Conheça-se a obra de Nadir Afonso pelas pinturas na coleção do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian ou pela decoração de um dos átrios da estação dos Restauradores (do metro de Lisboa), a verdade é que a faceta de artista do genial transmontano é a mais famosa, mas não a única. Era também arquiteto, tendo trabalhado com nomes célebres como o suíço Le Corbusier e o brasileiro Niemeyer, e ainda teórico da arte. Quatro livros agora publicados pela U. Porto Press, por ocasião do centenário de Nadir (sim, o primeiro nome aqui impõe-se, como em Leonardo), dão-nos a oportunidade de conhecer o pensamento de um português que nasceu em 1920 em Chaves, formou-se no Porto, estudou e trabalhou em França e no Brasil, voltou a Portugal, onde se afirmou como artista e morreu em Cascais a 11 de dezembro de 2013, sete dias após completar 93 anos..Os livros, de edição muito cuidada e de capas sóbrias mas apelativas, têm como títulos O Sentido da Arte e Outros Textos, Da Intuição Artística ao Raciocínio Estético, Universo e Pensamento e Outros Textos e Reflexões Estéticas e sobre a Vida e sobre a Obra de Van Gogh. Em simultâneo, foi também editado um livro-catálogo sobre os inéditos de Nadir, que estiveram em exposição na reitoria da Universidade do Porto até à antevéspera de Natal..Sobre estes quatro volumes diz Isabel Pacheco, a coordenadora editorial: "No momento em que se comemoram os 100 anos de Nadir Afonso, a U. Porto Press considerou que seria importante dar a conhecer o pensamento que está por trás do processo criativo de Nadir e a forma como foi evoluindo. É isso que estes quatro volumes fazem, revelando ensaios entre 1958 e 2013, alguns deles pela primeira vez traduzidos para português. Creio que merece especial destaque o conjunto de 33 textos em Reflexões Estéticas e sobra a Vida e sobre a Obra de Van Gogh (vol. IV) que inclui seis inéditos. Em diferentes registos, do pequeno apontamento à nota breve sobre um conceito estético, passando pela reflexão crítica sobre o seu tempo, estes textos constituem uma aproximação única à singularidade do autor.".Não só a ensaística de Nadir foi feita ao longo de mais de seis décadas, como também a diversidade de temas é amplíssima, desde as teorias de Einstein até à vida e obra de Van Gogh. O cientista Carlos Fiolhais, autor de um dos prefácios, tentou explicar esta voracidade intelectual e, tendo em conta as figuras que servem de comparação, de forma muito, muito elogiosa: "Tal como Le Corbusier e Niemeyer, Nadir vê pontes entre arte e ciência, mas a uma profundidade maior.".Outro dos prefaciadores, António Quadros Ferreira, curador da exposição 100 Anos Nadir, Inéditos, escreveu, sobre a parte mais ligada à pintura e à arte em geral, que "a teoria estética de Nadir é uma teoria da exatidão, uma teoria da pintura certa, uma teoria das quantidades e das qualidades, em suma uma teoria da morfometria das formas geométricas"..Conheci Nadir Afonso já este tinha mais de 90 anos, numa visita a sua casa em Cascais, também ateliê, quando o então diretor João Marcelino o convidou para ilustrar a primeira página da edição de aniversário do Diário de Notícias datada de 29 de dezembro de 2011..Tínhamos um diretor convidado para essa edição especial, o economista Vítor Bento, que elegeu como mote a crise europeia (era o ano da chegada da troika) e, depois de uma conversa inicial com o artista, a segunda visita trouxe-nos a surpresa da resposta: um primeiro esboço do mito do Rapto de Europa reinterpretado por Nadir (tal como antes por Ticiano, Matisse ou Salvador Dalí). Paulo Freitas, diretor de Arte do DN nessa época, só pôde ficar maravilhado. E na primavera do ano passado, um suplemento dedicado aos europeus voltou a usar a ilustração de Nadir, forma de homenagem no centenário..Laura Afonso, que conheci nessas visitas a Nadir há dez anos, é tanto a viúva como uma grande divulgadora do legado do pintor, pai dos seus filhos, Augusto e Artur. E foi através dela que tomei conhecimento desta edição tão especial pela editorial da Universidade do Porto, instituição académica que em 2011 concedeu doutoramento honoris causa a Nadir, cerimónia em que estiveram presentes o antigo Presidente António Ramalho Eanes e o futuro (atual) Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.."A U. Porto Press ao publicar Nadir Afonso dá a conhecer o pensamento ainda desconhecido do grande público e absolutamente original deste artista que reflete sobre arte e escreve sobre a sua necessidade de compreensão do fenómeno artístico. A teoria de Nadir diferencia-se das demais, é ousada, direi mesmo, virada para o futuro, racional, em que a especificidade da arte é de fonte geométrica e contraria as teorias estéticas atuais. É mais fácil aceitar a ideia de que a obra de arte conta uma história, exprime o espírito do artista em longos e prolixos discursos do que a tentativa de reduzir a arte a uma criação humana e fruto de uma matemática que rege e age sobre o universo. Não é fácil impor ou transmitir ideias novas pois como diz Popper: "As ideias novas deviam ser encaradas como objetos preciosos, merecedores de especial atenção particularmente quando parecem um pouco estranhos. (...) Mas não devemos manifestar o desejo de suprimir uma ideia nova, mesmo se ela não nos parece muito interessante", afirma Laura Afonso, que é também autora de uma tese de mestrado sobre a crítica na obra de Nadir, apresentada em vida deste..Sobre o próprio nome Nadir, que gera inevitável curiosidade, vale a pena relembrar o que o artista respondeu ao DN numa entrevista de 1983 feita por Viale Moutinho: "O meu pai era poeta e como tal tinha uma certa tendência de procurar nomes bizarros. O meu tio é Lereno, se bem que seja um nome mais conhecido. A minha irmã Fátima creio que é das primeiras Fátimas que apareceram em Portugal. E eu sou Nadir talvez por um romance que ele leu - A Epopeia de Nadir.".Nadir Afonso dá hoje nome a uma fundação, também a dois museus, um em Chaves e o outro em Boticas, igualmente a uma escola em Chaves e ainda a estações de metro e de comboio e até a um avião da TAP. E a sua obra como pintor está presente em coleções estrangeiras, como o Centro George Pompidou, em Paris, e os museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo..Para quem quiser conhecer melhor este grande português, além dos livros e das pinturas que assinou (assim como projetos de arquitetura como o edifício da Panificadora de Vila Real, demolida após muita polémica), existem alguns documentários e um livro muito curioso chamado Era Uma Vez Um Menino Chamado Nadir, do jornalista Agostinho Santos, grande conhecedor da obra e do homem, e com ilustrações do próprio artista..Entre as muitas reações publicadas no DN na edição que notícia a sua morte está a do historiador e crítico de arte João Pinharanda: "Não posso dizer muito mais do que lugares-comuns que a história diz relativamente aos grandes artistas. É fundamental na arte portuguesa." E na história da teoria estética em Portugal fundamental é também, como esta edição da U. Porto Press dos quatro volumes vem agora mostrar.