Morreu Michel Piccoli, monumento do cinema francês
Considerado como um "monumento do cinema francês, Michel Piccoli morreu aos 94 anos, anunciou esta segunda-feira a família num comunicado citado pela AFP. Famoso pelos papéis em filmes como O Desprezo, de Godard, As Coisas da Vida ou, mais recentemente, Habemus Papam, Piccoli "apagou-se a 12 de maio nos braços da mulher, Ludovine, e dos seus filhos Inord e Missia, na sequência de um acidente vascular cerebral", pode ler-se no texto.
Piccoli interpretou ainda Gilbert Valence no filme Vou para Casa de Manoel de Olievria, em 2001, ao lado de Catherine Deneuve e de John Malkovich.
Ator de cinema e teatro, produtor e realizador, Piccoli nasceu em Paris a 27 de dezembro de 1925, filho de Henri Piccoli, um violinista de origem italiana, e de Marcelle Expert-Bezançon, uma pianista francesa. Criado no meio de artistas, a paixão pelo teatro surgiria aos 9 anos, numa peça da escola. Mas só aos 18 anunciou aos pais que queria ganhar a vida em cima dos palcos.
Em plena II Guerra Mundial, cruza-se com judeus refugiados, ouve os discursos de Hitler na rádio e cresce nele um sentimento de indignação que nunca mais o deixará, tendo-se destacado no combate político, sobretudo contra a Frente Nacional (de extrema-direita).
Terminada a guerra, em 1945 Piccoli volta a Paris, onde se estreia no cinema, com bastante sucesso. Muito ativo no teatro, Piccoli entra também em alguns telefilmes populares, tornando-se popular entre o grande público.
Criado numa família católica, Piccoli acaba por se tornar ateu, uma rutura com a igreja que se aprofunda quando em 1956 conhece o realizador Luís Buñuel. O espanhol naturalizado mexicano e o francês trabalharam pela primeira vez junto em A Morte no Jardim, com Piccoli ironicamente no papel de padre.
Fariam juntos mais seis filmes, entre os quais Belle de Jour, com Brigitte Bardot.
Os anos 60 vieram confirmar o sucesso de Piccoli, que trabalhou com todos os grandes do cinema francês - Deneuve e Bardot, mas também Jean-Paul Belmondo, Serge Reggiani e muitos outros.
Amigo de Boris Vian e Jean-Paul Sartre, em 1966 Piccoli casa em segundas núpcias com a cantora e atriz Juliette Greco, com quem viveu 11 anos. Voltaria depois a casar com a cenarista Ludovine Clerc, com a qual adota duas crianças polacas, que se juntam à filha que teve do primeiro casamento.
Na sua longa carreira, Piccoli trabalhou com os melhores realizadores: Godard, Buñuel, Alain Resnais, Roger Vadim ou Alfred Hitchcock. O português Manoel de Oliveira com quem trabalhou em Party (1996), Vou para Casa (2001) ou Belle Toujours (2006). Admirador confesso da vitalidade do realizador que trabalhou até morrer, aos 106 anos, em 2015, Piccoli gostava de brincar: "Porque não fazer como ele e continuar mais uns anos".
Curiosamente num dos seus últimos papéis, Piccoli voltaria a vestir a sotaina, encarnando um papa sofrido em Habemus Papam de Nanni Moretti, em 2011.