Morreu o ex-presidente Benigno Aquino III. É o fim de uma dinastia?

"Noynoy", como era conhecido, era filho da antiga chefe de Estado Corazón Aquino e do senador "Ninoy" Aquino, cujo assassinato inspirou a revolução. Nunca casou nem teve filhos.
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Benigno Aquino III, ex-presidente das Filipinas (2010-2016) e filho de duas figuras da luta contra a ditadura de Ferdinand Marcos, morreu ontem aos 61 anos, vítima de insuficiência renal. "Era uma pessoa amável. É assim que me vou lembrar dele", contou ao DN a embaixadora das Filipinas em Portugal, Celia Anna M. Feria, que foi chefe de protocolo nos últimos três anos da sua presidência. "Não era perfeito, ninguém é perfeito, mas era um homem simples, amável, e que sempre quis o melhor para os filipinos. Ser presidente era o destino dele", disse.

Conhecido como "Noynoy", Benigno Aquino III era o único filho do sexo masculino (tem quatro irmãs) da ex-presidente Corazón Aquino (1986-1992) e do senador Benigno "Ninoy" Aquino. Figura da oposição do regime de Ferdinand Marcos (1965-1986), "Ninoy" foi assassinado no aeroporto, ao regressar do exílio em 1983. A sua morte foi o ponto de partida para o intensificar da desobediência civil contra a ditadura e para a Revolução do Poder do Povo que veria o regresso à democracia em 1986, com Corazón Aquino na presidência.

"Esse era o compromisso dele, continuar o legado dos pais que lutaram pelo país, que acreditavam no povo filipino, nas capacidades e no potencial dos filipinos", acrescentou a embaixadora. "Como presidente era um nacionalista, serviu o povo. O seu lema era 'não haverá pobres se não houver corrupção'", afirmou Celia Anna M. Feria, recordando que não gostava de regalias. E contou o exemplo do uso de sirenes nos veículos presidenciais, que ele proibiu. "Ele não queria sirenes, para que mais ninguém as tivesse. Estabeleceu um exemplo", explicou. Era habitual o uso de sirenes no transporte de pessoas importantes no trânsito de Manila.

A nível de política externa, o 15.º presidente das Filipinas envolveu-se numa disputa territorial com a China por causa da soberania de várias ilhas e atóis localizados no mar da China do Sul. O seu governo levou o caso ao Tribunal de Haia que, já em 2016, na presidência de Rodrigo Duterte, decidiu a favor das Filipinas. "Ele colocou a política externa numa direção que valeu ao país respeito e estima", referiu a embaixadora em Lisboa.

A política nas Filipinas é dominada por uma série de apelidos: o próprio Duterte é filho de um antigo governador de Davao (berço da dinastia), Vicente Duterte, e tem três dos filhos envolvidos em política.

A dinastia Aquino é oriunda da província de Tarlac, a norte de Manila, tendo feito fortuna com plantações de cana-de-açúcar. O patriarca da família era Benigno Aquino Sr., que foi congressista e senador nas décadas de 1920, 30 e 40 - e era neto de um general que combateu contra Espanha durante a Revolução Filipina (1896-1898). "Ninoy" seguiu os passos do pai na política, até ser assassinado.

A sua mulher, María Corazón, com quem casara em 1954, era ela própria oriunda de famílias políticas importantes - os Sumulong da parte da mãe e os Cojuangco da parte do pai. E acabaria por se tornar presidente, tal como o filho, nascido em 1960, em Manila. Em 1987, quando a mãe estava no poder, durante uma tentativa falhada de golpe de Estado, "Noynoy" foi atingido com cinco tiros (três dos guarda-costas morreram), sendo que uma das balas foi deixada sempre no seu pescoço.

Licenciado em Economia, "Noynoy" foi congressista entre 1998 e 2007, ano em que foi eleito para o Senado. A morte da mãe, em agosto de 2009, de cancro do cólon, levou-o a avançar para a presidência de 2010, para "continuar a luta dos pais por um governo honesto". Depois de deixar o poder era apenas mais um "cidadão privado", sendo que nenhuma das quatro irmãs está envolvida em política - a mais nova, Kris, é empresária e estrela da televisão filipina.

A nível privado, "Noynoy" nunca casou (apesar das várias relações) ou teve filhos. "A linha direta acabou, mas não sei se é o fim da dinastia, nunca se sabe", explicou a embaixadora em Lisboa. "Não parece haver ninguém na família, apesar de ele ter um primo que foi senador", acrescentou. Paolo Benigno Aquino VI, filho de um irmão de "Ninoy" foi senador entre 2013 e 2019, tendo perdido a reeleição. As próximas eleições são em 2022.

Aquino morreu "pacificamente durante o sono", disse uma das irmãs, Pinki Aquino-Abellarda, tendo sido declarado morto à chegada ao hospital, com paragem cardíaca. Sofria de insuficiência renal, consequência da diabetes. Segundo a embaixadora, o corpo já foi cremado, a pedido da família, devendo as cinzas ser colocadas junto dos pais, numa cerimónia no sábado. As Filipinas decretaram dez dias de luto, com as bandeiras a meia haste..

"Lamentamos e enviamos condolências à família e entes queridos", disse o porta-voz da presidência. "Estamos gratos ao ex-presidente pela sua contribuição e serviço ao país", acrescentou.

susana.f.salvador@dn.pt

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