Nos últimos 10 anos, o gin tem sido a categoria de bebidas espirituosas que mais cresce no mundo. Com mais de seis mil marcas presentes no mercado global, tornou-se uma bebida trendy, de culto, que aguça o apetite aos investidores, levando ao aparecimento anual de centenas de pequenas destilarias. Sofisticada e sexy, quase sempre composta em atrativos cocktails, é a bebida das celebridades e até da realeza, já que é uma das espirituosas preferidas da rainha Isabel II, que até lançou, em 2020, a sua própria marca, a Buckingham Palace Dry Gin. Esta é, aliás, uma tendência mundial: celebridades da música e do cinema dão o seu nome a inúmeras bebidas espirituosas, como gin, whisky, rum ou tequilla. No caso do gin, temos, por exemplo, o ator norte-americano Ryan Reynolds como co-proprietário da marca Aviation American Gin, e o rapper Snoop Dog que lançou o Indoggo Gin, inspirado numa música sua. Em Portugal, em mais pequena escala, os irmãos Nelson Rosado e Sérgio Rosado, do grupo musical Anjos, lançaram também a sua própria marca, a Angel..Inventado por um médico no século XVI, como um elixir poderoso feito à base de ervas e bagas de zimbro para combater problemas renais, infeções e até problemas de digestão, foi uma bebida muito apreciada até aos anos 80 do século passado. Contudo, a partir dos anos 90 caiu em desuso, sendo substituído pela procura de bebidas mais práticas e prontas a beber - o gin é geralmente bebido com água tónica, Martini, entre outros -, ficando em segundo plano no consumo das espirituosas. Já na segunda década deste século, a partir de 2010, voltou às luzes da ribalta com o advento dos chefs, cada vez mais estrelas de televisão, das revistas e das redes sociais, que ao criarem os seus cocktails atraentes aos olhos, "instagramáveis" como dizem, criaram uma nova tendência de bebidas sofisticadas. Esta reformulação da antiga bebida iniciou-se sobretudo em Espanha, um dos maiores consumidores mundiais, que adotou a moda do gin em copo grande..O gin é uma bebida destilada - há quem lhe chame «a irmã do vodka» -, feita a partir de cereais e aromatizada com botânicos, como as bagas de zimbro, na sua receita mais tradicional, e tantos outros como o gengibre, o cardamomo, a erva-príncipe, a sálvia, a alfazema. Há variados estilos, como o famoso gin seco de Londres, aos mais modernos e diversificados, produzidos um pouco por todo o mundo. A sua transformação num produto cada vez mais premium - o seu preço não é propriamente acessível: uma garrafa de 700 mililitros de Buckingham Palace Dry Gin custa quase 50 euros -, a diversificação de sabores, com apostas cada vez mais exclusivas e autênticas, que representem os sabores locais, são as grandes tendências internacionais. No caso do gin da rainha, por exemplo, os 12 botânicos presentes, como a lúcia-lima ou a folhas de amoreira, são colhidos à mão nos jardins do palácio..Sem números atualizados, a IWSR - Drink Market Analisys estimava que existissem em 2018 mais de seis mil produtores de gin em todo o mundo, dos quais mais de 1 800 só no Reino Unido, que é de longe o que tem mais iniciativas empresariais. Estados Unidos e Alemanha rondavam os 800 cada, e Espanha estava algures na fasquia dos 500 produtores. Entre estes encontram-se pequenas destilarias artesanais e grandes fabricantes mundiais de marcas como a Ginebra San Miguel, feito nas Filipinas, insígnia que sozinha representa mais de 20% das vendas globais, seguido da Diageo, dona da Tanqueray e Gordons, e da Pernord Ricard, que fabrica a Beefeater e a Seagram's. A Statista, multinacional de estudos de mercado e estatísticas, estima que o valor mundial deste mercado ronde os 13,3 mil milhões de dólares (cerca de 13 mil milhões de euros) no final de 2022, e que apresente um crescimento médio anual de 11% até 2025. O Reino Unido gerará o maior valor de receitas, com 3,4 mil milhões (3,3 mil milhões de euros) no final deste ano. Em volume, o gin deverá, em 2025, representar uma produção de cerca de 904,5 milhões de litros..A consultora IWSR - Drink Market Analisys refere ainda que os dados de 2021 mostram que o Reino Unido e a Espanha chegaram a um pico de consumo - são mercados maduros -, mas estes são importantes no que diz respeito à inovação e ao valor acrescentado do produto. No entanto, os novos sabores são uma tendência de crescimento, com mercados menos tradicionais a dar cartas, como a Índia e o Brasil. Segundo esta consultora, o gin tornou-se um negócio atrativo para pequenos empreendedores, com produções mais artesanais, cada vez com maior procura. Outra tendência neste segmento de bebidas é o crescimento da venda de cocktails à base de gin já preparados em garrafa ou lata, a chamada categoria dos ready to drink (RTD), o que facilita o seu consumo fora dos cafés e bares..Diversificação de sabores e aproximação da autenticidade nacional é o que procuram as marcas portuguesas, que têm crescido a bom ritmo a partir de 2010. Segundo a ANEBE - Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas, Portugal tem gin muito bom com marcas prestigiadas e bastante premiadas internacionalmente "O nosso gin é de grande qualidade, devido às matérias-primas usadas: temos excelentes botânicos, as ervas aromáticas mediterrânicas são excecionais. É uma pena que o país não tenha grandes empresas exportadoras, porque é uma área de negócio com futuro", explica João Vargas, secretário-geral desta associação. Revela ainda que devem existir entre 40 a 50 produtores nacionais, mas não há dados concretos sobre isso. Para este responsável é difícil perceber o que, da quota de mercado das bebidas espirituosas, representa apenas as vendas de gin. O mercado global das espirituosas atinge cerca de 700 milhões de euros de receitas em Portugal - dos quais cerca de 400 milhões são no canal Horeca (hotéis, restaurantes, cafés e bares) -, e emprega quase seis mil pessoas. "As espirituosas têm um market share de 11%, o que é muito pouco quando comparado com outros países, que têm 20%, ou 30%, ou até 60% como é o caso da Polónia, um grande produtor de vodka", refere João Vargas..Segundo o estudo TGI da Marktest, em julho de 2020, cerca de 1,18 milhões de indivíduos consumiram gin nos 12 meses anteriores em Portugal, o que corresponde a 14,3% dos residentes no continente com mais de 18 anos. Este research mostra que o consumo desta bebida quase triplicou face a 2011, data em que representava cerca de 4,9% do mesmo universo de consumidores. O consumo de gin é mais comum entre os homens jovens, residentes na área de Lisboa e em indivíduos de classes mais elevadas..Ao contrário de outros países do norte da Europa, em que o retalho tem maior peso nas receitas, é no canal Horeca que se vendem mais espirituosas no nosso país. Este canal, como se sabe, foi muito penalizado pelo encerramento da economia durante a primeira fase da pandemia, mas empurrou muitos dos pequenos produtores para o comércio online, acelerando a digitalização do seu negócio e a internacionalização. "O problema das marcas nacionais é a sua dimensão. São muita pequenas e sem capacidade de abastecer mercados muitos grandes", afirma o secretário-geral da ANEBE. Além disso, são fiscalmente muito penalizadas e os investimentos são tão grandes para produzir em Portugal como em Espanha, com a diferença que o país vizinho tem um mercado maior e mais competitivo. Ainda assim, a vantagem destas pequenas produções nacionais é que estão distribuídas um pouco por todo o país, incluindo as ilhas, não estando centralizadas, como em outras indústrias, nas regiões da Grande Lisboa ou do Grande Porto, favorecendo as economias locais..Os sabores mais frutados são uma grande tendência, que obviamente chegou também a Portugal, como o gin de morango, limão, laranja, tangerina. Entre os produtores nacionais, há inúmeras variedades de gin com inovações portuguesas à conquista do seu nicho de mercado. Temos por exemplo, o primeiro gin tinto no mundo, o Tinto, produzido por um empreendedor de Valença, com flores e amoras silvestres; o Neighbours 31 Caviar Premium, produzido no Alentejo com orégãos e ovas de caracol da espécie Helix aspersa; ou o Benefício, gin de flor de cânhamo, associado a um NFT, numa edição especial de 100 unidades. Além disso, são portugueses também o gin (mistura composta) com sabor a ananás e maracujá dos Açores, sob a marca Goswank Azores, gin feito com a maçã de Alcobaça, o Casanova, entre vários outros produtos..Daniel Redondo, presidente da ANEBE e diretor geral da J. Carranca Redondo, empresa dona da Companha Espirituosa, que comercializa marcas de gin como a portuguesa Fox Tale, refere que este boom deve-se, sobretudo, à forma apelativa de servir, num copo grande, e que levou ao aparecimento de marcas com muita qualidade, com maior destilação e com novos sabores. O gin nacional que a Companhia Espirituosa comercializa, produzido na Destilaria Portuguesa, o Fox Tale, é um dos mais vendidos no mercado interno. "O Fox Tale é um sucesso de vendas, foi muito bem aceite. Começou por ter uma primeira edição de dry gin, depois surgiu uma versão com sabor de morangos do Alentejo, uma versão de sabor a laranja e já este verão, uma versão de sabor a mirtilo. "O gin trouxe o foco na qualidade. Há muitos anos que temos alambiques em Portugal, mas destinavam-se sobretudo o brandy e aguardentes bagaceiras, que eram os parentes pobres do vinho. Agora, com o gin, há uma série de novos projetos que são o renascer da tradição dos alambiques. Inicialmente era um gin de preço mais baixo e agora é muito mais premium", explica Daniel Redondo. Segundo ele, a tendência é "beber menos, mas com mais qualidade, como, aliás, deve ser". Estes projetos portugueses estão também a aproveitar o turismo, já que o gin é um produto que viaja bem, e os visitantes acabam por levar consigo uma boa parte da experiência que tiveram no nosso país. "Nos últimos 10 anos o volume de gin consumido no mercado nacional terá crescido uns 70 a 80%, isto por decréscimo de outras categorias", diz Daniel Redondo..Até 2010, praticamente todo o gin que se consumia em Portugal era importado, das grandes companhias mundiais. Um dos primeiros projetos que começou a dar notoriedade ao gin feito em Portugal, com botânicos nacionais, foi o Gin Sul, que surgiu em 2011, embora a iniciativa tenha partido de um alemão, Shephan Garbe, que se apaixonou por Odeceixe, Alentejo. Ainda que a destilação seja feita em Hamburgo, as raízes do produto são nacionais, já que os ingredientes usados são da costa vicentina (limões, toranjas, zimbro e alecrim) e tudo no produto faz alusão a esta região portuguesa. Serviu, de alguma maneira, de cartão postal para as características dos botânicos nacionais e para a qualidade do gin português..Em 2013, António Cuco, professor na área do turismo, então desempregado, decidiu avançar com a criação de um projeto próprio. Os pais tinham um restaurante, na zona de Reguengos de Monsaraz, e os amigos reuniam-se, nesse local, numa espécie de tertúlia, para apreciar os vários gins premium que António ia comprando. No verão de 2013, um amigo desafiou: porque não fazeres um gin da casa? António Cuco, que nunca tinha visto, sequer, de perto um alambique, aceitou o desafio. Fez pesquisa sobre todo este universo e acabou por fazer um alambique caseiro com a panela de pressão da esposa, nascendo assim a primeira amostra de gin. Uns dois meses depois já não chegava sequer para vender aos amigos, e avançou com um projeto de criação do próprio emprego, e em abril de 2014 sai o primeiro gin Sharish, fruto da recém-criada marca, que foi buscar ao nome árabe da Vila de Monsaraz.."Com vendas impressionantes, atingimos o breakeven ao dia 37", revela, orgulhoso. "No primeiro ano vendemos 30 mil garrafas, o que foi muito acima das nossas expectativas. De 2015 para 2016 duplicamos a faturação", explica o fundador. Hoje é a maior destilaria nacional de gin, com uma área de produção de 1 400 metros quadros e um centro interpretativo do gin, o único da Península Ibérica. "Fazemos visitas de turismo industrial, onde as pessoas percebem como se faz o gin e que botânicos e ingredientes usamos. A receita do gin original - já são 4 variantes - é composta pelos seguintes botânicos: zimbro, maça bravo de Esmolfe, lúcia-lima, casca de laranja e de limão, semente de coentros, cravinho, baunilha e canela. O design da garrafa, que se destaca nas prateleiras e uma especial atenção nas ações de marketing contribuem para o reconhecimento da Sharish, dentro e fora de fronteiras. "Patrocinamos clubes, coletividade, eventos desportivos. Como sou piloto, estamos muito ligados ao todo-o-terreno e patrocinamos pilotos no rali Dakar", explica o empreendedor..O negócio, composto por duas empresas, a Destilaria António Cuco e a Monte Sharish, que faz a comercialização, faturou cerca de 1,6 milhões de euros o ano passado, com a venda de 140 mil garrafas, entre mercado nacional e exportação. Antes da pandemia estes dois mercados estavam distribuídos equitativamente, mas agora o doméstico valerá cerca de 60%. "As exportações não caíram, mas aumentamos as vendas no mercado nacional", diz António Cuco. Apesar de estar em todos as forma de distribuição, o canal Horeca é o mais forte para a marca, sendo que estão presentes em quase todos os espaços que vendem gin. "A primeira fase da pandemia foi penalizadora. Em 2021 já recuperamos bastante e atingimos os níveis de 2019. Este ano, notamos o aumento das vendas da loja online e já estamos a crescer 25%", revela o fundador. Inglaterra, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Itália, Angola, Moçambique, Singapura, Dubai, são alguns dos locais para onde já exporta o Sharish..Com o seu primeiro salário, em 2007, Miguel Ângelo Nunes, então com pouco mais de 20 anos, começou a comprar medronheiros para instalar na propriedade alentejana cedida pelos seus avós, situada em Santo André, junto a Santiago do Cacém. O seu plano, inovador à época, foi o instalar o primeiro pomar de medronhos do país, com o objetivo de produzir aguardente de medronho. Contudo, os medronheiros só deram fruto quase 10 anos depois e pelo caminho outros projetos foram surgindo e dando asas ao seu sonho. Um deles foi o de criar gins de acordo com o ecossistema onde estava inserido - um gin ligado ao mar, da costa alentejana, um cítrico floral bastante fresco, que lembra as dunas e falésias e um outro com o montado alentejano, um gin único, com álcool extraído da alfarroba e da bolota, combinado com outros botânicos secos e amadeirados. "Estes dois gins representam a dualidade do Alentejo, e o seu sucesso está à vista ao sermos o gin mais premiado da Europa", refere Miguel Ângelo Nunes, fundador. A destilaria foi criada em 2018 e, em março desse ano, nascem as primeiras 400 garrafas da marca. "A Black Pig é um propósito de vida, é uma forma de estar. Na herdade onde estamos existe também uma criação de porco preto, e sendo este o animal de referência do Alentejo, quisemos dar-lhe este nome", explica. A garrafa remete também para o Alentejo: uma garrafa plana, que representa a planície alentejana, o branco do caiado das casas, o azul da costa, o azulejo típico português, e a rolha faz a fusão entre a madeira e a cortiça, e claro, o porco preto..Para o mercado nacional, a Black Pig tem um contrato de exclusividade com o distribuidor Garcias e todo o país está coberto, seja no canal Horeca, seja na grande distribuição. "Produzimos cerca de 70 mil garrafas só para o mercado doméstico. Na exportação, estamos já a abrir um canal muito importante nos Estados Unidos", revela o empreendedor. Suíça e Alemanha são já os principais países de destino da marca, pois Miguel Ângelo Nunes aposta no mercado da saudade. No entanto, depois de vencer, no ano passado uma competição de bebidas espirituosas no território americano, aguçou o apetite a alguns distribuidores. "Neste momento, o nosso grande inimigo é a falta de garrafas de vidro. Estamos a crescer a uma velocidade muito grande, e não temos embalagens suficientes para acompanhar este crescimento. Mas esperamos conseguir produzir 100 mil garrafas até ao final deste ano, para fazer face aos contratos que temos". Com a entrada no novo mercado, as vendas da empresa podem crescer até 100% ou mais. "O mercado dos Estados Unidos quer trabalhar connosco aos contentores marítimos, com milhares de garrafas. Para já é muito difícil fazer previsões do que vai acontecer", explica o empreendedor..Este projeto alentejano alberga ainda o primeiro parque temático do mundo inteiramente dedicado ao gin, o Vila do Gin. É uma herdade com 15 hectares, onde se pode fazer visitas guiadas e conhecer os processos de produção do gin, do rum e da aguardente de medronho, com showroom de cocktails e workshops no meio da natureza. Tem ainda uma quinta pedagógica, com diversidade de animais autóctones, na qual é feito um gin safari. Estas atividades destinam-se a toda a família. "Neste momento somos o ponto mais visitado da costa alentejana. No verão, recebemos cerca de dois mil visitantes por fim-de-semana", diz Miguel Ângelo Nunes. Este local está na lista dos 50 destinos mais bonitos do mundo da revista Time..dnot@dn.pt