Monitorizar a erosão costeira e os agueiros em tempo real

Investigadores da Universidade de Aveiro vão controlar fenómenos na praia de Mira, através de um protótipo com duas câmaras de filmar
Publicado a
Atualizado a

Imagine que através de uma aplicação para smartphones conseguia saber exatamente onde é que se situavam os agueiros (correntes de retorno) na praia. Ou que, antes das tempestades, era possível prever que o mar iria galgar um cordão dunar e provocar uma inundação, permitindo alertar as populações. Duas ideias promissoras e que podem estar perto de se tornar realidade em Portugal, graças a um projeto-piloto - Sea Floor Topography Ranging Technique - que deverá arrancar em breve na praia de Mira.

Coordenado pelo Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, o SeaRangTech é um projeto de videomonitorização da orla costeira, que permitirá prever a erosão das dunas, reconhecer correntes perigosas e estimar a taxa de ocupação do areal. Na UA, os investigadores têm já o sistema (duas câmaras) pronto para ser instalado, aguardando apenas pelo licenciamento. "A ideia foi desenvolver um sistema de monitorização costeiro de baixo custo. Este protótipo foi integralmente montado na UA, sob supervisão técnica do professor Telmo Reis Cunha, do departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática da UA, a partir de componentes compradas e montadas de forma a criar uma estrutura que fosse de custo muito inferior às soluções comerciais", explica ao DN Paulo Baganha Baptista, investigador do CESAM e coordenador do projeto. A infraestrutura - uma torre semelhante a uma grua de 20 metros - onde será instalado custa cerca de cinco mil euros, aproximadamente o mesmo que o valor do equipamento (que ficará protegido por vidros). Mas a nível internacional, ressalvam os investigadores, os sistemas custam cerca de dez vezes mais.

"A ideia funcional é que este sistema permita adquirir informação relativamente à morfologia da praia em tempo real, possa processá-la, sem intervenção humana, e a partir dela extrair informação que seja útil em termos sociais - para a população - e em termos de gestão costeira. Existem, naturalmente, interesses de investigação que decorrem paralelamente", explica Paulo Baptista. Do ponto de vista social, o projeto tem benefícios para o turismo balnear, "uma vez que pode contribuir para a segurança, através da deteção dos agueiros" em tempo real, o que permitirá "ajudar a prevenir situações fatais para os banhistas". Uma informação que poderá chegar à população através, por exemplo, de aplicações para smartphones.

No inverno, "tem o objetivo de prevenir potenciais riscos de erosão da praia, ataque à duna frontal e eventualmente galgamento dessa duna sempre que ocorram temporais, fenómenos potencialmente perigosos para as populações locais". Segundo os investigadores, a ideia é acoplar os modelos de previsão da agitação marítima que preveem as condições oceanográficas com três dias de antecedência à informação da morfologia da praia, que o protótipo adquire em tempo real". Desta forma, será possível prever como é que a morfologia da praia vai evoluir relativamente às condições de agitação.

A praia de Mira, que aceitou apoiar o projeto e fornecer infraestruturas para instalar o equipamento, tem um "risco elevado" para a ocorrência de galgamentos. A zona norte do Bairro dos Pescadores é, segundo Paulo Baptista, bastante vulnerável, "daí a importância de ter um sistema de alerta com três dias de antecedência, que permitirá que as autoridades tomem medidas para proteger a população". Mas o projeto pode ser replicado em qualquer praia.

Através do protótipo também será possível "estimar a taxa de ocupação do areal e eventualmente os acessos preferenciais das pessoas", o que pode "ajudar as autoridades locais a melhorar as condições de acesso à praia". No entanto, para que o sistema possa funcionar, é necessária autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados. Joaquim Barbosa, investigador que colabora no projeto, assegura, no entanto, que "não dá para ver as pessoas" nas imagens, já que aparecem "praticamente como pontos".

Monitorizar erosão

Uma das vantagens da monitorização costeira é a possibilidade de "quantificar os processos". "As pessoas têm uma noção de que há um determinado tipo de ocorrências, mas não as quantificam", adianta Paulo Baptista. Cientes de que a erosão vai continuar a acontecer, os investigadores consideram que o país deve estar "preparado para minimizar e adaptar a costa, à semelhança do que se fala para as alterações climáticas". Do ponto de vista académico, sublinha, este sistema pode ajudar a perceber se os modelos de morfodinâmica costeira estão a gerar cenários de previsão compatíveis com a realidade ou não. "Mas isso precisa de uma base de dados, gerada ao longo do tempo." As imagens deverão ser recolhidas durante dez a 15 minutos por hora e, no fim desse período, são processadas. Indicadores com interesse para as populações serão enviados para uma plataforma web.

Nas zonas costeiras, destaca Joaquim Barbosa, há "problemas muito complicados", sobretudo "quando há tempestades e ventos muito fortes". Mas o objetivo é precisamente que o protótipo funcione nesses períodos. "Há estudos feitos antes ou após, mas nunca durante", justifica o investigador-colaborador do CESAM. José Diogo Oliveira, finalista do curso de Eletrónica que participa no projeto, aponta os desafios ao nível da implementação, nomeadamente questões relacionadas com "a autonomia e a fiabilidade", e o facto de "não ser prático aceder à torre para fazer manutenção".

Mais de cem campanhas topográficas na costa

Paulo Baganha Baptista nasceu no Porto, em 1970. Licenciou-se em Geologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e fez doutoramento em Geociências pela Universidade de Aveiro. Como pós-doutorado, desenvolveu atividades na Universidade do Minho e de Aveiro e nas faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto. Durante esse período, especializou-se em geomorfologia costeira, dinâmica sedimentar e monitorização de morfologias costeiras como suporte à modelação numérica. É investigador auxiliar do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar e do Departamento de Geociências da UA. Coordena o projeto SeaRangTech, que inclui uma componente inovadora de videomonitorização costeira, e nos últimos 15 anos foi responsável pelo planeamento, coordenação e execução de mais de cem campanhas topográficas e batimétricas na costa ocidental de Portugal e também em Espanha e França, no âmbito de projetos de investigação, formação avançada de estudantes, atividades de consultoria e protocolos de colaboração.

Vigilância dinâmica da praia de Mira

Joaquim Pais Barbosa é professor associado da Universidade Lusófona do Porto, investigador-colabo- rador no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, no grupo Oceanografia e Geologia Marinha, e consultor da Simbiente - Engenharia e Gestão Ambiental. Nasceu em Vila Nova de Gaia, em 1974, e licenciou-se em Engenharia do Ambiente pela Universidade dos Açores, no ano 2000. É mestre em Engenharia do Ambiente (2003) e doutor em Ciências pela Universidade do Porto (2008). Ao longo do seu percurso, expandiu o interesse pelo desenvolvimento de metodologias inovadoras para monitorização costeira recorrendo a tecnologias de informação geográfica (TIG) e deteção remota. Coordenou o projeto de investigação Mozco, onde foi concebido um sistema de videomonitorização de baixo custo, para monitorização da dinâmica costeira, e colabora atualmente no projeto SeaRangTech, que inclui uma componente inovadora de videomonitorização costeira. Um projeto-piloto que irá decorrer na praia de Mira.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt