Moonspell e Saramago, estrelas pop cada um à sua maneira

A banda de <em>heavy metal</em> Moonspell vai ser o maior sucesso da embaixada portuguesa à Feira do Livro de Guadalajara. Há uns anos, Saramago não ficou atrás.
Publicado a
Atualizado a

Como não podia deixar de ser, foi uma espécie de fado a primeira expressão escutada no Pavilhão de Portugal na Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL) pela voz de Gil do Carmo, acompanhado à guitarra e acordeão, após a abertura ontem da feira. Esta foi a primeira das muitas vozes portuguesas que se seguirão, como logo na primeira noite uma Ana Bacalhau muito sensual e brincalhona com o público, e nas próximas Capicua, Amor Eletro ou Camané, mas são os Moonspell os mais esperados pelos habitantes de Guadalajara...

O sucesso desta banda de heavy metal é tão grande no México que os responsáveis da FIL não autorizaram a sua apresentação no pavilhão principal da feira com receio de uma invasão de fãs potencialmente destruidora. Tanto assim que foi transferido para uma instalação próxima, onde acontecerá também a sessão de autógrafos do livro do vocalista da banda, Fernando Ribeiro, muito famoso no país.

A primeira sessão oficial no Pavilhão de Portugal foi com Ricardo Araújo Pereira (RAP), que, com uma plateia repleta de rostos bem diferentes daqueles a que está habituado, fez uma intervenção que ia sendo traduzida por Jerónimo Pizarro para espanhol e confrontou-se com risos tão fáceis como se estivesse em Portugal. Pizarro não permitiu que RAP fosse o único "bobo" e rivalizou com uma galeria de piadas próprias, mas o humorista português não se deixou ultrapassar. Só ficou pensativo quando um mexicano lhe perguntou sobre os seus tabus humorísticos e questionou se o Benfica era um deles.*

Saramago ideológico de volta

A sessão sobre o pensamento político de José Saramago foi fora do programa do Pavilhão de Portugal e correu bem, até porque o nobel português sempre foi muito popular em Guadalajara. A diretora da feira, Marisol Schulz, leu uma passagem escrita por Saramago sobre a sua ida à FIL e a visita que fez a Chiapas. Na sessão, o editor mexicano de Saramago, Sealtiel Alatriste, recordou o apoio do escritor aos rebeldes zapatistas de forma emocionada; o jornalista e escritor Hermann Bellinghausen lembrou a reportagem que fez sobre a visita de Saramago e Pilar a Chiapas, e Lydia Cacho referiu o protagonismo das personagens femininas nos seus romances.

Pilar del Río contou que antes de ir ao México já "José conhecia bem o país através da sua literatura", mesmo que o casal tenha sido surpreendido com uma ida noturna ao cemitério com escritores mexicanos... Relembrou também o dia em que Saramago se "sentiu como uma estrela pop" quando fez uma declaração sobre Israel e a Palestina e a livraria onde deveria ter uma sessão de autógrafos se recusou a realizar o lançamento. No espaço onde acabou por acontecer, as filas para dar autógrafos eram gigantescas e quando horas depois a sessão teve de terminar aconteceu uma nova surpresa: "Mal andámos uns metros, deparámos com milhares de pessoas que gritavam 'José' é foi assim que Saramago disse: 'No México ganhei o meu nome, José, porque antes era apenas Saramago.'" Pilar acrescentou o que Saramago lhe disse por ter estado perante a multidão: "Senti-me uma estrela pop no meio desta gente toda."

O Nobel da edição 2018

Muito procurado nas primeiras horas da FIL foi o escritor turco e nobel Orhan Pamuk, que logo no almoço oferecido por Portugal fora rodeado de leitores e fãs que queriam tirar uma selfie consigo. É a terceira vez que vai ao México e muitos leitores voltaram a estar com o escritor, desta vez para lançar La Mujer de Pelo Rojo.

Orhan Pamuk é o nobel de serviço na Feira do Livro de Guadalajara e é conhecido por ser pouco simpático, coisa que não aconteceu desta vez. Pamuk estava muito sorridente e, quando viu tantos telemóveis apontados para si, pegou no seu e filmou a plateia.

A aparição do escritor decorreu na entrevista conduzida pela escritora norte-americana Jennifer Clement, que apresentou o escritor e começou por lhe dizer "sabe que é muito famoso no México!" Perante o sorriso de Pamuk, apontou referências constantes na sua obra como a presença constante do céu e de velhas histórias que mudam de livro para livro mas nunca desaparecem. Pamuk diz que o México também mudou desde que lá esteve em 1986 em visita com a ex-mulher e que 25 anos depois veio pela primeira vez à FIL e agora regressa pela terceira vez. Na primeira, recorda, foi visitar a casa de Trotsky e viu os painéis de Diego Rivera: "Ele é que era famoso na altura, mas agora é Frida Kahlo que é popular."

Quanto ao novo romance que veio lançar, diz que o escreveu porque tinha uma história para contar: "Observei há muitos anos nos arredores de Istambul um homem mais velho e um jovem que escavavam um poço." Também refere que gosta de ouvir histórias para se inspirar e não deixa de apontar o dedo à situação na atual Turquia: "É tão má que é mais horrível do que qualquer história que ouçamos na rua, ou seja, perfeita para um romance."

Pamuk não se cala e o tema seguinte é amor à primeira vista: "Já tinha escrito uma história de um amor à terceira vista porque Borges mostrou-me que o amor podia ser assim num dos seus contos." Continua: "Sou um realista." Acrescenta que não sabia que era um escritor de Istambul e só se apercebeu disso quando as traduções começaram e as críticas o referiam como um escritor de Istambul: "A minha autobiografia com Istambul em fundo tem formatado a visão de muitos turistas que visitam a cidade com o meu livro na mão."

Regressam as críticas ao regime de Istambul ao dizer que as cidades mudam, e "muitas vezes para pior", e que a "legitimação da crueldade pelas autoridades resulta numa falta de humor que tem aumentado no último século na Turquia". Recorda o seu discurso do Nobel em que dizia que as necessidades das pessoas não são só de sobrevivência mas também afetivas: "Podemos tomar decisões que alterem a curso da vida pessoal ou da história pois não somos escravos."

Quanto à questão de Bob Dylan ter recebido o Nobel, responde a sorrir: "Essa é a questão mais popular entre as que me perguntavam a seguir ao anúncio do prémio. Eu gosto dele enquanto músico, mas, honestamente, foi um erro muito grande que fizeram para a literatura. O que queriam é premiar um americano, e essa foi a forma de o fazer."

Quarenta minutos depois de a sessão ter começado, o editor de Pamuk no México toma a palavra e diz: "E agora é tempo de dar autógrafos." Assim foi.

* RAP meteu os pés pelas mãos no caso do Benfica e mudou de tabu, recorrendo à deusa Perséfone para responder ao leitor.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt