Na estrada com... Costa acelera na campanha, apertado por Tancos
António Costa já vai a acelerar a caminho das eleições de 6 de outubro. E não é apenas a agenda de campanha que se intensifica: de duas iniciativas diárias, nos primeiros dias, o PS já está a pôr o seu secretário-geral em mais pontos no país, como este sábado onde tem quatro ações de campanha; no distrito de Braga. É também num maior contacto de rua, numa agenda que mantém espaço para a governação enquanto primeiro-ministro.
O líder socialista já está a acelerar, como nas arruadas, onde procura não falhar uma única pessoa com quem se cruza, um bacalhau aqui, dois beijinhos ali, mais um abraço, um curto cumprimento, ou uma conversa que se demora. Se passa e o chamam, volta-se e vai cumprimentar quem o interpela. Na Avenida de Moscavide, às portas de Lisboa, já no concelho de Loures, na manhã de quinta-feira, Costa põe em prática aquilo que diz nos comícios: todos os votos contam, todos os votos decidem.
O PS joga em casa nesta freguesia socialista de um município comunista. "Eu vi logo que estava aqui a ver o PS", atira uma velhota para outra, "claro, vim ver o Costa". Chegará a sua vez: dois beijinhos, um "passou bem" e a resposta quase sumida de sorriso na cara. Há outro homem que lembra ao socialista algo no final dos anos 1980 em que estiveram juntos, Costa solta a expressão de quem acabou de se recordar desse episódio - e completa: "Foi em 89."
António Costa vai ao caminho das pessoas, mas obriga a comitiva a travar no semáforo vermelho para peões. "Costa amigo, Lisboa está contigo", gritam os socialistas. A rua de Moscavide está animada de gente e a faixa de rodagem é ocupada, apesar dos esforços para o evitar. Longe do pedido liberal para se buzinar contra o socialismo, há quem buzine por causa do trânsito complicado.
Dois autocarros 728 já vão juntos àquela hora da manhã, são umas 10.30, com destino à Portela. Por uma vez, Costa não se detém numa das bandeiras que mais tem empunhado nesta campanha: a aposta nos transportes, com a redução dos passes. Já tinha sido assim na terça-feira, manhã cedo, no Barreiro, de autocarro até Coina e daqui de comboio até ao Pragal. E também, na quarta-feira à noite, em Loulé, quando fala dos passes sociais que não se limitaram às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e chegaram também à região do Algarve.
Definido o discurso, concertada a estratégia de ter duas mensagens fortes por dia, há que pôr o candidato na rua, como na tarde de quarta-feira em Faro, sem avisar a comunicação social ("um erro", admitirão depois os responsáveis da campanha) ou esta sexta-feira à tarde, na tradicional arruada de Santa Catarina, no Porto. Mas nem tudo se controla: a senhora que, à porta de uma farmácia em Moscavide, insiste em lhe falar do problema que tem com a segurança social e tira fotocópias para que António Costa possa avaliar o caso. Ou o homem que lhe sai ao seu caminho para pedir que resolva o problema das rendas, também ali em Moscavide e Sacavém, paredes meias com a Expo, porque "os senhorios estão a aproveitar-se para despejar pessoas com mais de 65 anos". Costa diz que está atento.
Como também não se controlam os casos que saltam para as manchetes dos jornais, do secretário de Estado arguido à acusação de Tancos, passando pela paternidade da geringonça. Tancos ameaça tornar-se uma pedra séria no caminho para a maioria. António Costa evitou o tema na quarta e na quinta-feira, escudando-se naquele que é o seu mantra desde há cinco anos, "à justiça o que é da justiça". Não chegou e, depois de duras críticas de Rui Rio, o secretário-geral do PS atirou-se ao líder do PSD, num registo irritado e, por momentos, o "otimista realista" transfigurou-se.
"Por natureza, sou realista", responde a um jornalista dinamarquês, que veio conhecer o segredo de um governo de esquerda que completou uma legislatura, numa Europa que se habituou a dizer que não havia alternativa.
Acompanhado da sua secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes, do presidente socialista da autarquia, Frederico Rosa, e do ministro Eduardo Cabrita, natural do Barreiro, Costa está sentado na última fila do autocarro 06, que deixa a paragem junto à Câmara do Barreiro a caminho da estação de comboios de Coina, de onde partirá para o Pragal. Depois de descrever o estado das coisas no país, o jornalista - desconhecedor da célebre definição de Marcelo Rebelo de Sousa de que o primeiro-ministro é um "otimista irritante" - pergunta-lhe se Costa é "otimista por natureza". Costa sorri e responde em inglês: "By nature, I'm realistic. A realidade fez-me otimista."
As sondagens (por agora) vão mantendo o PS num planalto mais ou menos estável, entre os 38-41%, números que favorecem uma maior mobilização na ida às urnas, argumentam responsáveis socialistas ao DN. Costa evita esticar até à maioria, mas insiste no apelo ao voto, agitando o diabo da direita para melhor agarrar à esquerda, depois de insistir na recuperação de rendimentos, na reposição de pensões, na redução de impostos, na baixa dos preços sociais.
"Nós conhecemos bem aqueles que diziam que nada disto era possível, porque fazendo tudo isto vinha aí o diabo. Nada nos garante que, com tanto medo do diabo, não façam isto tudo andar para trás." E logo a seguir parece replicar o líder comunista, Jerónimo de Sousa: "Connosco o diabo não vem, mas connosco o país não volta a andar para trás." Na fórmula socialista, para não andar para trás, é necessária "estabilidade" e "tranquilidade".
Se as palavras se repetem, a banda sonora que se ouve nos comícios do PS, enquanto se espera pelo líder, parece ilustrar na perfeição alguma ambiguidade socialista no relacionamento com os seus parceiros da geringonça. Ele há quem avise que "se a casa cair deixa que caia", ele há quem pergunte "mas quem será o pai da criança", e ele há um possível discurso de reconciliação para a noite eleitoral, a partir de Emanuel: "Dá cá o teu beijinho, dá cá o teu amor, dá cá o teu carinho, o que é teu será só meu, o que é meu será só teu, não quero viver mais sozinho". Outros hits de Quim Barreiros, Toy ou José Malhoa puxam ao pezinho de dança.
Na noite de terça-feira, no comício de arranque em Lisboa, lá estava DJ Flex, que é como quem diz Francisco Oliveira, 19 anos, minhoto de Braga, estudante de Gestão de Empresas e militante da JS, a animar os socialistas antes dos discursos. E o Pavilhão Carlos Lopes por momentos confunde-se com um bailarico de Santo António, na cidade em que o rapaz António se fez à política aos 14 anos. Sem outros santos, como a fé da senhora de idade, bandeira socialista de Alcântara na mão, quando Costa anuncia que, "pela primeira vez" na história da democracia portuguesa, "pelo terceiro ano consecutivo, os pensionistas vão ter direito em 2020 a uma atualização das suas pensões acima da taxa de inflação". "Ah, assim, sim!", diz a idosa. "Será?", replica outra. "Ah, se ele está a dizer..."
Em Lisboa, o líder entra ao som de Recognizer dos Daft Punk, mas em Loulé e Santarém a receita já é outra, recuperando Vangelis, senha para o êxito de António Guterres em 1995 no fim do cavaquismo. Com o tema principal de Chariots of Fire, os socialistas procuram acelerar para a corrida final, para o seu momento de glória. Se o social-democrata Rui Rio já se apresentou como um corredor de fundo, os socialistas apostam nas curtas distâncias que faltam até 6 de outubro. Não se corre para trás.
O campeão das contas certas, como o ministro Mário Centeno é apresentado por Costa, é o trunfo improvável da campanha socialista - seja no comício de Lisboa, onde o titular das Finanças discursa, recusando qualquer modéstia perante a sua governação, seja no comício ao ar livre em Loulé, onde se recorda a costela algarvia de Centeno. Serve para cativar aqueles que gostam do discurso das contas certas e dos compromissos mantidos "com os portugueses, com os parceiros e com a União Europeia", mas também se servem piadas entre os socialistas. No autocarro do Barreiro, em que o ar condicionado seguia desligado, alguém da comitiva sugere que Centeno o mandou cativar.
António Costa também terá tempo para brincar com o ministro que foi buscar ao Banco de Portugal e é hoje também presidente do Eurogrupo, em tempos comparado a CR7 pelo antigo ministro das Finanças da Alemanha. "O senhor Schäuble pode achar que ele [Mário Centeno] é o Ronaldo, só que o seu passe não está à venda." Os socialistas aplaudem.
É old politics, constata, entre o surpreendido e fascinado, o jornalista dinamarquês Christian Bennike, ao ler sobre como as questões económicas estão presentes nos debates que percorrem a campanha. Sentado ao seu lado no comboio que percorre a Margem Sul viaja, sem que ele saiba, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, também candidato pelo círculo de Setúbal. Quando se apercebe, o gravador liga-se imediatamente.
É velha política aquela que se vê na estação do Pragal, no quiosque do café, em que Filipa e Carmita pulam para fora do balcão para cumprimentar António Costa, "espetacular", não se cansam de dizer. E fazem questão de pagar o café ao também primeiro-ministro. "O patrão não se importa. Vem cá pagar à gente se ganhar", atiram-lhe, e Costa promete: "Está combinado. Venho cá, palavra de escuteiro", e faz o gesto dos três dedos dos escuteiros.
O socialista já disse que, depois dos debates, esta é a fase de falar com os portugueses, não com os políticos. Portugueses também como os ciganos e como as comunidades migrantes que vivem no nosso país, defende Costa, num almoço na quarta-feira na Associação Caboverdeana de Lisboa. "Os portugueses negros não são imigrantes, os ciganos são portugueses há muitas gerações."
Está entre amigos, diz o secretário-geral do PS, e devolvem-lhe os intervenientes, como Romualda Fernandes, candidata socialista por Lisboa em lugar elegível. Nascida na Guiné-Bissau, vogal no Alto Comissariado para as Migrações, Romualda nota que hoje há, em relação a minorias, "um maior reconhecimento nas artes e desporto que não se traduz no contexto social, económico e político", seja na comunicação social, nas universidades e na administração pública. "Nô djunta mon", diz em crioulo Romualda, que significa algo como "estarmos todos juntos".
Costa acelera o passo, mas vira agora as suas críticas quase em exclusivo para a direita. Ele é o diabo, os apupos contra Assunção Cristas (que se ouviram a cada referência no comício de Lisboa) e a Rui Rio (com menor intensidade que aqueles dirigidos à presidente do CDS). Ferro Rodrigues passou da mesa da Assembleia da República para o púlpito do Pavilhão Carlos Lopes para manter as portas abertas com a esquerda, apesar de um puxão de orelhas. Ele que é de novo candidato a deputado, notou que, numa campanha, "é normal a demarcação entre partidos" e não sendo "tão normal" os "excessos e a agressividade, há quatro anos passaram-se coisas muito piores e isso não impediu o entendimento".
Enquanto Rui Rio duvidava da palavra de António Costa no caso de Tancos, o líder socialista visitava a Casa do Impacto para um encontro com jovens empreendedores para ouvir perguntas, dúvidas e elogios. Um dos jovens disse que o principal desafio da sua start-up "é a democracia 4.0". Já Martin, dinamarquês, que veio para Lisboa instalar a sua empresa, queixa-se em inglês: "We had a dream" e embateu de frente com a burocracia portuguesa, "legislação dispersa", que precisou de quatro advogados para fazer os contratos para os seus trabalhadores. "Não estão a punir as grandes empresas, estão a punir as pequenas." E pede que se removam as pedras do caminho.
António Costa terá pensado, nesse momento, que o melhor era voltar à democracia 1.0 - sair à rua de rosa na mão, ajudar uma velhinha apanhada na confusão da arruada socialista, sorrir para as mulheres ciganas que dançam e dizem que "o PS é o partido dos ciganos", abraçar a senhora que lhe diz "força". A ver se as nuvens de Tancos se dissipam, para acelerar a caminho da vitória que todas as sondagens apontam.