Motoristas. Aeroporto, Sines e Algarve justificaram requisição civil

Não foi preciso a greve dos motoristas de matérias perigosas durar um dia para o governo decretar requisição civil. Pretexto: não cumpriram os serviços mínimos. Os grevistas desmentem.
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A escalada que já vinha em progressão na semana passada - com, por exemplo, reuniões de emergência da cúpula do governo previamente anunciadas, declarações de crise energética e de "situação de alerta" - prosseguiu ontem como se esperava do executivo, decretando este requisição civil aos trabalhadores em greve. Já em abril, na primeira greve, o governo tinha feito o mesmo.

O passo seguinte poderão ser processos disciplinares das empresas empregadoras aos motoristas que considerem não estar a cumprir os serviços mínimos, podendo as sanções chegar ao despedimento. E arriscam-se também a processos-crime por desobediência, com penas máximas até aos dois anos de prisão.

A requisição civil permitirá também - com um despacho legal próprio - a intervenção de militares das Forças Armadas a conduzirem os camiões dos combustíveis, intervenção que se soma à já existente de agentes da PSP e da GNR.

Os motoristas em greve responderam à decisão governamental dizendo verem-na "com tristeza" (expressão usada por Pedro Pardal Henriques, o advogado vice-presidente e porta-voz de um dos dois sindicatos promotores da paralisação, o SNMMP (Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas).

Mas foi o mesmo Pardal Henriques quem, logo de manhã, servira de bandeja ao executivo a decisão de este decretar a requisição civil. "Vamos deixar de cumprir os serviços mínimos", disse ao jornalistas o vice-presidente do SNMMP.

Pardal Henriques acusava o governo e as empresas de não estarem a respeitar o direito à greve. "Os trabalhadores estão a ser subornados. Há polícia e Exército a escoltar os camiões. Não foi o sindicato que quebrou os serviços mínimos, mas sim as empresas e o governo que violaram o direito à greve."

Questionado pelos jornalistas sobre a possibilidade de esta medida provocar a requisição civil, o vice-presidente do sindicato disse que na prática isso já estava a ocorrer. Os representantes dos motoristas pretendem um acordo para aumentos graduais no salário-base até 2022: 700 euros em janeiro de 2020, 800 euros em janeiro de 2021 e 900 euros em janeiro de 2022, o que, com os prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria 1400 euros em janeiro de 2020, 1550 euros em janeiro de 2021 e 1715 euros em janeiro de 2022.

Depois o processo de dramatização que o governo tem vindo a conduzir incluiu o anúncio em cima da hora de uma deslocação do primeiro-ministro à Presidência da República, ao princípio da tarde.

Depois da audiência, António Costa disse que durante a manhã tudo tinha corrido bem, no cumprimento dos serviços mínimos, mas na parte da tarde já não. Estavam a registar-se problemas na refinaria de Sines, nos fornecimentos ao aeroporto de Lisboa e no Algarve. E foi anunciado o passo seguinte: a convocação do tal Conselho de Ministros tendo em vista decretar a requisição civil.

O Presidente da República, a seguir, deu cobertura à requisição civil, com um comunicado colocado no site da Presidência.

"O Presidente da República recorda a importância de, em todas as circunstâncias, serem salvaguardados os valores e princípios do Estado de direito democrático e, neles, os direitos fundamentais, a segurança e a normalidade constitucional", lia-se.

Marcelo entendeu ainda sublinhar "a responsabilidade de todos os envolvidos neste conflito entre entidades privadas, na procura de soluções justas, sem sacrificar, de modo desproporcionado, os portugueses".

"Motoristas abandonaram as empresas"

Antes já a Antram (a associação representativa do patronato) dizia que era "urgente" que o governo decretasse a requisição civil. "Em Sines, os serviços mínimos estão a ser incumpridos a 100%, no aeroporto de Lisboa deveriam estar a 100% e estão a 25%, na Petrogal, por exemplo, deveriam ter sido feitas 225 cargas e foram 48", dizia um comunicado da associação.

Segundo o representante legal da Antram, "tudo corria normalmente até às declarações públicas" de Pardal Henriques. "Há motoristas que abandonaram as empresas para se juntarem a Pedro Pardal Henriques e há empresas que não têm ninguém para fazer os serviços mínimos hoje à tarde".

Pelas 20.00 de ontem, saía de Sines o primeiro camião conduzido por um militar e escoltado por uma viatura da GNR, pouco tempo após ter sido decretada a requisição civil.

A viatura saiu sob forte protesto do piquete de greve, composto por cerca de 30 trabalhadores de matérias perigosas e carga geral, que desde as cinco da manhã se mantinham na ponte que dá acesso à refinaria de Sines da Petrogal, de onde não saíram camiões durante a tarde.

Bloco e PCP em silêncio

"Foram cumpridos alguns serviços mas não na totalidade. De manhã saíram uns cinco ou seis camiões de gasolina e gasóleo e outros tantos de gás natural. À tarde não saíram camiões", reconhecia à agência Lusa Carlos Bonito, coordenador do sul do SNMMP.

À hora do fecho desta edição, nem o Bloco de Esquerda nem o PCP tinham reagido à decisão governamental. A CGTP, porém, fê-lo dizendo que o governo "deu um novo passo na escalada contra o direito à greve" ao decretar a requisição civil.

"A pretexto das características da greve em curso no setor de mercadorias perigosas, o governo deu um novo passo na escalada contra o direito à greve, com o anúncio da requisição civil", avançou a central, em comunicado. A requisição civil "não contribui para resolver o problema existente" e "estimula os partidos da direita e o grande patronato a reclamar a alteração da lei da greve para acentuar a exploração e as desigualdades e condicionar a luta dos trabalhadores".

"O momento que vivemos exige menos exposição mediática e mais responsabilidade social das partes envolvidas, para encontrar uma solução negociada, que respeite e valorize os direitos dos trabalhadores do setor e responda às necessidades das populações."

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