Montras da livraria Lello recebem esculturas mágicas de papel e luz
É preciso parar o trânsito humano dentro da Livraria Lello. Literalmente. A artista holandesa Vera van Wolferen transporta um livro aberto, não como aqueles que se vendem na loja centenária do centro do Porto. Mas nem aquele objeto delicado e luminoso que leva nas mãos faz parar o movimento contínuo de turistas de máquina em riste. Quando finalmente se consegue, por escassos segundos - os suficientes para o fotógrafo do DN conseguir o retrato - há um peso naquele tempo. Ninguém parece querer parar ali.
A partir de amanhã, há um desafio para este movimento incessante. Vera está a ultimar as duas esculturas que, esta noite, vai instalar nas duas montras da livraria. Esculturas feitas de papel, com minúsculos detalhes, que pedem um olhar mais demorado. O livro é uma das peças e tem escrito um poema, em que as letras desenhadas saem das páginas, num continuum delicado. Parece quase impossível tal precisão e delicadeza ter saído de mão humana - mas saiu. E nem exige uma concentração de cirurgião.
A artista holandesa, natural de Haia, está a montar as peças das suas esculturas de papel nos Armazéns do Castelo, a loja contígua à livraria. Está ali numa mesa, à vista da curiosidade de toda a gente. Por vezes interrompem-na mas ela não se importa. "As pessoas pensam sempre que tenho muita paciência mas é só para isto, não para tudo", avisa bem disposta.
Está a trabalhar no projeto para a Livraria Lello há dois meses. "Chama-se Plant Life. É a vida dentro de uma planta. Espero que seja um mundo maravilhoso que as pessoas vejam e gostem", diz nas primeiras horas de trabalho depois de ter aterrado no Porto. Ela e os seus caixotes de casas e plantas. É tudo muito frágil e cada viagem um momento delicado. Suspirou de alívio quando viu que tudo estava bem.
Vera van Wolferen tem 28 anos. concluiu a formação há quatro: estudou Belas Artes e fez um mestrado em animação. Em 2015 foi considerada um dos talentos emergente na área de stop motion pela Monocle.Tem trabalhado em animação comercial e projetos culturais. Não usa cor (a não ser que lhe peçam), apesar de utilizar nos seus trabalhos um papel de gramagem elevada, normalmente usado para aguarela... "Gosto de não usar cor, assim detemo-nos na forma. Basta pôr uma pequena camada de papel, a luz incidir e é a magia de tudo isto. Gosto muito de usar materiais tão simples e a partir daí construir estes mundos mágicos", diz.
Também não usa formas humanas. "O que para mim é importante é que a escultura parece que é uma história, ou que vem de uma história. Em animação estás realmente a contar uma história. Quando fiz animação a parte mais interessante foi construir todos os cenários. Agora gosto de fazer coisas que evocam a história e as pessoas que as veem. Como se fossem princípios de histórias. Gosto que cada pessoa faça a sua própria história". Por isso não há personagens. Ou as personagens das histórias de Vera são quem as vê.
Na Livraria Lello espera fazer parar os visitantes, fazer-lhes companhia nas longas filas de espera para entrar. "Fiz uma coisa que à distância parece bonita e faz com que as pessoas se queiram aproximar. Quando chegam perto da janela podem descobrir os pormenores". E, claro, espera que se imaginem nestas histórias encantadas.
Regressa aos cortes delicados. Tem dois dias para montar aquelas irreais esculturas de papel e luz. "Amanhã à noite [hoje] vamos pôr tudo no lugar. Estou muito entusiasmada com a ideia de ver a livraria sem pessoas".
[youtube:73486778]