Morreu a realizadora Agnès Varda

Com 90 anos, Varda foi uma das cineastas da Nouvelle Vague.
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A realizadora, nascida na Bélgica em 1928 mas radicada em França, recebeu no ano passado um Óscar Honorário da Academia de Hollywood. Nessa mesma cerimónia esteve nomeada, pela primeira, para um Óscar: o de melhor documentário, com o filme Visages Villages (Olhares, Lugares). Ela não dava muita importância aos prémios: "Agora é a altura dos prémios de carreira. Tenho uma Palma de Ouro de honra, um César de honra... só me rio! Que velhice tão agradável estou a ter! E o melhor é que continuo a trabalhar muito", comentava em 2017 numa entrevista ao DN.

Fotógrafa, argumentista, atriz, realizadora e artista visual, a cineasta esteve envolvida em projetos de todos os géneros: curtas e longas-metragens, documentário e ficção. Era carinhosamente chamada de "a mãe" (mais tarde "a avó") da Nouvelle Vague.

A longa carreira da realizadora começou em 1954, com La pointe courte, nos primórdios do movimento cinematográfico Nouvelle Vague, tinha Varda apenas 27 anos. Mas foi com Cléo de 5 à 7, ou em português, Duas Horas na Vida de Uma Mulher (1962), que mostrou a sua singuar voz.

A sua filmografia inclui Vagabond (Sem Eira nem Beira), que venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza, em 1985, filme sobre a vida do seu marido, falecido em 1990, o realizador Jacques Demy. Em 2000, Os Respigadores e a Respigadora foi um dos seus filmes mais aclamados.

Em 2008, assumiu-se como protagonista em As Praias de Agnès, que ganhou o César para melhor documentário. A propósito desta autobiografia documental, a crítica do DN Inês N. Lourenço escreveu: "É senhora de uma obra que se pode ler como um mapa de afetos, rostos, temas e lugares, numa insaciável busca e desejo pelas imagens".

Agnès Varda foi membro do júri no Festival de Veneza em 1983, e no Festival de Cannes em 2005.

A cineasta esteve várias vezes em Portugal, algumas das quais para mostrar e falar de cinema. Em 2016 foi distinguida pela Universidade Lusófona do Porto com um doutoramento 'honoris causa' e foi-lhe dedicado um ciclo no Rivoli - Teatro Municipal. Na altura, Agnès Varda recordou a vez em que visitou Portugal na década de 1950, enquanto fotógrafa, tendo atravessado a fronteira olhando para "uma paisagem desértica" que a fez sentir-se numa superfície lunar.

É dela uma fotografia icónica captada em 1956, de uma mulher vestida de preto, a caminhar descalça numa rua na Póvoa de Varzim, junto a uma parede com um cartaz rasgado de Sophia Loren .

"Portugal é um país do cinema para mim", disse a realizadora, recordando nessa cerimónia no Porto os convites de José Marques Vieira para participar no festival de cinema da Figueira da Foz, as interações com o produtor Paulo Branco e o realizador Manoel de Oliveira, e o cinema de João Mário Grilo, Pedro Costa e João César Monteiro.

Em 2009, a Cinemateca Portuguesa dedicou-lhe uma retrospetiva e teve duas instalações-vídeo na Capela da Casa de Serralves, no Porto. Nesse ano, então com 81 anos, Agnès Varda afirmou, num encontro com a imprensa portuguesa, que lhe interessava fazer pequenos filmes com a sua visão do mundo e que estivessem em diálogo com as artes plásticas. Apesar do seu cinema ter uma marca documental, um carácter social e feminista, generoso e terno, a realizadora garantiu que o seu maior combate no cinema era "fazer sempre algo de novo", sem perder o traço experimental, e transmitir emoções.

Morreu aos 90 anos: "A realizadora e artista Agnès Varda morreu na sua casa na noite de quinta-feira, na sequência de um cancro", anunciou a família em comunicado.

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