Mudar as regras
Não estava no programa oficial a participação de François Hollande na Câmara de Paris, na condecoração dos quatro porteiros portugueses que socorreram vítimas do atentado do Bataclan. Mas já se sabe como Marcelo pode ser persuasivo, a ponto de conseguir desviar o presidente francês do percurso entre o Palácio do Eliseu e o Stade de France. Em vez de ir diretamente, passou pela casa de Anne Hidalgo e, tal como Marcelo e Costa, fez um discurso de improviso. Falou de Amadeo, José Afonso e Amália, disse várias vezes que tinha de ir depressa para o futebol, confirmou que vem a Portugal em julho - não no dia 14, porque Anne Hidalgo "não o permitiria" e ele obedece-lhe - e terminou a pôr a hipótese de a final do Euro pôr frente a frente os dois países. "Vão ter de voltar", disse aos dois políticos portugueses. Pelo meio garantiu o apoio a Portugal na União Europeia, elogiou os portugueses em França - "são o melhor exemplo do que pode ser a República, podemos viver juntos sendo nós próprios" e até assegurou que têm um grande poder naquele país, referindo-se aos muitos imigrantes que se tornaram empresários. Marcelo fez um malabarismo ao protocolo e passou para as mãos de Hollande duas das quatro condecorações para que ele as entregasse. "Vou mudar as regras", disse antes. Já durante a manhã tinha dado a volta ao statu quo, quando retomou, 42 anos depois de 1974, a parada militar no Terreiro do Paço e as condecorações a antigos combatentes da Guerra Colonial - e também a militares no ativo que se destacaram em missões no estrangeiro. Sabia que ia agitar os fantasmas de várias gerações, sabia que estava novamente a andar sobre o arame das memórias difíceis. Mais alguém poderia tê-lo feito? Se no dia em que se tornou Presidente ele se juntou a representantes de 18 crenças religiosas na Mesquita de Lisboa, sim, podia. Por muito que seja doloroso voltar a sentir as feridas do passado recente, é preciso procurar no que aconteceu ontem o sinal de que nada é imutável e tudo pode ser posto em causa.