Morreu Tozé Martinho, um dos pioneiros da indústria das novelas em Portugal

Desaparece aos 72 anos um dos maiores protagonistas da ficção televisiva nacional. Estreou-se no pequeno ecrã ao lado da mãe e nas novelas pela mão de Nicolau Breyner.
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António José Bastos de Oliveira Martinho, conhecido por Tozé Martinho, foi uma figura largamente conhecida do público português. As telenovelas e as séries de TV foram o seu métier: participou como intérprete em duas dezenas e como guionista numa dúzia. "Aquilo de que eu gosto mesmo é de representar coisas escritas por mim", disse. Mas foi num concurso de TV que se tornou conhecido.

Morreu no domingo, no Hospital de Cascais, devido a uma paragem cardiorrespiratória. Em novembro fora sujeito a uma intervenção cirúrgica depois de ter partido o colo do fémur numa queda.

Os problemas de saúde começaram em 2014. Quando já não trabalhava para a TVI e levou ao palco a peça Cucurrucucu, sofrera um acidente vascular cerebral. Poucas horas depois em declarações à Nova Gente dissera que não teve mazelas. Mas em 2017 explicou à TV7Dias que, apesar de se sentir com um "estado de saúde bom" e com "força para continuar" a trabalhar, a perna esquerda perdera força, pelo que passou a coxear.

Foi em Vila Faia, na primeira telenovela portuguesa (1982), que se estreou. À RTP, Tozé Martinho contou que, depois de ter prestado provas, foi Nicolau Breyner quem escolheu a sua personagem (agente Silveira). Tozé Martinho prosseguiu em Origens, Palavras Cruzadas (onde se estreou como guionista) e Passerelle. Em 1988 fez com Nicolau Breyner a dupla de protagonistas da série Os Homens da Segurança. No ano seguinte escreveu e realizou a série Caixa Alta.

Filho da atriz Maria Teresa Ramalho, conhecida como Tareka, Tozé Martinho e a sua mãe participaram em 1976 no concurso televisivo A Visita da Cornélia. Posteriormente trabalharam juntos em várias novelas, como em Todo o Tempo do Mundo, que marcou o início da produção nacional de ficção na TVI, em 1999. A intérprete faleceu em janeiro de 2018, com 90 anos.

Aquando da apresentação da novela Amanhecer, em 2002, Tozé Martinho explicava que as novelas são um substituto das relações sociais nos cafés ou nas ruas e que as personagens devem ser identificadas com facilidade para que o espectador queira seguir o seu rumo e encará-las "como amigos ou conhecidos", disse então ao Jornal de Notícias.

Tozé Martinho assinou sete novelas e um filme para a TVI até 2012, orgulhando-se de ter escrito três das quatro novelas portuguesas mais vistas (Dei-te quase tudo, Olhos de Água e A Outra). Na última novela, Louco Amor, o protagonista foi Nicolau Breyner. Em 2017 não escondia a mágoa por nenhuma produtora pedir os seus serviços. "Isto é tudo incompreensível, e quem perde é a ficção", disse à TV7Dias.

Em entrevista ao 24horas, em 2003, o guionista gabava a qualidade das novelas portuguesas. "Eles [brasileiros] não são melhores do que nós. Nós é que desacelerámos. E em competição não se pode levantar o pé do acelerador."

"Pioneiro da indústria"

O canal de televisão, em mensagem enviada aos órgãos de comunicação, diz que "o país perde uma das maiores figuras da sua cultura popular", uma "figura familiar que deixa saudades a todos com quem se cruzou durante décadas". Para a TVI, o papel de Martinho como "pioneiro da indústria das novelas portuguesas" inspirou os guionistas nacionais abrindo portas para uma atividade que hoje mobiliza centenas de pessoas".

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também reagiu ao óbito, recordando Tozé Martinho como um "dos atores e guionistas portugueses mais ativos" e destacando a presença no imaginário coletivo "pelos recorrentes papéis de personagens empáticas, decentes, confiáveis".

Também a ministra da Cultura, em nota de pesar, enalteceu o "papel nuclear que representou no mundo teatral e audiovisual nacional" e destacou o "largo apreço e empatia", quer junto do público português quer da "comunidade de atores e autores" gerados pela sua "vivência profissional e cordialidade".

A sua última participação na TV deu-se em 2018 na série Sara, protagonizada por Beatriz Batarda e realizada por Marco Martins. Foi ator em quatro episódios na série transmitida pela RTP.

Escrita de família

A escrita fazia parte da tradição familiar. O ator e guionista era irmão da escritora Ana Maria Magalhães, conhecida pela dupla com Ana Isabel Alçada na coleção infantojuvenil Uma Aventura. A mãe publicou com o pseudónimo Ângela Sarmento e a tia é Isabel da Nóbrega, escritora e colunista, que por sua vez viveu com outros dois homens das letras, João Gaspar Simões e José Saramago.

Tozé Martinho também escreveu um romance, Dá-me apenas Um Beijo, em 2003, e um livro de contos, Coisas do Dinheiro, duas décadas antes. "Vivi toda a minha vida em contacto com este mundo de criatividade. De certa maneira, todas estas pessoas tiveram alguma influência e li alguns livros que aguçaram o génio", disse em entrevista ao Vidas , em 2014.

Advogado, forcado e diretor de programas nos EUA

Também fruto da tradição familiar, Tozé Martinho seguiu os estudos de Medicina - filho do médico António Caetano de Oliveira Martinho -, mas inscreveu-se em Veterinária. Trocou por Economia e, por fim, estudaria Direito, tendo concluído o curso com 53 anos. Em 2003 concluiu o estágio e abriu atividade, tendo então produzido um filme destinado à formação, em parceria com o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.

Na sua juventude, depois de o pai ter morrido e de a mãe voltar a casar-se, muda-se para Salvaterra de Magos. No Ribatejo envolve-se nas tradições locais, e com 16 anos adere ao Grupo de Forcados Amadores de Santarém, tendo também sido cavaleiro amador.

Aos 21 anos foi destacado para África, onde passou dois anos na Guerra Colonial. Ainda fora de portas, trabalhou em Newark como diretor de programas da RTP-USA, durante dois anos, altura em que também estudou realização de TV e cinema em Nova Iorque. Anos mais tarde foi a vez de Tozé Martinho dar formação de ator na Universidade Moderna.

Depois do 25 de Abril, após casar-se com Ana Rita Louro, foi viver para a quinta da família, Quinta da Silveira, em Vila Flor. "Tomei conta dela durante três anos. Durante esse tempo aprendi a ordenhar uma vaca, a podar uma videira e uma árvore de fruto, a cavar...", contou ao 24horas, em 2009. Do casamento nasceram dois filhos.

Noutra vertente da sua vida, foi militante do PSD e apoiante das candidaturas de Cavaco Silva e de Pedro Santana Lopes, não tendo faltado à tomada de posse do político como autarca da Figueira da Foz, em 1998.

O velório de Tozé Martinho decorre a partir das 14.00 de segunda-feira na Igreja da Ressurreição, em Cascais, estando marcada uma missa de corpo presente às 19.00. O funeral, ainda sem hora definida, decorre na terça-feira, na mesma vila.

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