É um dos museus mais importantes do mundo, com milhares de quadros, mesmo que tenha começado com apenas 311 pinturas. Inaugurado a 19 de novembro de 1819, o Museu do Prado - assim designado a partir de 1868, já que até aí fora o Real Museu de Pintura e Escultura - é o mais visitado de Espanha. Nas suas galerias podem ser apreciadas obras maiores de autores como El Greco, Goya, Velásquez, Rubens, Bosch, Ticiano ou Caravaggio, entre muitos outros, num arco temporal que vai desde a Idade Média ao princípio do século XX..Com uma média anual de mais de 2,5 milhões de visitantes nacionais e estrangeiros, o museu inicia hoje um vasto programa comemorativo, que se estenderá ao longo de todo o ano de 2019, cujo mote é mostrar como a sua missão é levar a todos sem exceção obras de arte criadas para serem apenas privilégio dos bem-nascidos. O programa das festas passará por mais de 30 cidades espanholas e inclui exposições dedicadas a Velásquez, Rembrandt, Goya, Fra Angelico, Sofonisba Anguissola e Lavinia Fontana..Também serão celebrados os 150 anos da nacionalização das coleções reais e os contributos de centenas de colaboradores que, desde os anos 1940 à atualidade, trabalharam ao serviço do público como funcionários do museu. As suas vidas e os seus rostos ser-nos-ão dadas a ver na exposição Vozes do Prado. Uma História Oral. Mas são sobretudo os mistérios e as curiosidades guardados entre estas paredes, sob tão históricas telas. Vamos revelar algumas:.Sabia que foi portuguesa a sua fundadora?.Maria Isabel Francisca de Assis Antónia etc., etc. de Bourbon e Bragança foi filha do casal mais mal-amado da história real portuguesa, D. João VI e Carlota Joaquina. Viveu apenas 21 anos, repartidos por Lisboa, Rio de Janeiro e Madrid, mas deixou um legado muito perdurável na história de Espanha. Casada com seu tio materno, Fernando VII de Espanha (um dos Bourbons retratados, não sem uma pitada de desdém, por Goya), chegou a Madrid sem beleza ou dote que a recomendassem. Não ficou, todavia, a lastimar um destino de pouco amor e menor glória nos corredores dos reais aposentos que lhe destinaram. Apaixonada pelas artes (em Lisboa fora discípula de Domingos Sequeira), dedicava-se com algum talento à pintura, tornando-se académica de honra e conselheira da Real Academia de Belas-Artes de San Fernando, em Madrid..Os espanhóis fazem-lhe a justiça de a considerar determinante na transformação do edifício concebido por Juan de Villanueva em 1785 (por ordem do rei iluminista, Carlos III) em Real Museo de Pinturas y Esculturas, mais tarde Museu do Prado, com um espólio inicial de 1510 obras oriundas das coleções da Casa Real espanhola. Isabel não viveu, no entanto, para assistir à inauguração. Morreu aos 21 anos, no Palácio de Aranjuez, vítima de uma cesariana verdadeiramente selvagem, já que os médicos, tomando uma crise de epilepsia pela morte da parturiente, lhe retalharam o ventre a sangue-frio. Por causa desse horrendo episódio, o povo passou a referir-se à filha de D. João VI como a rainha que morreu duas vezes..Bons casamentos vindos de Espanha?.Diz-se habitualmente que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. No entanto, ao longo do século XVI, esses casamentos ibéricos foram muitos e de sortes diversas. Por causa de uma dessas uniões felizes encontramos, logo no vestíbulo do Prado, o retrato de Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I, que, em 1526, se casou com Carlos V, tornando-se por inerência rainha de Espanha e imperatriz do Sacro Império Romano Germânico..Idolatrada pelo marido, morreu de parto aos 36 anos, e este é o retrato póstumo que o inconsolável viúvo encomendou a Ticiano. Mas há outras figuras da história de Portugal representados no Museu do Prado, desde os três Felipes que governaram (também) Portugal à fundadora da instituição, Isabel de Bragança, ou a sua mãe, Carlota Joaquina, retratada em criança, com toda a sua família, por Goya..Missão: salvamento.Considerada como um violento prólogo da Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) não poupou aos bombardeamentos, pelas aviações alemã e italiana (aliadas de Franco), cidades como Barcelona ou Madrid. Em perigo fatal não estavam apenas os seus habitantes, mas também o respetivo património artístico e arquitetónico. Assim sendo, o governo da República decretou a deslocação de centenas de quadros da sua morada habitual, o Prado, para lugares considerados seguros, primeiro na costa mediterrânica de Espanha e, posteriormente, para a sede da Sociedade das Nações, em Genebra..Esta saga, tão rápida quanto meticulosa, inspiraria a Rafael Alberti uma peça de teatro intitulada Noche de Guerra en Museo del Prado. No arquivo do museu (boa parte dele digitalizado e acessível ao público no site www.museodelprado.es), encontram-se muitos ecos dessa saga salvadora, que dão conta da preocupação que o destino das obras de arte despertava não só em intelectuais e artistas mas também na população comum..Picasso, o senhor diretor.Pablo Picasso foi o diretor do museu nos anos da Guerra Civil de Espanha, nomeado diretamente pelo presidente da República, Manuel Azaña. Na origem da nomeação estaria naturalmente a sintonia ideológica de ambos, mas também a tradição antiga de o mais importante museu de Espanha ter como diretores alguns dos mais representativos artistas espanhóis de cada época. Assim acontecera antes com Madrazo, Gisbert ou Villegas..Mas a relação de Picasso com o Prado não se esgotou com tal nomeação. Por desejo expresso do pintor, a primeira vez que Guernica foi exposto em território espanhol tomou o Prado como palco. Porquê? Porque, nas palavras do seu autor, o quadro poderia, assim, ser visto ao lado de outros assinados pelos "grandes revolucionários da pintura espanhola." Aconteceu em 1981, oito anos depois da morte de Picasso..Alarmes de incêndio ou jogada de marketing?.Sabia que, no final do século XIX, o Prado estava praticamente votado ao abandono pelas autoridades estatais? A negligência campeava como um vento maligno em campo de trigo. Os trabalhadores viviam no interior do museu e, nas noites mais frias, acendiam fogueiras entre goyas, velásquez, el grecos. Ante este espetáculo aterrador, o então diretor do museu, Mariano de Cavia, chamava a atenção das autoridades. Tudo em vão. Em desespero de causa, recorreu às fake news muito antes da invenção do conceito..Por isso, combinou com um jornalista do diário El Liberal uma manchete em que podia ler-se: "Incêndio no Museu do Prado". O choque e o horror causado na opinião pública surtiram efeito. Gerou-se uma onda de solidariedade que apontou o dedo à negligencia governamental. O estratagema seria justificado na edição seguinte do jornal: "O meu artigo de ontem inspirou-se naquilo que se passa todos os dias: não é um boato, não é uma graça nem uma originalidade. Estamos habituados a chorar pelo irremediável. Pois bem, inventámos uma desgraça para evitá-la." Aprendida a lição, tomaram-se medidas de segurança sérias. Umas mais complexas, outras de uma desconcertante simplicidade, como a que passou por abandonar o uso de velas ou de lenha no interior do museu..A "prima" da Mona Lisa.É uma das histórias mais saborosas para quem se delicia com os segredos do Prado. Falamos da cópia, descoberta em 2012, da que é a pintura mais famosa, fotografada e comentada de sempre, a Gioconda, de Leonardo da Vinci, que, como sabemos, está em Paris, no Museu do Louvre. Graças aos raios X aplicados sobre uma pintura depositada no Prado, representando uma dama renascentista vagamente parecida com Gioconda, descobriu-se que, sob um fundo negro, se ocultava uma paisagem em tudo similar à que Da Vinci representou no seu quadro. Após um meticuloso trabalho de limpeza e restauro, a obra revelou-se, na sua versão original, no piso térreo do Prado. Os estudiosos concluíram que, contemporâneo da Gioconda, o quadro é uma cópia assumida desta, da autoria de um dos muitos discípulos de Da Vinci..La Peregrina, a pérola das rainhas.Maria Tudor, a quem a posterioridade atribuiu o desgraçado epíteto de A Sangrenta, foi rainha de Inglaterra por herança do pai, Henrique VIII, e de Espanha, por afinidade, graças ao seu breve e desgarradamente infeliz matrimónio com Felipe II de Espanha e I de Portugal. Não surpreende, por isso, que ela nos surja entre as muitas personagens reais expostas no Prado. Pintado por Antonio Moro, este retrato surpreende até pela crueldade com que o artista expõe a fealdade evidente da rainha, bem patente no olhar de aço com que parece enfrentar quem passa na galeria, e que não é suavizada sequer pela rosa que tem nas mãos, e que é, afinal, o símbolo da dinastia Tudor a que pertenceu. Outro pormenor muito interessante deste quadro está na joalharia usada pela retratada, já que, do seu colar, pende uma pérola muito famosa, La Peregrina. .Com a sua forma ovalada extremamente rara, custou uma fortuna a Felipe II, que a ofereceu como prenda de casamento. Ao longo dos séculos, La Peregrina continuou a encantar reis e rainhas dos mais diversos reinos, incluindo o do cinema. Com efeito, acabou no colo de Elizabeth Taylor quando, em 1967, Richard Burton a comprou, por uma fortuna não menos impressionante, para a oferecer como presente de aniversário à sua caprichosa mulher..La Gloria, de Ticiano, um portal para o Além?.O escritor espanhol Javier Sierra há muito que se dedica a escrever sobre os quadros mais enigmáticos do Prado. Um pouco à maneira de Dan Brown, com o multimilionário best-sellerCódigo Da Vinci, escreveu um livro intitulado O Mestre do Prado, que arrasou nos tops de vendas do país vizinho. Um dos enigmas levantados por Sierra, com maior ou menor jeito para o negócio, é suscitado por um dos muitos quadros encomendados por Carlos V a Ticiano, La Gloria..Com efeito, esta obra, em que os vivos, acompanhados pelas almas dos entes queridos mortos, contemplam, com devoção, o Além, foi um dos poucos bens terrenos que, no final da vida, Carlos V levou para o Mosteiro de Yuste, onde se recolheu após abdicar da coroa em favor do filho, Felipe II. Para grande preocupação dos monges que o rodeavam, o soberano era capaz de passar horas, imóvel e silencioso, diante do quadro. Para Sierra, dado ao esoterismo, a obra de Ticiano é um portal mágico sobre as vias de comunicação dos vivos com os mortos. Para quem não tem as mesmas motivações, não deixa de ser comovedor ver na obra as representações de Carlos V, da sua mulher, Isabel de Portugal, e do filho de ambos, Felipe II, os olhos postos na eternidade, despojados dos paramentos do poder e da riqueza. Anos depois, por sua vontade expressa, Carlos V viria a ser sepultado envolto apenas num sudário..Identidades desconhecidas.O Museu do Prado dá-nos a ver os rostos de muitas figuras da história europeia, até porque, bem vistas as coisas, eram elas que tinham dinheiro para pagar aos artistas. Algumas das mais celebradas obras do Prado, porém, dão-nos a ver rostos que, muito provavelmente, nunca saberemos a quem pertenceram. É o caso de OCavaleiro da Mão no Peito, de El Greco. Quem foi? Alguém de certo prestígio social e cabedais bastantes para custear a gorjeira de renda (acessório caro dessa época em que quer a renda quer a goma arábica utilizada na confeção não estavam ao alcance do espanhol médio), mas quem?.Os estudiosos falam num tal de Juan de Silva, alcaide de Toledo, cidade em que El Greco fixou residência. Outros mais ousados falam de Miguel de Cervantes, já que a mão no peito ocultaria, afinal, a falta da mesma. Recorde-se que o imortal escritor terá perdido parte do braço direito na batalha de Lepanto, pelo que as gentes, com a habitual crueldade da rua, lhe passaram a chamar "el manco de Lepanto." Outro enigma do Prado é a identidade representada por Rafael no belíssimo quadro O Cardeal . Sabemos que representa um príncipe da Igreja renascentista, um olhar grave e astuto, a evidenciar inteligência mas pouca santidade. Mas quem terá sido na verdade?.Afinal, quantas obras tem o Prado?.De acordo com as últimas estatísticas, o Prado tem expostas 1150 pinturas. Esta é, no entanto, uma ínfima parte do seu espólio, espalhado por depósitos monumentais. Um inventário recente estima que ali se encontrem mais de 27 500 peças, entre as quais 7825 pinturas, 8637 desenhos, 5493 gravuras, 932 esculturas e 2155 medalhas. De quanto tempo necessitaríamos para ver tudo isto, mesmo que desmarcássemos todos os compromissos e nos concentrássemos totalmente nesta missão? Seguramente várias semanas.