A escalada da tensão acumulada há mais de 25 anos no Nagorno-Karabakh está a ser alimentada pelas denúncias, tanto do lado do Azerbaijão como da Arménia, da alegada presença de mercenários estrangeiros oriundos da Síria no terreno. E se no passado as duas ex-repúblicas soviéticas pareciam ser capazes de pôr um travão ao conflito com algumas palavras vindas de Moscovo, a entrada em cena de um novo ator regional, a Turquia, veio acrescentar novos ingredientes a esta mistura já explosiva..O enclave do Nagorno-Karabakh, no Cáucaso, é reconhecido internacionalmente como fazendo parte do Azerbaijão, mas está sob o controlo da maioria étnica arménia (cristã) que conta com o apoio dos militares de Erevã desde o final do conflito separatista em 1994, que matou 30 mil pessoas. Os azeris são um povo turcomano, muçulmanos xiitas, que além de serem a maioria no Azerbaijão se estendem também pelo norte do Irão..As origens do conflito remontam a 1921, quando as autoridades soviéticas adicionaram o território de maioria arménia ao Azerbaijão, tendo a guerra estalado após a queda da União Soviética em 1991. A guerra não trouxe uma solução e desde então tem havido problemas esporádicos na região fronteiriça, com ataques e mortos de ambos os lados - o mais grave em 2016, que resultou na morte de pelo menos 110 pessoas..Contudo, a última escalada de violência - já há registo de uma centena de mortes - vem acompanhada de um maior poder de fogo. E de uma intervenção mais ativa da Turquia, que no passado sempre defendeu uma solução pacífica para o conflito, mas tem vindo a reforçar o seu apoio ao Azerbaijão nos últimos meses. Há um acordo militar entre Ancara e Baku e em agosto ambos realizaram os maiores exercícios militares conjuntos de sempre..Se os azeris são os aliados da Turquia, os arménios são os seus adversários históricos - Ancara continua a negar o genocídio de 1915, apesar de em 2014 Erdogan, enquanto primeiro-ministro, ter ido mais longe do que qualquer outro responsável turco ao falar dos eventos da Primeira Guerra Mundial como tendo tido "consequências inumanas" e apresentado as suas condolências aos netos dos que morreram..Mas isso foi antes de chegar à presidência e de empreender uma nova política externa, que tem passado por um envolvimento mais ativo da Turquia nos conflitos regionais da área do antigo império otomano..O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, exigiu à Arménia que ponha fim à sua "ocupação" do Nagorno-Karabakh e deixe o território, tendo considerado os arménios "a maior ameaça à paz na região". E prometeu auxiliar os aliados azeris, apesar de ter negado o envio de mercenários sírios para o enclave - abrindo o que poderá ser o terceiro palco de conflito contra a Rússia, depois da própria Síria e da Líbia (para onde enviou mercenários sírios).."Apelamos a todos os lados, especialmente países parceiros como a Turquia, para fazerem tudo o que podem para um cessar-fogo e o regresso a um acordo pacífico para este conflito usando os meios políticos e diplomáticos", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, nesta terça-feira. "Qualquer declaração sobre algum tipo de apoio e atividade militar só vai acrescentar achas para a fogueira. Somos categoricamente contra isto", acrescentou..A Rússia sempre manteve boas relações com as duas antigas repúblicas soviéticas do Cáucaso, com as quais tem relações económicas e às quais vende armas, tendo sido responsável por mediar os conflitos no passado, junto com os EUA e a França..Contudo, a Arménia está dentro do bloco militar liderado por Moscovo, havendo uma cláusula de assistência mútua em caso de ataque de forças externas. Além disso, tem no país uma base militar, sendo o apoio russo crítico para Erevã..O vizinho Irão mantém a sua posição de sempre. Teerão tem defendido a necessidade de Arménia e Azerbaijão resolverem pacificamente a sua disputa e ofereceu-se várias vezes para ajudar ao diálogo. Depois da escalada da tensão, disse estar preparado para "usar toda a sua capacidade para estabelecer um cessar-fogo e começar o diálogo entre ambas as partes", tendo apelado a um "fim imediato do conflito"..Todos os apelos têm sido contudo rejeitados. Tanto o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, como o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, prometeram continuar os combates nesta terça-feira, com os militares de ambos os lados a alegar terem desferido pesados golpes contra os inimigos. O Conselho de Segurança da ONU tinha previsto uma reunião de emergência sobre o tema nesta terça-feira à noite..A Arménia tem acusado o Azerbaijão de contar com o apoio de mercenários ligados às forças turcas na Síria, contando nomeadamente com apoio de especialistas militares e pilotos de drones. Mas Baku também alega que os arménios estão a usar mercenários..Segundo o The Guardian, combatentes rebeldes sírios que estiveram a combater o regime de Bashar al-Assad estão a ser recrutados há já um mês para assinar contratos com empresas privadas de segurança turcas para ir para a fronteira do Azerbaijão e proteger campos de petróleo. A promessa é de um salário de até dez mil liras turcas, quase 1100 euros, muito mais do que poderiam ganhar na Síria..O embaixador da Arménia na Rússia, Vardan Toganyan, chegou a dizer que haveria quatro mil militantes que teriam sido transferidos pela Turquia da Síria para o Azerbaijão. "Já estão do outro lado. São treinados em campos militares e transferidos para lá", afirmou, dizendo ser difícil determinar a composição étnica destes grupos..Por seu lado, o porta-voz do Ministério da Defesa do Azerbaijão, Vagif Dyargakhli, disse que entre os soldados arménios mortos no Nagorno-Karabakh estariam mercenários da Síria e do Médio Oriente, de etnia arménia. "Não estão oficialmente registados na Arménia, logo o lado arménio esconde habilmente o número real das suas perdas nas batalhas com o Azerbaijão", indicou..O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (com sede em Londres) rejeita o número de quatro mil mercenários, falando contudo em 320 que ainda não terão participado em combates. E diz que também há combatentes sírios de origem arménia a combater do lado de Erevã..Tanto a Turquia como a Rússia já recorreram a mercenários sírios no conflito na Líbia, onde apoiam lados opostos da guerra. Ancara está ao lado do governo de Fayez al-Sarraj, reconhecido pelas Nações Unidas, enquanto Moscovo (que está com Assad na Síria) tem apoiado as forças do general Khalifa Haftar, no leste do país..Além de combatentes, a Arménia alega que Ancara está a apoiar Baku com aviões e drones. Nesta terça-feira, os arménios acusaram os turcos de terem abatido com um dos seus caças F-16 um SU-25 da Arménia, algo que Ancara negou. O porta-voz de Erdogan falou num "truque de propaganda" arménio.