O Qatar vai entrar para a história do futebol em 2022 ao tornar-se no país mais pequeno de sempre a organizar um Campeonato do Mundo, após um processo de escolha polémico e envolto em suspeitas de corrupção, segundo as quais o governo catari teria pago uma verba a rondar os 880 milhões de euros para comprar votos a favor da sua candidatura, 21 dias antes do anúncio oficial da FIFA, realizado em novembro de 2010..Foram muitas as críticas à escolha do Qatar, nomeadamente devido ao facto de, no verão, o calor no país ser insuportável e impróprio para que se possam realizar jogos de futebol ao mais alto nível. Por isso, a FIFA tomou a decisão inédita e histórica de mudar a data da realização do torneio. Ao contrário do que é tradição, o próximo Mundial vai realizar-se nos meses de inverno, a meio da época desportiva. Uma decisão que visa, precisamente, permitir que os jogos se realizem sob temperaturas mais amenas no Médio Oriente, que nesta altura oscilam entre os 15 e os 24 graus centígrados, contrastando com os mais de 40 graus habituais em junho ou julho..O jogo de abertura está marcado para 21 de novembro, enquanto a final será a 18 de dezembro. Ou seja, a primeira grande consequência do Mundial 2022 foi a reorganização de todo o calendário futebolístico internacional, sendo que na Europa os campeonatos terão de começar mais cedo e terminar mais tarde por causa da interrupção obrigatória a 14 de novembro, data em que os jogadores terão de se apresentar nas seleções que vão disputar o Mundial..A título de exemplo, refira-se que os jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões vão estar todos comprimidos entre 6 de setembro e 2 de novembro, sendo que os oitavos-de-final só vão realizar-se mais de três meses depois, a 14 de fevereiro de 2023. As principais ligas europeias já anunciaram as novas datas dos seus calendários, ao contrário do que acontece com a Liga portuguesa, que a sete meses do início da nova época ainda não anunciou a nova calendarização..Certo é que durante pouco mais de um mês os clubes vão deparar-se com uma nova realidade, onde vão estar sem competir e, consequentemente, não terão receitas, o que poderá criar ainda mais um problema numa altura de crise financeira resultante da pandemia, afinal vão ter de continuar a pagar salários..Em contraste com os problemas financeiros que podem atingir alguns clubes, o Mundial do Qatar foi pensado e organizado sem qualquer contenção de gastos. O governo local investiu qualquer coisa como 178 mil milhões de euros em dez anos na modernização de um pequeno país, com 11 437 quilómetros quadrados..A cidade de Lusail, que vai receber a final do torneio, foi construída de raiz, numa zona onde antes existia deserto, destinando-se a 200 mil habitantes e tendo custado qualquer coisa como 40 mil milhões de euros. Trata-se de uma área com duas marinas, centros comerciais, lojas de luxo, áreas de lazer e entretenimento, residências, dois campos de golfe, um jardim zoológico e praias de areia branca na extensão de 38 quilómetros da costa que dá para o Golfo Pérsico..O Mundial 2022 é encarado pelo governo local como uma espécie de rampa de lançamento do Qatar para se tornar num país de referência no mundo dos negócios, mas também no turismo. Os estádios acabam por ser uma gota num oceano de milhões, pois foram gastos "apenas" seis mil milhões de euros na construção de sete recintos de raiz e a remodelação de um outro que já existia, o Estádio Khalifa International, na cidade de Al Rayyan..Um exemplo da extravagância catari para este Mundial é o estádio Al Bayt, na cidade de Al Khor, que vai receber o jogo de abertura e custou uma verba a rondar os 900 milhões de euros, tornando-se o segundo recinto mais caro de sempre edificado para um campeonato mundial, apenas superado pelo Krestovsky, de São Petersburgo, na Rússia. O design do estádio representa uma típica tenda do Qatar, com a cobertura a imitar o tecido das cabanas do deserto. Contudo, não é apenas um estádio - é igualmente um hotel de cinco estrelas, com 96 quartos luxuosos com vista para o relvado e que durante o Mundial serão convertidos em camarotes de luxo com lustres de cristal, adereços em ouro e tapetes árabes..A organização construiu também o primeiro estádio portátil do mundo, exclusivamente para o torneio, e que será depois desmontado. Trata-se do Estádio 974, anteriormente chamado de Ras Abu Aboud, que se situa em Doha, junto ao mar, edificado com contentores marítimos e estruturas metálicas de navios. É considerado um estádio portátil porque pode ser desmontado e reconstruído noutro local do planeta. Quando terminar o Mundial, naquele espaço será edificado um espaço comercial e um parque..Ao contrário do que aconteceu noutras organizações de fases finais de grandes competições de futebol, no Qatar não há notícias de atrasos na conclusão das obras, algo que estará, por certo, relacionado com outro dos escândalos que tem ensombrado a prova: a exploração laboral de migrantes provenientes da Índia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Sri Lanka e Bangladesh..De acordo com dados avançados a 23 novembro pelo jornal britânico The Guardian, estima-se que terão morrido cerca de 6500 trabalhadores durante as obras. Esta é, no entanto, uma contabilidade difícil de fazer, pois não existem números oficiais..Ao longo deste processo, o governo catari tentou amenizar as críticas internacionais sobre a precariedade (salários muito baixos e muitas horas de trabalho) e a falta de segurança dos operários, anunciando reformas que, no entanto, têm sido consideradas escassas por várias organizações internacionais. Uma delas foi a Human Rights Watch, que denunciou situações de autêntica escravidão, com operários a trabalhar entre 16 e 18 horas por dia, sete dias por semana e debaixo de temperaturas a rondar os 50 graus..As violações dos direitos humanos têm estado cada vez mais na ordem do dia à medida que se aproxima o Mundial 2022. Além das questões laborais, são várias as queixas em relação à monarquia absolutista do Qatar, onde membros da família real ocupam os altos cargos do Estado, onde não são permitidos partidos políticos, a homossexualidade é considerada crime e as mulheres têm limitações na sua liberdade..Há vários exemplos de protestos contra a violação dos direitos humanos no Qatar, o mais recente da seleção da Dinamarca, que durante o torneio vai substituir os patrocínios nos equipamentos por mensagens a favor dos direitos humanos. Enquanto isso, o governo dos Países Baixos já aprovou uma moção que impede qualquer governante de se deslocar ao Qatar durante o Mundial..A menos de um ano do pontapé de saída para o Mundial 2022 ainda não é certo que a seleção nacional esteja presente no Qatar. Um final de fase de apuramento desastroso, com uma derrota no jogo decisivo, no Estádio da Luz, diante da Sérvia, relegou a equipa das quinas para um playoff onde estarão em aberto as três vagas que restam para seleções europeias..A 24 de março, no estádio do Dragão, Portugal terá o primeiro jogo decisivo para alcançar o passaporte para o Campeonato do Mundo. O primeiro adversário será a Turquia. Em caso de vitória, Portugal irá defrontar, cinco dias depois o vencedor do Itália-Macedónia do Norte. Será um caminho muito difícil, sendo certo que pelo menos um dos dois últimos campeões da Europa - Portugal ou Itália - irá falhar o torneio que irá decorrer no Qatar..O selecionador nacional Fernando Santos já assumiu que se não conseguir o apuramento deixará o cargo que ocupa desde 2014. "Se não for apurado para o Mundial, sairei por minha iniciativa, pelo meu próprio pé. Há um compromisso com Fernando Gomes [presidente da Federação], segundo o qual enquanto formos cumprindo objetivos, vamos continuar juntos", assumiu Fernando Santos numa entrevista à TVI, após a derrota diante da Sérvia, que deu origem a uma enorme onda de críticas, sobretudo pelas fracas exibições da equipa..Em caso de insucesso nos playoff, Portugal irá falhar a primeira fase final desde 1998, colocando um ponto final a uma sequência de onze presenças consecutivas em fases finais - entre Mundiais e Europeus -, sendo que contabiliza cinco participações seguidas em campeonatos do mundo..Por outro lado, o Qatar 2022 corre o risco de não ter um dos futebolistas que marcaram a história recente do futebol: Cristiano Ronaldo. A estrela portuguesa festeja a 5 de fevereiro o seu 37.º aniversário, razão pela qual dificilmente terá a oportunidade de estar noutro Mundial - já terá 41 anos quando em 2026 se realizar o torneio organizado por EUA, Canadá e México..O Mundial do Qatar será, pois, a última grande oportunidade de Ronaldo se impor nesta prova, ele que em quatro participações não conseguiu ter o brilho que se esperava. É certo que na Rússia 2018 marcou quatro golos em quatro jogos, mas Portugal não foi além dos oitavos-de-final. E na Alemanha 2006 ajudou a equipa a chegar às meias-finais, mas na altura Figo e Deco eram as grandes figuras da seleção, pois CR7 tinha apenas 21 anos..carlos.nogueira@dn.pt