se lembrou de Nelson Évora e quanto tempo demoraram as negociações?

A ideia foi das três pessoas envolvidas nisto: eu, o presidente e o Rui Caeiro, vogal do conselho diretivo. Mais ninguém sabia.

Carlos Lopes, responsável máximo do atletismo, não sabia?

Nem o Carlos Lopes sabia.

Quanto tempo guardaram segredo?

15 dias e foi guardado até à hora da apresentação.

Duas semanas antes da sua apresentação no Sporting-Tondela o Nelson Évora estava contratado?

Não, estava-se a negociar.

Como reagiu Nelson Évora quando foi abordado pelo Sporting?

Ele já tinha dado sinais de descontentamento. Mudou de treinador, foi para Espanha... portanto, pensámos, já agora completa a mudança.

Há quem compare a contratação do Nelson Évora à de um futebolista.

Disparate.

É verdade que teve direito a um prémio de assinatura de 50 mil euros e que o Sporting lhe paga 10 mil euros por mês?

Isso são tudo especulações.

Mas ganha menos?

Se estou a dizer que é especulativo é porque ganha menos.

Luís Filipe Vieira disse a propósito de Nelson Évora que não podia pagar 200 mil euros anuais a um atleta.

O Sporting também não. Fracassos de gestão não se explicam com esse tipo de afirmações.

Nelson Évora já disse que era um atleta livre antes de se vincular ao Sporting. O Benfica alega que tinha opção por mais um ano.

Isso é mais uma ilusão.

Mas estava livre ou não?

Claro. Tenho cópia do contrato dele com o Benfica. E num dos artigos diz mais ou menos isto: o Benfica terá o direito de renovar desde que isso seja o desejo de ambas as partes. Houve uma parte que não quis. O contrato está bem feito.

O Sporting está tranquilo?

Não tem problema nenhum. As pessoas não perceberam que isto é a lei do mercado. Não era normal, o Sporting estava enfraquecido.

Com Nelson Évora quer ser campeão nacional mas a sua contratação também visa Tóquio 2020?

O Nelson traz com ele, além do prestígio pessoal e do valor como homem, três possibilidades: ajudar o Sporting na conquista do campeonato nacional, conquista de um Europeu, de clubes e de seleção, e é uma aposta importante em Tóquio. Só vejo vantagens para o Sporting.

Será uma desilusão se não forem?

Claro que sim.

Então o atletismo do Sporting tem como ambição ganhar tudo?

É para ganhar masculinos e femininos coletivamente.

Em 2014, ao DN, disse: "Há um acordo tácito e tem funcionado, principalmente com o Benfica. Se o atleta quer sair, não nos opomos." Este pacto mantém-se?

Não me pergunte isso a mim. O Rui Silva saiu do Sporting para o Benfica antes do Nelson Évora.

Foi o Benfica que começou?

Isso é evidente. Há quanto tempo está lá o Rui Silva? Ele foi-se embora, não foi? O Rui esteve cá 17 anos. Depois disse que ia para o Benfica. Se há uma quebra desse pacto não tem de me perguntar a mim. Se isso aconteceu, e está provado, porque tenho de respeitar algo que mais ninguém respeita? Só se fosse tolinho.

Então considera que esta guerra não foi iniciada pelo Sporting?

Não, não foi o Sporting que começou. Por outro lado, eu não fui bater à porta a ninguém. Nós criámos um nível de acolhimento muito bom. E os atletas que estão no Benfica sabem que o Sporting mudou.

Vieram bater à porta do Sporting?

Grande parte ou na totalidade. Não posso dizer que não houve nenhum que não tivéssemos sido nós a falar. O meu telefone tem tocado... pessoas que nem conheço pessoalmente. Criámos as condições e ficámos à espera. Estou aqui como um Cristo-Rei, de braços abertos para todos os excelentes atletas que queiram vir para o Sporting.

Houve alguma proposta ou conversa com Telma Monteiro sobre um possível ingresso no Sporting?

Nunca telefonei à Telma nem lhe passei qualquer proposta. Fez-se constar à Telma que estaríamos interessados, eventualmente, em estudar a hipótese de ela reforçar o Sporting. E depois ficámos de braços abertos à espera que ela desse um sinal. Não deu, paciência. Que seja muito feliz no Benfica. É uma excelente atleta e gosto muito dela.

Mas quem fez constar?

Já disse que estou aqui de braços abertos. Alguém poderá ter feito constar isso no judo.

Luís Filipe Vieira disse que a Telma tinha recebido uma proposta irreal para o panorama nacional.

Irreais são essas declarações e só se entendem num processo eleitoral.

A Telma Monteiro teve noção de quanto o Sporting lhe oferecia?

Negativo. Nunca se discutiram valores aqui no Sporting sobre essa matéria. Se isso nunca foi discutido entre mim, o presidente e o Rui Caeiro... se alguém falou fê-lo sem capacidade para tal.

O Sporting reforçou-se bastante no hóquei em patins e no andebol. O objetivo assumido é o título nacional?

O objetivo é sermos campeões em hóquei em patins, andebol, futsal e atletismo masculino e feminino.

Será uma frustração se estes objetivos não forem cumpridos?

Para mim será uma desilusão se não formos campeões nacionais nestas quatro modalidades.

Como é a sua relação com Bruno de Carvalho? Houve um momento agitado depois de a parceria no ciclismo com a W52 ter falhado?

Não. Nessa altura fui iludido. Quando só faltava assinar recebemos telefonemas importantes, que não posso revelar. Senti que podia meter o clube numa situação complicada.

Pensou demitir-se?

Tive o enfarte a 15 de dezembro, no dia do jantar do Comité Olímpico. Nem jantei porque me sentia mal e à entrada falei sobre o ciclismo. Isto para explicar que não houve oportunidade de o presidente me dizer que tinha arranjado um sarilho.

Porque não avançou a parceria com a W52, que acabaria por se associar ao FC Porto?

Felizmente parámos o processo a tempo, podia ter trazido graves consequências.

Quem toma a decisão da quebra?

O Sporting. Fomos alertados... E a W52, ao perceberem que havia hesitações, comprometeram-se com o FC Porto. Foram hábeis.

O Sporting fez uma proposta a Gustavo Veloso, recusada pelo ciclista do FC Porto. O investimento vai aumentar no ciclismo?

Queríamos que a equipa fosse mais forte, ficámos desiludidos com a participação na Volta a Portugal. É melindroso falar de assuntos que rodeiam o ciclismo. Há coisas que não compreendo.

Está a falar de quê?

Não percebo como um rolador nato se mostra um grande trepador.

Está a falar de doping?

Não estou a acusar ninguém. Mas que há coisas que a mim, que sou um leigo, me causam estranheza... isso há. Se fazemos uma equipa para disputar uma competição 100% limpa é uma coisa. Quem investe mais, tem melhores atletas e mais hipóteses de ganhar. Se duvidamos disso não é por aí que resolvemos o problema.

O ciclismo português não é limpo?

Tenho dúvidas sobre certas prestações.

Quer nomear?

Não, não quero.

Perante essas dúvidas, o que vai fazer o Sporting ?

Manter o investimento.

200 mil euros anuais?

Não estou autorizado a dizer, mas são valores relativamente baixos.

Qual é a modalidade do seu pelouro com mais orçamento?

Isso é fácil de dizer.

O futsal?

Claro.

E depois vem o atletismo?

Ainda não. O andebol e o hóquei.

Acha que Moniz Pereira ficaria satisfeito por ver o Sporting apostar tanto nas modalidades?

Com certeza, como ficou, em vida, quando viu pela primeira vez uma equipa do Sporting ganhar um campeonato europeu feminino. Isso deu-lhe a tranquilidade que ele não tinha nos primeiros tempos desta equipa diretiva. O que estamos a fazer respeita a sua memória.

Que balanço faz do mandato de José Manuel Constantino, seu sucessor à frente do Comité Olímpico de Portugal?

Não quero entrar nessa apreciação. Tem feito um bom trabalho e não diria mais nada.

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