24 anos depois do Mundial da África do Sul, Inglaterra e Nova Zelândia vão voltar a encontrar-se numa meia-final de uma Taça do Mundo, depois dos claros triunfos conseguidos neste sábado diante de, respetivamente, Austrália (40-16) e Irlanda (46-14)..Na edição de 1995 - para sempre conhecida como o Mundial de Nelson Mandela numa prova conquistada pelos anfitriões Springboks - esse encontro seria marcado indelevelmente pela memorável exibição de um jovem ponta chamado Jonah Lomu que, aos 20 anos, entrou para a lenda do râguebi ao destruir por completo a armada britânica apontando quatro ensaios (!) e humilhando de tal forma os ingleses que o seu capitão Will Carling (autor de dois ensaios no jogo) no final da partida diria: "Este tal Lomu é um anormal e não quero mais voltar a encontrá-lo num campo de râguebi.".Mas depois das exibições realizadas nos "quartos", os dois conjuntos deixaram um claro sinal à concorrência de que estão no Japão para ir mesmo até à decisão final - e qualquer deles tem capacidade para erguer a taça William Webb Ellis..Em Oita, a Inglaterra não dominou as estatísticas do encontro e que geralmente determinam o vencedor. Os homens de Eddie Jones fizeram mais do dobro das placagens dos australianos e cumpriram metade dos metros percorridos pelos Wallabies. Mas a sua eficácia e boa exploração dos erros adversários seria determinante, ao apontarem 31 pontos nas sete visitas que fizeram à área de 22 contrária..Foi uma exibição inglesa bem estruturada, a roçar a perfeição em termos defensivos (notável o flanqueador Tom Curry, man of the match) e com o capitão Owen Farrell - 20 pontos em pontapés - a gerir as operações de forma brilhante, permitindo que o génio de algumas individualidades das linhas atrasadas sobressaísse - em especial com o ponta Jonny May a marcar dois ensaios no curto espaço de três minutos, para um resultado de 14-3 ao 21" de jogo que ditavam desde logo o destino do jogo..Com pilares a correrem como centros, pontas a defenderem como asas e suplentes - os chamados finalizadores para Eddie Jones - a entrarem cheios de vontade de mostrar serviço e a destruírem a oposição, a Inglaterra fez uma verdadeira "prova de vida" como candidato ao título mundial..Em Tóquio a expectativa era grande sabendo-se que a Irlanda tinha ganho dois dos três últimos duelos entre as duas equipas, mas o jogo acabaria por ser dominado pelos All Blacks que jogaram a seu bel-prazer em longos períodos do encontro. Os bicampeões mundiais marcaram sete ensaios (bis de Aaron Smith, Beauden Barrett, Codie Taylor, Matt Todd, George Bridge e Jordie Barrett), com Richie Mo'unga a acrescentar 11 pontos em pontapés (quatro conversões e uma penalidade), perante irlandeses que iam somando erros sobre erros e sem capacidade de resposta para o impressionante ritmo imposto pelos homens de Steve Hansen - e que só aos 69" marcariam os primeiros pontos da partida, através de um ensaio de Robbie Henshaw, e quando os blacks já tinham fechado a loja e só pensavam no jogo do próximo sábado diante da Inglaterra..Se dúvidas subsistiam quanto à capacidade física dos neozelandeses depois de praticamente quatro semanas sem um jogo exigente (e com a partida frente à Itália cancelada pelo tufão Hagibis), a exibição e o concludente triunfo sobre a quarta potência mundial, pôs tudo em pratos limpos: mesmo diante de uma Inglaterra dura, sem contemplações nem pontos fracos, os All Blacks são favoritos para a primeira meia-final do Mundial (Yokohama, sábado, 09.00, Sport TV1). Até porque nunca perderam um duelo com ingleses nas três vezes que os defrontaram em mundiais e não são derrotados pela equipa da rosa desde 2012, tendo vencido 15 dos derradeiros 16 duelos entre si..Gales só sorri no fim e Springboks terminam com sonho japonês.Na outra meia-final (também em Yokohama, domingo, 09.00, Sport TV1) irão jogar País de Gales e África do Sul naquela que será a terceira vez que as duas seleções se defrontam em fases finais de mundiais, depois de 2011 e 2015, sempre com triunfo sul-africano. Mas os derradeiros quatro encontros sorriram aos galeses que não perdem com os Springboks desde os quartos do Mundial 2015..Em Oita, Gales era favorito diante de uma França que, como já nos habituou em tantas outras situações, viveu momentos complicados nos bastidores nas últimas semanas - a que não será estranha a presença, como assistente de Jacques Brunel, de Fabien Galthié, novo selecionador francês a partir de novembro, e que trouxe consigo alguns dos futuros adjuntos e já vai tratando de marcar terreno....Mas o quinze de Warren Gatland (sem o fundamental centro Jonathan Davies, retirado da equipa minutos antes do início do jogo por ter agravado lesão no joelho) mostrou grandes dificuldades para responder ao vertiginoso começo dos gauleses que aos nove minutos já venciam por 12-0, com ensaios de Vahaamahina e Ollivon..E se ao intervalo a França seguia na frente por 19-10 (mais um ensaio gaulês, agora de Vakatawa), tal deveu-se à fragilidade defensiva galesa que concedeu dois ou mais ensaios em quatro dos cinco jogos neste Mundial. Este é um departamento do jogo que Gatland terá de trabalhar ao longo da semana. Mas o sinal de uma grande equipa é quando ela ganha mesmo não tendo estado, reconhecidamente, ao seu melhor nível. Agora os galeses reconhecerão que terão de subir de rendimento se quiserem estar, pela primeira vez na sua história, na final de um Mundial..E a figura do jogo seria mesmo Ross Moriarty, entrado a meio da primeira parte para render o lesionado Josh Navidi, pois depois de ver um cartão amarelo à meia hora de jogo (um minuto depois a França fez o terceiro ensaio...), passou de vilão a herói ao marcar, a seis minutos do fim, o ensaio da reviravolta. Muito ajudada, diga-se em abono da verdade, pela expulsão do gigante 2.ª linha Vaahamahina, por uma desnecessária cotovelada a meia hora do final da partida! Tal como aconteceu com o capitão galês Sam Warburton na meia-final do Mundial 2011, lance decisivo e que conduziu então a França ao triunfo (19-10) ... e à final perdida perante os All Blacks..Em Tóquio o embate entre o surpreendente Japão e a África do Sul opunha dois estilos diferentes de râguebi: o poder físico sul-africano frente à rapidez e ao alargar do perímetro de jogo nipónico. Para continuar o sonho e escrever um segundo capítulo do "milagre de Brighton" de há quatro anos, os japoneses estavam obrigados a fazer os pesados avançados springboks correrem pelo relvado para tentarem travar os seus frenéticos portadores da bola. E durante a primeIra parte o plano dos anfitriões correu da melhor forma, mesmo tendo a África do Sul atingido o intervalo na frente por 5-3, graças ao ensaio do ponta Mapimpi logo aos 4"..Mas infelizmente para os homens de Jamie Joseph, no segundo tempo e com o natural decréscimo de ritmo, a supremacia física adversária viria ao de cima - e ditaria lei de forma suprema, demolindo a oposição. A mêlée sul-africana começou a fazer em picadinho o pack contrário, as faltas japonesas sucediam-se e três penalidades de Pollard colocavam o resultado em distantes 14-3..Aos 65" um fantástico maul dinâmico springbok em estilo de TGV a ganhar metros sobre metros levando tudo à frente seria concluído em grande estilo pelo n.º 9 Faf de Klerk, autor de uma soberba exibição e man of the match e selava o triunfo, que seria ainda alargado pelo segundo ensaio de Makazole Mapimpi, agora um dos três jogadores com mais ensaios da prova (cinco, a par do galês Josh Adamas e do japonês Matsushima)..E para quem pensa que a magia e o encanto do râguebi artístico e adornado com off-loads de fijianos e nipónicos são o maior exemplo de um râguebi bonito e atrativo, convém declarar que a forma pura e dura como a África do Sul desmantelou, pedra sobre pedra, o quinze do Japão neste domingo, muito à força de poder físico e potência demolidora, também tem a sua beleza..Quanto a Gales, já sabe o que o espera na meia-final e o que terá de fazer para tentar travar o caminho springbok até à final de dia 2. Se o vai conseguir, isso é outra conversa...