Montijo. Que medidas compensatórias para ultrapassar as resistências?
Meia hora para cada autarca. As audiências vão iniciar-se às 10.00 e o primeiro-ministro vai começar pelos dois presidentes de câmara que estão rotundamente contra a construção no Montijo do segundo aeroporto da Área Metropolitana de Lisboa. Primeiro o da Moita, Rui Garcia; e depois o do Seixal, Joaquim Santos - ambos do PCP.
A seguir virão, por esta ordem, os pró-Montijo, todos do PS: Barreiro (Frederico Costa Rosa), Alcochete (Fernando Pinto), Montijo (Nuno Canta) e, por último, Lisboa (Fernando Medina). Também estará presente o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.
António Costa explicou ontem o que pretende com estes encontros (aliás, fortemente aconselhado há dias pelo PSD): "ouvir a posição" das câmaras e "ver como é que é possível responder a preocupações que sejam legítimas" de cada uma delas para "responder a algo que não é uma mera prioridade do governo, é mesmo a urgência nacional, que é resolver o problema da capacidade aeroportuária na região de Lisboa".
Medidas compensatórias, portanto - é do que se trata. Porque basta uma das câmaras dar parecer negativo no processo de licenciamento que se vai seguir - que a ANA (Aeroportos de Portugal, concessionária do projeto) solicita à ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) - para tudo vir por água abaixo.
Segundo o decreto que "fixa as condições de construção, certificação e exploração dos aeródromos civis nacionais", "os procedimentos de construção, ampliação ou modificação de um aeródromo [carecem de] parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados, quer por superfícies de desobstrução quer por razões ambientais".
Medidas compensatórias - só que, por ora, regista-se uma diferença abissal entre as perspetivas do governo (e da ANA) e as perspetivas das câmaras que dizem "não".
Até há números que medem essa diferença - em milhões de euros. Por exemplo, nas medidas de isolamento acústico em zonas que serão diretamente atingidas pelo barulho produzido pelos aviões quando descolarem ou aterrarem no novo aeroporto.
A declaração de impacte ambiental (DIA) do aeroporto do Montijo produzida pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente) - que deu um parecer "favorável condicionado" à construção do novo aeroporto em 30 de outubro - inclui um pacote de "medidas de minimização e compensação ambiental" que ascende a cerca de 48 milhões de euros.
E nestes 48 milhões, estima entre 15 e 20 milhões para medidas de isolamento acústico - sendo que o problema atingirá sobretudo a Moita (ver imagem em baixo).
Contudo, no seu parecer negativo, a autarquia falou em valores completamente diferentes. "Quanto ao plano de isolamento sonoro de fachadas, a Profico [empresa autora do estudo de impacte ambiental] demonstra o seu total desconhecimento da realidade construtiva dos edifícios existentes no aglomerado urbano da Baixa da Banheira e do Vale da Amoreira."
Porque se "tratam de cerca de 3900 edifícios (para cerca de 16 300 alojamentos), na sua esmagadora maioria com um mau desempenho acústico e sem qualquer isolamento sonoro, dada a época e os fins para os quais foram construídos (muitos deles nos anos 60 e 70 do século XX e integrados em bairros de custos controlados), pelo que, para que esta medida pudesse, eventualmente, ser encarada com o mínimo de seriedade, seria fundamental conhecer no EIA que intervenções concretas estariam os promotores do projeto dispostos a fazer e onde, num universo de 3900 edifícios, bem como quais os montantes financeiros implicados - 80 milhões? 100 milhões de euros?".
Falando ao DN, os autarcas do Seixal e da Moita admitem que é "positivo" o facto de o governo querer ouvir os municípios.
Joaquim Santos, presidente da Câmara Municipal do Seixal, sublinha que é bom que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, "corrijam o erro e falem com os autarcas sobre uma obra com esta dimensão e com o impacto que tem". Ao que Rui Garcia, a liderar a Câmara Municipal da Moita, lança ainda uma farpa: "É pena que esteja a acontecer só em março de 2020."
Os dois autarcas querem sobretudo "argumentos técnicos" que fundamentem a decisão do governo de ter abandonado a opção Portela +1 em Alcochete, "quando existia um consenso político e técnico" durante o executivo liderado por José Sócrates.
"O governo decidiu abandonar a posição anterior e adotar a que foi decidida pelo governo PSD/CDS", frisa Joaquim Santos, e argumenta que a construção do segundo aeroporto na Base Aérea do Montijo tem um "impacto a nível ambiental e sobre as populações muito maior".
Apesar de a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete distar apenas 20 a 15 quilómetros do local onde está projetado o aeroporto do Montijo, "fará toda a diferença", garante o autarca do Seixal. Isto porque, diz, a aproximação dos aviões a baixa altitude para aterrar no Montijo irá afetar 30 mil pessoas no Seixal e mais 80 mil no Barreiro e Moita. Enquanto em Alcochete, insiste, apenas perturbaria 400. Para Joaquim Santos o "impacto ambiental também será enorme".
"Espero que o governo defenda o interesse nacional e não o de uma multinacional, porque não há explicação para esta mudança de posição", sublinha numa alusão à empresa francesa proprietária da ANA-Aeroportos de Portugal, a Vinci.
"O governo tem de nos convencer com argumentos técnicos fortes, ou senão só se pode concluir que claudicou perante o interesse de uma empresa privada francesa", afirma. E cita o artigo do antigo primeiro-ministro José Sócrates ao Expresso onde dizia, entre outras coisas, que a decisão do segundo aeroporto de Lisboa tinha sido tomada em Paris (cidade sede da Vinci).
A mesma posição é assumida pelo presidente da Câmara da Moita. "Pensamos ser inaceitável esta opção pelo Montijo perante a existência de uma alternativa válida e que tinha sido já escolhida", afirma Rui Garcia.
A expectativa do autarca é que António Costa e Pedro Nuno Santos escutem os argumentos dos autarcas desta vez. Refuta à partida a ideia de que a opção Montijo possa ser tomada por ser mais barata do que Alcochete: "O que se pretende construir é uma pista de 2400 metros e uma gare. O custo é o mesmo de ser feito na Base Aérea n.º 6 do Montijo ou no Campo de Tiro de Alcochete."
Coisa diferente, e que não está neste momento sobre a mesa, é a construção de um novo aeroporto, com todas as valências e com transferência de todos os serviços da Portela. "O que se quer é um aeroporto complementar." O autarca volta a remeter para o artigo de José Sócrates para insistir na ideia do que está em causa é o interesse privado da Vinci.
Sobre a "ameaça" do governo de mudar a lei atual que dá aos municípios afetados pela construção do aeroporto a possibilidade de bloquear o processo, Rui Garcia frisa que "não é bom para a confiança no Estado de direito que as leis sejam alteradas consoante as circunstâncias".
O autarca acaba, a concluir, por ir dar à questão das medidas compensatórias. Embora afirme que "ainda não estamos nesse pé" porque "o que queremos é travar a opção Montijo", acrescenta: "Iremos reclamar para o nosso território todas as medidas possíveis e que minimizem o impacto ambiental, para as populações e que resolvam os problemas de acessibilidade."