Em março de 1991, um tremor elevou-se do subsolo da ilha filipina de Luzon. Após 500 anos de dormência, os 1400 metros do vulcão Pinatubo, localizado 85 Km a noroeste de Manila, agitavam-se. Com junho, o rebuliço de explosões elevou nuvens de matéria vulcânica a 19 Km na atmosfera. Prenuncio para o capítulo seguinte. Das profundezas, 32 Km sob o cone do Pinatubo, o magma subia em direção à superfície. Sucediam-se ligeiros terramotos vulcânicos. No início de junho, o magma irrompeu. Parca de gás, a matéria expelida formou uma cúpula de lava. Abaixo, milhões de toneladas de magma impregnado de gás pressionavam o cone vulcânico que soçobrou. A explosão deu-se num cataclismo de cinzas. Fluxos piroclásticos aceleraram a centenas de quilómetros por hora nas vertentes do Pinatubo. Nos céus, a nuvem de cinza cobriu 125 mil Km2 e juntou-se ao caos atmosférico associado ao tufão que assolava a ilha..Quando em agosto do mesmo ano a atividade vulcânica cessou, acima de 800 vidas tinham sucumbido à violência do vulcão. A segunda maior erupção vulcânica do século XX (superada pela erupção de 1912 do Monte Novarupta, no Alasca), elevou na atmosfera uma coluna de cinzas com 35 Km. O seio da nuvem iluminou-se de raios e ventos ciclónicos apontavam ao solo. A nuvem originada a 12 de junho de 1991, receberia oficialmente o seu nome 26 anos mais tarde. As populações filipinas assistiam ao nascimento de uma Flammagenitus, também conhecida não oficialmente como Pyrocumulus, por também provir de grandes fogos florestais..Em 2017, a Flammagenitus, a par de 11 novas formações de nuvens identificadas, ganhou lugar cativo na publicação que, desde o século XIX, arrola e cataloga visualmente os diferentes tipos de nuvens. O Atlas Internacional das Nuvens (International Cloud Atlas), cuja primeira edição data de 1896, juntou ao seu corpo descritivo e visual, uma nova espécie de nuvem (Volutus), cinco novas nuvens com características complementares (ex. Murus), nuvens anexas (ex. Flumen) e cinco nuvens especiais (ex. Flammagenitus). Uma nomenclatura que soará com estranheza ao leigo da meteorologia, mas que "canta" ao ouvido do meteorologista, tal como o achado de uma nova espécie de inseto na floresta do Bornéu, entusiasma o entomólogo..A classificação de nuvens, herdeira do século XIX, partilha de muitas semelhanças com a apresentada pela biologia. No mundo das nuvens há géneros, uma classe abrangente com base na altura e espessura da nuvem; espécies, definidas por tipos específicos numa classe; variedades, que descrevem a organização e a transparência da nuvem; características suplementares e nuvens acessórias. Do cruzamento de todos estas características nasce toda a variedade de céus plúmbeos..Um padrão mundial observado ainda no século XIX pelo meteorologista escocês Ralph Abercromby, ao perceber que as nuvens obedecem a padrões, condições atmosféricas, altitudes e latitudes. Uma constatação apoiada nas inúmeras viagens que Abercromby empreendeu, mais tarde sintetizadas no livro de 1888, Seas and Skies in Many Latitudes e em observações diversas como as do naturalista francês Jean-Baptiste de Lamarck e no livro Modification of Clouds, assinado pelo inglês Luke Howard, cientista, botânico, químico e geólogo. A perceção de que os padrões meteorológicos não se limitavam às fronteiras desenhadas pelos homens, ganhou impulso no século XVIII, para se firmar no século XIX, na necessidade de os países partilharem dados meteorológicos. Em 1845, Cambridge, em Inglaterra, acolheu a primeira Conferência Internacional de Meteorologia, no âmbito do Comité Meteorológico Internacional, instituição nascida em 1873, mais tarde designado Organização Mundial de Meteorologia. A conferência não governamental reuniu cientistas de áreas tão diversas como a geologia, astronomia, física, geofísica. Encontro com o entendimento de que o conhecimento de variáveis como a pressão atmosférica, a temperatura, a precipitação, os regimes de ventos, a montante e a jusante de um determinado local, era importante na previsão do tempo e na antecipação de decisões políticas..Do mesmo Comité Internacional nasceria a Comissão de Nuvens que reuniu um grupo de trabalho ilustre: ao sueco Hugo Hildebrand, ao suíço Albert Riggenbach e ao francês Leon Teisserenc de Bort, coube organizar a primeira edição do Atlas Internacional de Nuvens. A obra, com textos em inglês, francês e alemão, contou com edição francesa (Atlas International des Nuages) e germânica (Internationaler Wolkenatlas). O pioneirismo da publicação substanciava-se no recurso a uma tecnologia cara e complexa na época, a fotografia colorida, a acompanhar ilustrações. Havia que revelar tão fiel quanto possível o ciclo efémero de uma nuvem. Ralph Abercromby afirmara a impossibilidade de expressar as várias formas das nuvens somente em palavras..Um rigor na imagem a ombrear com os curricula dos autores da obra. Hildebrand nomeara um novo tipo de nuvens, as Cumulus; Albert Riggenbach, fora o primeiro cientista a estudar o Anel de Bispo, um halo difuso, de cor azulada, observado em torno do sol, após grandes erupções vulcânicas. Ao suíço também é creditada a primeira foto de uma nuvem Cirrus. A Leon Teisserenc de Bort é abonada a codescoberta da estratosfera, em 1902, e o pioneirismo no uso de balões não tripulados, movidos a hidrogénio e equipados com instrumentos de medição..O Atlas Internacional de Nuvens manteve atualização periódicas até à atualidade, com novas edições em 1911, 1932, 1939 (com a novidade de imagens captadas a partir de avião), 1956, 1975, 1987 e 2017. A publicação contou com contributos diversos, como o da empenhada Cloud Appreciation Society, fundada em 2005 nos Estados Unidos, acolhendo 50 mil membros, de 120 países. A sociedade "para pessoas que amam o céu, artistas, cientistas, observadores de nuvens e sonhadores", orgulha-se do seu contributo para o Atlas de 2017. A formação de nuvem Undulatus asperatus ganhou uma parente autónoma, a Asperitas, filha de céus tempestuosos, sobre as grandes planícies dos Estados Unidos. A Asperitas é a primeira formação de nuvens adicionada ao Atlas desde 1951, quando uma Cirrus intortus, nuvem de grande altitude, se juntou ao cortejo celeste de Cirrus: Castellanus, Uncinus, Fibratus, Vertebratus, Mammatus, Kelvin-helmholtz, apenas para citar alguns nomes de uma família alargada, exuberante nos céus, embora anónima para a humanidade até ao século XIX..dnot@dn.pt