Na década de 1930, a arte fotográfica afirmou a curvatura da Terra
A 22 000 metros acima da superfície da Terra, a temperatura desce aos - 50 ºC, numa região com pouca concentração de vapor de água e palco para a difusão da luz solar que origina o azul do céu. A estratosfera, a segunda camada da atmosfera, acima da tropopausa, foi campo para experiências científicas de altitude nas primeiras décadas do século XX, à boleia de balões de hélio e de hidrogénio. Em 1935, dois norte-americanos alcançaram um ponto de altitude na estratosfera que, até então, permanecia como território não tocado pela humanidade. O capitão Albert Stevens e o major Orvil Anderson, a bordo do balão de hélio Explorer II, cumpriram uma missão imbuída de ansiedade que, ao longo de dez horas, os levou aos 22 066 metros de altitude. Estava batido o recorde alcançado a 30 de janeiro de 1934 pelo balão soviético Osoaviakhim-1 ao subir aos 22 000 metros. Ao feito não faltou o tempero amargo da tragédia. O balão descontrolou-se e desintegrou-se na descida. Os três tripulantes morreram.
A 11 de novembro de 1935, Stevens e Orvil, na sua missão com caráter científico à estratosfera, trouxeram daquela região uma foto inaugural. As câmaras de alta precisão da dupla de balonistas captaram aquela que é aceite como a primeira fotografia a colher a curvatura da Terra a partir de um balão com cabine (em 1933, o alemão Alexander Dahl captara a primeira imagem da curvatura da Terra a partir de um balão de cesto, porém a 11 300 metros de altitude), prova tangível da esfericidade do planeta. Em 1935, Stevens bisava na documentação visual da curvatura do nosso planeta. Antes, num voo de avião a 30 de dezembro de 1930, o piloto do Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos captou, a 7000 metros de altitude, a linha de horizonte que curvava ligeiramente num dos cantos da imagem.
O voo de 1930 de Albert Stevens mereceu menção, a 31 de dezembro, no jornal The New York Times, num artigo sobre a futura exposição da foto numa mostra conjunta da Associação Americana para o Desenvolvimento da Ciência a par com a sociedade Sigma Xi (mais de 200 membros desta sociedade já receberam o Prémio Nobel). A fotografia do oficial do exército americano revela-nos um horizonte que se estende por mais de 500 quilómetros, espreguiçando-se sobre as pampas argentinas, a culminar na abrupta ascensão do perfil andino. Stevens levantara voo de Villa Mercedes, para subir no céu até ao limite que lhe permitiu captar a estreita faixa que limita a luz da escuridão, um firmamento a vaguear do azul pálido ao azul-escuro.
Albert Stevens, nascido em 1886 na localidade de Belfast, no estado do Maine, aceitaria o desafio deixado pela National Geographic Society num projeto conjunto com a U.S. Army Air Corps Stratosphere Flight, para iniciarem estudos de caráter científico na estratosfera.
Fruto de grande exposição mediática, a expedição do Explorer I, mereceu robusta atenção pública. A subida sobre os céus do Dakota do Sul far-se-ia a partir de Stratobowl, uma depressão natural nas proximidades de Rapid City que, nas décadas de 1930 a 1950, se tornaria base de lançamento de balões estratosféricos. Perante uma multidão exultante com a promessa da conquista de um novo limite no firmamento, o balão de hidrogénio, ao qual se juntava uma cabine esférica selada, subiu nos céus. Vinte e oito de julho de 1934 prometia fazer história. Às 6h45, o balão iniciou a ascensão. Sete horas volvidas, próximo dos 20 000 metros, o engenho tomou-se de queda abrupta rumo ao solo. Albert Stevens, Wiiliam Kepner e Orvil Anderson viram as suas vidas poupadas graças aos paraquedas que transportavam. O Explorer I estivera a 190 metros de bater o recorde mundial de altitude em balão.
Um ano volvido, a missão estratosférica conhecia novo momento. Stevens e Orvil embarcaram na cápsula Explorer II. Às 8h11, sob um céu sereno, a dupla de balonistas abandonou o solo de Stratobowl apontando acima dos 20 000 metros de altitude. Nas dez horas que durou a missão, os tripulantes mantiveram contacto via rádio com cientistas e familiares em diferentes continentes. Londres, São Francisco, Washington D.C., Austrália e África do Sul, receberam informação vinda da cápsula que evoluía no firmamento. No ponto de partida, cientistas, militares, engenheiros e membros de uma tribo Sioux local acompanhavam a ascensão do engenho munido de um balão de hélio com 96 metros de altura, um laboratório de instrumentos e uma cabine (o momento ganhou a posteridade no filme 1935: Exploring the stratosphere with the U.S. Army Air Corps - in a balloon, disponível na internet). O Explorer II pesava mais de uma tonelada. Inflar o balão obrigava a uma operação de mais de oito horas.
Findo o dia 11 de novembro de 1935, a humanidade contava com uma nova fotografia a captar a curvatura da Terra, desta feita conseguida à boleia de um novo recorde de altitude. A Explorer II tocara nos 22 066 metros, "miradouro" para um horizonte com centenas de quilómetros de extensão, das Montanhas Bighorn, nos estados do Wyoming e Montana, às Black Hills, no Dakota do Sul. A fotografia lograria publicação num suplemento da revista National Geographic, em maio de 1936. A Stevens e Orvil coube audiência com o presidente dos Estados Unidos da América Franklin D. Roosevelt.
O feito de Stevens e Orvil manter-se-ia incólume até 8 de novembro de 1956, quando a gôndola Strato-Lab I ganhou os céus a 23 000 metros de altitude. A 28 de novembro de 1959, Malcom Ross e Charles B. Moore, elevaram o recorde de altitude para os 25 000 metros. Muito aquém dos 41 419 metros de altitude alcançados a 24 de outubro de 2014 no balão tripulado pelo norte-americano Alan Eustace, antes de se lançar desde a estratosfera num voo rumo ao solo.
No seu portefólio de feitos, o capitão Albert Stevens conta com a primeira fotografia da sombra da Lua projetada na Terra, no decorrer de um eclipse solar em 1932. Em 1935, ao longo de vários dias, o pré-astronauta teve um último contacto com o balão que o encaminhou à estratosfera, ao assinar milhares de tiras de tela provenientes do Explorer II. O balão fora cortado num milhão de marcadores de livro distribuídos, entre outros, pelos membros da National Geographic Society que apoiaram a missão.
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