Na rua com a polícia e uma mochila 'social'
Título: 'Quarta Divisião'
Realização: Joaquim Leitão
Com: Carla Chambel, Paulo Pires
Classificação: 2 / 5
Tenho para mim que Joaquim Leitão é um "autor" de pleno direito, ao mesmo nível de um Manoel de Oliveira, um João César Monteiro, ou um Fernando Lopes. É um realizador que tem uma identidade cinematográfica estabelecida e inconfundível, uma preocupação de qualidade que nunca descura o lado comercial sem sacrificar a ele, uma atenção constante à realidade que passa e a temas contemporâneos ou do passado recente da sociedade portuguesa (fez um dos raros filmes sobre a guerra em África, 20.13, de que também fala obliquamente em Inferno), um talento para meter o intérprete certo no papel certo e trabalhar com ele, e uma preocupação de fatura técnica acima da média do cinema nacional.
A sua associação de longa data a um produtor (Tino Navarro) é exemplar em termos criativos e industriais, no cinema como na televisão (a minissérie Até amanhã, Camaradas). Por tudo isto, maior é ainda a deceção que tive com Quarta Divisão, o novo filme de Joaquim Leitão, uma história passada entre elementos de uma brigada da PSP, que além de usar pesadamente a mochila de algumas das preocupações "sociais" da moda (a histeria da pedofilia e da caça ao pedófilo, a violência doméstica silenciada), sacrifica-se às piruetas narrativas, às piedades demonstrativas, aos lugares-comuns de caracterização e às simplificações dramáticas e psicológicas mais telenoveleiras. Isto sem falar em irrealidades escancaradas, como um acusado ser atirado para uma penitenciária antes de ser julgado, e a justiça ser feita com mais celeridade do que nos EUA.
Fica o bom grupo de atores, com Carla Chambel à cabeça, e o realismo do trabalho policial na esquadra e na rua. Mas é pouco, sobretudo tratando-se do autor de Duma Vez por Todas, Adão e Eva e Uma Vida Normal.