O que talvez não soubessem é que, no século XVIII, a música instrumental era considerada uma arte inferior à pintura ou à literatura e foi Beethoven quem a elevou ao nível da música vocal. Assim no-lo diz a Enciclopaedia Britannica: as manifestações mais elevadas da música eram aquelas que serviam um texto, como as cantatas ou as óperas. Para isso, contribuiu também a proeza instrumental da Orquestra de Mannheim, cujas técnicas orquestrais introduzidas em meados do século XVIII - possibilitadoras do desenvolvimento da sinfonia - deram origem à Escola de Mannheim. Um compositor de transição do classicismo para o romantismo, nascido em 1770 na antiga capital alemã Bona, Beethoven dizia que não escrevia por reputação e honra. Dizia que escrevia porque tinha de mandar cá para fora o que lhe ia no coração.."Desde que foram escritas, as sinfonias de Ludwig van Beethoven têm influenciado todas as gerações de compositores", referia o crítico Philip Clark no artigo para a revista britânica de música clássica Gramophone, em 2014, a propósito das celebrações dos 190 anos da composição da 9.ª Sinfonia. "Ludwig van Beethoven, o compositor que, mais do que qualquer outro, mudou a música, o som da música e o que os compositores fazem, escreveu nove sinfonias que só por si sacudiram a música. A vida nunca poderia voltar a ser a mesma. A racionalidade "clássica" de estrutura, harmonia, forma, desenvolvimento melódico e orquestração estendem-se a possibilidades ilimitadas.".Na música pop.Podemos até nem saber que são dele, mas ouvimo-las e reconhecemos as músicas. São usadas como jingles, como música de espera em aparelhos eletrónicos ou música ambiente em elevadores. É este o nível de popularidade das composições de Beethoven. As marcas e as influências na música popular, por exemplo, do rock ao hip hop, são incontornáveis. Atom Heart Mother Suite, dos Pink Floyd, do álbum de 1970 com o mesmo nome, é comparado em termos de arrojo composicional e expansão de fronteiras sonoras à 3.ª Sinfonia, Eroica, de Beethoven, pelo facto de terem introduzido no tema uma secção de metais, um solo de violoncelo e coro no tema..John Lennon disse várias vezes ter composto a música Because, integrada no disco Abbey Road (1969), depois de ter ouvido Yoko Ono a praticar a Sonata ao Luar do compositor alemão. Pediu-lhe que tocasse a sonata de trás para a frente e encontrou assim a progressão de acordes a partir da qual compôs o tema..No início da faixa Exposition/ We Can Work It Out, do álbum The Book of Taliesyn, dos Deep Purple, podemos ouvir uma versão elétrica do allegretto da Sinfonia n.º 7. O falecido membro da banda Jon Lord era um organista de formação clássica que costumava incorporar padrões clássicos no repertório da banda..Já o hip hop é prolífico no uso de samples e o rapper Nas utiliza o excerto mais conhecido da obra Para Elisa, o dedilhar de notas em piano mais famoso do mundo, no tema I Can..Na literatura.Só a 5.ª Sinfonia - aquela cujo início o pouco rigoroso biógrafo de Beethoven, Anton Schindler, escreveu que o compositor dizia traduzir-se no destino a bater-nos à porta mas nós preferimos dizer tratar-se da sonorização de um suspense que está prestes a revelar-se - inspirou de forma direta livros como Rumour, da escritora inglesa novecentista Elizabeth Sara Sheppard, Homem Invisível, do norte-americano Ralph Ellison, Howards End, de E.M. Forster, ou Kafka à Beira-Mar, de Murakami. Já Tolstoi roubou o nome à Sonata Kreutzer de Beethoven para dar título a um conto seu, A Sonata a Kreutzer. Passada numa viagem de comboio, a história fala sobre amor, casamento e sexo e foi imediatamente censurada pela Rússia..A personagem perversa de Laranja Mecânica, de Anthony Burguess, Alex DeLarge, é um aficionado de Beethoven. O filme que adaptou o livro ao cinema, pelas mãos de Stanley Kubrick, mostra uma montagem rápida de várias escalas do plano sobre o poster do compositor alemão colado na parede, ao som da 9.ª Sinfonia..No cinema.Outra personagem fã de Beethoven é Norman Bates, de Psycho. Um livro da autoria de Robert Bloch, na versão que Hitchcock adaptou a cinema, existe inclusive um grande-plano de um gira-discos em que vemos a Eroica da Sinfonia n.º 3 a tocar..Excertos de música de Beethoven que possam ser ouvidos em filmes são às carradas: Conto da Primavera, do francês Eric Rohmer; O Solista e Ray, ambos com Jamie Foxx no papel principal; Harry Potter - Relíquias da Morte; Desafio Total, com Colin Farrell ao piano a interpretar uma sonata; Amor, de Michael Haneke, em que o pianista francês Alexandre Tharaud entra, a fazer de aluno da protagonista..Só a 7.ª Sinfonia, aquela em que parecemos estar a caminhar no cortejo do nosso próprio funeral, aparece em filmes tão díspares como Lola, de Jacques Demi, Irreversível, de Gaspar Noé, com Monica Bellucci e Vincent Cassel nos papéis principais, ou O Discurso do Rei, em que Colin Firth faz de rei Jorge VI que tem de dirigir-se à nação a propósito da entrada do país na Segunda Guerra Mundial, via rádio, e tem um problema sério de gaguez. Virando a toada para a pop, em Febre de Sábado à Noite, com John Travolta e Olivia Newton-John, podemos ouvir um remix da 5.ª Sinfonia versão disco-sound, quando Travolta entra numa discoteca e se põe a cumprimentar toda a gente armado em macho alfa..A música de Beethoven é tão carismática que funciona também como raccord sonoro de algumas cenas, como é o caso dos miúdos a jogar futebol americano no relvado da escola, em Elephant, de Gus Van Sant. Sonata ao Luar é premonitória de um advento, de um fim - o tiroteio que irá seguir-se. Acontece o mesmo em Clube dos Poetas Mortos, em que o som ambiente é substituído pelo Hino à Alegria, da 9.ª Sinfonia, enquanto os estudantes disputam um jogo de futebol, sob os comandos do professor interpretado por Robin Williams..Por falar em Hino à Alegria, uma curiosidade para rematar o texto: esta ode foi escolhida como hino da União Europeia por causa do poema em que Beethoven se baseou para compor a obra, da autoria do poeta e filósofo alemão Friedrich Schiller, intitulado An die Freude. Versa assim: "Oh amigos, mudemos de tom!/ Entoemos algo mais agradável". Uma ode à fraternidade, portanto.