Henrique Sotero é um dos maiores predadores sexuais que Portugal conheceu. Francisco Leitão, que ainda não confessou os crimes, é o alegado triplo homicida de Carqueja, uma das personagens mais bizarras a entrar nos anais da criminologia portuguesa. O "rei Ghob" e o "violador de Telheiras" têm-se cruzado no Instituto de Medicina Legal de Lisboa (IML), onde têm sido submetidos a exames em psicologia e psiquiatria forenses. .No final dos exames será elaborado o perfil de cada um e os peritos concluirão se são inimputáveis. Esse relatório é depois remetido ao tribunal e apreciado pelo colectivo em sede de julgamento. .Se o tribunal concordar com as perícias e declarar estes dois alegados criminosos inimputáveis, o "rei Ghob" e o "violador" poderão ser condenados à medida de segurança de internamento em alas psiquiátricas prisionais. O tribunal terá de determinar uma pena dentro do limite máximo de 25 anos, mas, em tese, os inimputáveis podem ficar internados para a vida caso os relatórios de avaliação demonstrem que não têm condições para vir para o exterior..Fazer prova em tribunal que um arguido é inimputável não é fácil e onde há dois peritos psiquiátricos pode haver duas opiniões divergentes. Inimputáveis são aqueles que no momento da prática do acto, por força de uma anomalia psíquica, foram incapazes de "avaliar a ilicitude deste", como refere o artigo 20 do Código Penal. Incapazes de ter consciência de que cometeram um crime..Outros arguidos foram declarados inimputáveis nos últimos dois anos, como João Canto, homem que decapitou a mãe, ou Fátima Velosa, jovem de Leiria que atirou ácido para a cara do namorado por estar acometida de "anomalia psíquica" temporária. Foram precisas cinco decisões judiciais - com recursos pelo meio para a Relação e para o Supremo - para concluir que Fátima era inimputável. A primeira decisão do colectivo de Leiria, em 2002, contrariou a perícia psiquiátrica e condenou-a a sete anos e nove meses de prisão. Agora, o internamento foi suspenso na condição de manter tratamento psiquiátrico. .Um candidato mais recente ao estatuto de inimputável foi David Saldanha, o jovem que em Novembro do ano passado matou a namorada à marretada, em Viseu. O colectivo de Viseu reconheceu a "personalidade psicótica" de David, mas condenou-o a 18 anos de prisão. O jovem matou mas por um desgosto de amor e não por um motivo fútil, considerou o colectivo. Uma consideração que faz toda a diferença na hora de o considerar imputável. .Definir quem pode ou não ser inimputável parece tarefa simples, mas está longe de o ser. Não é líquido que uma pessoa com perturbações do foro psíquico ou da personalidade seja considerada inimputável. "É preciso demonstrar que a doença mental foi a causa directa da prática do crime. Nem sempre se apura que foi. Temos esquizofrénicos a cumprir uma pena normal de prisão no sistema prisional, infelizmente, porque deviam ser tratados", refere ao DN Cristina Soeiro, psicóloga forense do Gabinete de Psicologia do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais. .Cristina Soeiro e a sua equipa fazem, a pedido dos inspectores da PJ, uma primeira análise com entrevista aos arguidos. As perícias forenses ficam depois a cargo do IML. Pela avaliação prévia desta psicóloga já passaram arguidos como Francisco Leitão ou João Canto. O DN, que teve acesso ao teor do mandado de detenção da PJ contra Francisco Leitão, já divulgou que esse exame preliminar revelou traços de personalidade "psicopata, esquizofrénica, narcisista, violenta, calculista". .Se os peritos do IML considerarem que Francisco Leitão é psicopata, pode ser imputável? Pode. De uma forma geral, um psicopata "tem noção de que o acto é criminoso e sabe que é responsável". Só falta "a consciência da culpa". Alguns sistemas penais estrangeiros conferem uma "responsabilidade limitada" ao psicopata. Não é o caso do sistema português, no qual, por regra, o "psicopata é declarado imputável". A regra contrária é aplicada à esquizofrenia.