Esta terça-feira será um dia histórico para o Mushuc Runa FC, um modesto clube equatoriano que vai participar pela primeira vez na Copa Sul-Americana de clubes. O jogo está agendado para as 22.15 em Portugal continental e o adversário é o Union Espanola, um histórico do futebol chileno. Trata-se de um jogo especial por toda a história do Mushuc Runa, um clube com menos de 20 anos de existência e que foi fundado por uma cooperativa de crédito com uma forte componente social, a de integrar e ajudar indígenas..Para perceber melhor a história do Mushuc Runa FC é preciso recuar a 1999, quando o Equador atravessou umas das maiores crises da sua história e decretou o congelamento de depósitos bancários, uma medida que levou à extinção de várias entidades bancárias. Uma crise económica sem precedentes que ficou conhecida como Feriado Bancário e que afetou sobretudo a população mais pobre..Como consequência destes acontecimentos foi criada a Cooperativa de Crédito Mushuc Runa, uma entidade que tinha como finalidade facilitar crédito aos indígenas e às pessoas que viviam da agricultura. Anos mais tarde, em 2003, Luis Chango, presidente da cooperativa, decidiu criar em conjunto com outros sócios fundadores uma equipa de futebol para representar a cooperativa na província de Tungurahua. E o que começou com um clube amador, quase de bairro e com preocupações sociais, na sua grande maioria composto por jogadores indígenas, acabou por tornar-se um caso sério de sucesso no país. Em dez anos, o clube chegou ao principal escalão do futebol equatoriano.."O meu projeto é romper barreiras ideológicas. Não quero ficar rico. O objetivo é elevar a autoestima dos indígenas, tirar miúdos das comunidades, formar árbitros, diretores e treinadores, e que no espaço de sete anos haja pelo menos um indígena na seleção do Equador." Esta frase pertence a Luis Chango, presidente do Mushuc Runa, e foi proferida há sete anos, numa entrevista à agência France-Presse..O clube começou a queimar etapas e a subir escalões. Chegou pela primeira vez à I Divisão em 2014 (foi o primeiro clube de raízes indígenas a consegui-lo) e, apesar de ter sido relegado ao segundo escalão em 2016, voltou ao convívio entre os grandes na época passada..O título de campeão da II Divisão, em 2018, com um recorde de 80 pontos em 44 jogos, valeu ao Mushuc Runa um lugar na repescagem da Copa Sul-Americana. E aí os ponchitos, nome pelo qual é conhecido o clube, fizeram história: eliminaram o Aucas e ganharam um lugar na Copa Sul-Americana, a segunda competição mais importante da América do Sul, logo atrás da Taça Libertadores, na qual vão estrear-se nesta terça-feira..Um estádio próprio que os adeptos ajudaram a construir.O crescimento vertiginoso do clube obrigou a que o Mushuc Runa FC construísse o seu próprio estádio, com capacidade para 6000 pessoas, e que foi inaugurado em novembro do ano passado na comunidade de Echaleche, parte da província de Tungurahua, a uma altitude de 3200 metros do nível do mar (é o recinto localizado a maior altitude no Equador)..Apesar de o estádio ter sido homologado pela federação equatoriana de futebol, o clube não vai poder jogar a partida da segunda mão com o Union Espanola na sua casa, já que a Confederação Sul-Americana de Futebol estabelece um mínimo de lotação de dez mil pessoas nos estádios para acolherem jogos desta competição. Refira-se que o recinto foi construído apenas com financiamento privado e contou com a ajuda dos adeptos na construção.."O Mushuc Runa é a primeira equipa da província de Tungurahua a ter um estádio próprio. Antes as nossas equipas tinham de procurar locais para jogar em toda a província. Tínhamos de andar a pedinchar em várias partes da cidade para ver quem nos podia ceder o estádio para jogarmos. Hoje temos um complexo com três campos de futebol e instalações para as camadas jovens. Demos uma identidade própria à equipa e até temos um equipamento", contou ao jornal AS o diretor Alexander López, que no clube faz um pouco de tudo nas áreas do marketing e das relações públicas..O símbolo do clube faz obviamente alusão à população indígena - uma criança vestida com o tradicional poncho indígena da região, que também é usado por adeptos e dirigentes sobretudo nos dias dos jogos - e sempre que um novo jogador é apresentado..O embaixador Juan Pablo Sorín.O crescimento do clube obrigou entretanto o Mushuc Runa a abandonar a ideia de só receber atletas indígenas. Hoje o plantel tem alguns argentinos e até um brasileiro, mas manteve as raízes. Serafín Pandi, médio de 32 anos, é um dos vários representantes indígenas da equipa, um jogador que foi formado no clube..O treinador é o equatoriano Geovanny Cumbicus, que como jogador representou equipas como o Quito e o Liga de Loja. Um ano depois de ter sido apresentado, devidamente trajado com o célebre poncho, conseguiu liderar a equipa ao ponto mais salto da sua história: o apuramento para a Copa Sul-Americana de clubes, com uma vitória por 1-0 no campo do Aucas e um empate a dois golos em casa emprestada. "Para este ano traçamos objetivos o mais altos possível. Mas no seguinte a exigência vai ser ainda maior e vamos trabalhar para atingir os nossos objetivos", disse em finais de 2018..O projeto tem chamado a atenção de vários órgãos de comunicação estrangeiros, sobretudo depois de confirmada a presença da equipa na Copa Sul-Americana. Mas em dezembro de 2018, o Mushuc Runa ganhou uma enorme projeção internacional devido a um tuíte de um antigo internacional argentino. Juan Pablo Sorín, que representou a Juventus, a Lazio, o Barcelona, o PSG e o River Plate, deu a conhecer ao mundo este projeto que foi fundado por uma cooperativa comunitária. "Já tenho outro clube no mundo com o qual simpatizo. Genial a história do Mushuc Runa, que pertence a nativos de origem indígena e que vão jogar a Copa Sul-Americana pela primeira vez", escreveu Sorín..Muito ativo nas redes sociais, sobretudo no Twitter, Sorín passou a publicar várias mensagens alusivas ao clube equatoriano, tornando-se quase uma espécie de embaixador do Mushuc Runa, que significa "homem novo" no dialeto quichua. E já neste ano fez questão de visitar as instalações - ficou célebre um vídeo em que surge a dançar com os locais.