Nem marchas nem casamentos, arraiais por decidir: pandemia volta a travar festas de Lisboa
A cidade de Lisboa vai viver outra vez uma noite de Santo António sem festa. Pelo segundo ano consecutivo, o tradicional desfile das Marchas Populares na Avenida da Liberdade vai ser cancelado, tal como os casamentos de Santo António. Por decidir está ainda se será possível fazer arraiais, mas é pouco provável que isso venha a acontecer, pelo menos sem fortes restrições. O ano passado a Câmara de Lisboa interditou quaisquer arraiais e jantares-convívio e proibiu assadores e fogareiros nas ruas.
Em comunicado a Câmara de Lisboa refere que "tendo em conta o atual contexto pandémico e devido às restrições de saúde pública que ainda se mantêm não será possível realizar este ano o concurso das Marchas Populares". Uma situação que a autarquia diz ver "com tristeza", afirmando-se "ciente do impacto não apenas económico, mas também social e emocional, nas famílias e comunidades diretamente envolvidas, que provoca a não realização deste momento ímpar na vida cultural da cidade".
Na mesma nota, a câmara avança que, no sentido de "minorar o prejuízo económico", atribuirá a cada entidade organizadora das Marchas o valor correspondente a metade do subsídio habitual - 15 000 euros. Já o ano passado a autarquia tinha atribuído idêntico subsídio, como compensação pela não realização das Marchas, mas o apoio foi então de metade do valor que é agora atribuído: 7500 euros.
Além das marchas, e ao que o DN apurou, também os casamentos de Santo António vão ser novamente cancelados, à semelhança do que aconteceu em 2020.
Em junho do ano passado, à data do feriado municipal na capital, a área metropolitana de Lisboa estava sob restrições mais apertadas que a generalidade do país, devido aos números altos de contágios por covid-19.
Se por agora os números são mais favoráveis, pelo meio o país passou por uma segunda e terceira ondas de contágio, com a última a bater todos os recordes negativos. O princípio para as festividades de junho será, por isso, o da precaução, pelo que a habitual festa de rua deverá, muito provavelmente, cingir-se a alguns espetáculos, ou ao ar livre ou em espaços fechados. Um programa que está a ser delineado pela EGEAC, empresa municipal responsável pela animação cultural na cidade.
A notícia de que este ano não haverá Marchas Populares chegou com pena, mas sem surpresa às coletividades lisboetas. "É mais um ano desgraçado", diz Pedro Franco, presidente da Associação de Coletividades do Concelho de Lisboa - por inerência, presidente do júri do concurso das Marchas.
Chegados a maio sem que todo o processo esteja a andar, seria muito difícil, se não impossível, montar tudo a tempo do tradicional desfile na Avenida da Liberdade na noite de Santo António, argumenta o dirigente associativo. Pedro Franco diz também compreender que há razões sanitárias que justificam o cancelamento de um evento que chega a "juntar 300 mil pessoas", mas não deixa de lamentar. Pelas próprias coletividades e por tudo o que gira à volta das Marchas Populares. "Tudo isto envolve muito dinheiro para a economia da cidade, e não só. As marchas envolvem muita coisa, muita gente, as roupas, os arcos, os sapatos... Há pessoas que vivem disto, que estão muito aflitas", diz o responsável associativo.
Pedro Franco adianta que em janeiro/fevereiro, para "não deixar morrer as Marchas", chegou a fazer uma proposta à câmara para que o desfile que todos os anos desce a Avenida da Liberdade passasse para o Campo Pequeno, um espaço fechado onde se consegue fazer controlo de entradas, com transmissão televisiva. Mas não obteve resposta. Com a dimensão que a pandemia atingiu em Portugal nessa altura e o confinamento que se estendeu até meados de março, Pedro Franco já não esperava um desfecho diferente. Outro cenário só seria possível se as festas da cidade fossem adiadas, mas esta é uma hipótese que o presidente da associação de coletividades da cidade afasta - "As festas de Lisboa são em junho, o Santo António é em junho, não se muda para setembro ou outubro. Também não mudamos o nosso aniversário para outro dia qualquer".
Sem Marchas e, muito provavelmente, sem os arraiais da noite de Santo António que em muitos casos contribuem para as contas destas coletividades, Pedro Franco diz temer que muitas não sobrevivam à pandemia de covid-19. "Agora há um balão de oxigénio com esta reabertura, algumas coletividades vão-se aguentando. Mas há outras que não voltam a abrir - e não é só em Lisboa. Há muitas coletividades que estão com a corda na garganta", diz o dirigente associativo, sobretudo "porque não têm como pagar as rendas". E por vezes têm dívidas à segurança social ou às finanças, o que imediatamente as afasta de qualquer apoio público. Pedro Franco pede, por isso, mais atenção do Governo a um setor que precisa de "um pouco mais de apoio do Estado".
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