Moçambique. Do falhanço dos "mercenários" russos à "ditadura monopartidária"
O líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) acusou hoje o Governo de Moçambique de ter falhado ao contratar mercenários russos para liquidar insurgentes islâmicos no norte do país, ignorando o real problema das populações.
"O Governo de Moçambique foi à Rússia e trouxe de lá mercenários", mas "esses que fizeram a intervenção militar hoje já não estão lá" porque "viram que alguma coisa está errada", não conseguindo resolver os problemas, que "têm razão profundas" e mostram as divisões sociais e económicas daquela região, afirmou Ossufo Momade.
Segundo tinha noticiado a CNN, em novembro passado, estes mercenários que foram combater naquela região, são associados a Yevgeny Prigozhin, um oligarca de São Petersburgo tão próximo do Kremlin que é conhecido como o "chefe" do presidente Vladimir Putin. As empresas deste oligarca foram sancionadas pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos por estas ações na Síria e pelo seu financiamento ao Internet Research Agency, responsável pelas tentativas russas de interferência nas eleições nos EUA em 2016. Agora aparece associado à tentativa de estancar a rebelião em Moçambique, que ameaça interromper o investimento estrangeiro crucial nas reservas de gás natural do país, que se acredita valer biliões de dólares. Um negócio em que os russos parecem muito interessados. Moscovo tem negado qualquer envolvimento.
Para Momade, "o envolvimento dos estrangeiros está a diluir aquilo que é o pensamento dos moçambicanos" sobre os conflitos sociais e religiosos que estão na origem dos ataques a alvos civis ou ligados ao setor petrolífero, que está a fazer fortes investimentos na província de Cabo Delgado.
Numa entrevista à agência Lusa por telefone, o dirigente da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, disse que "a primeira coisa" que "queria que o Governo fizesse era apresentar o caso do conflito de Cabo Delgado na Assembleia da República, mas ainda não fez", promovendo a discussão sobre o melhor modo de resolver os problemas.
Estima-se que haja centenas de mortos vítimas dos ataques e, para lidar com esses problemas, a "União Europeia tinha um outro pensamento", que previa investimentos sociais e económicos junto das comunidades para obter "um bom resultado em Cabo Delgado", destacou Momade.
"Nós não concordamos com uma intervenção militar", afirmou o líder da Renamo, acrescentado que, porém, "nunca o Governo veio a público dizer a origem [desses grupos] ou quem são", preferindo "aldrabar a população moçambicana" e vedar o território à imprensa. "Cada dia que passa, moçambicanos morrem, as suas residências são destruídas, mas ninguém sabe o que se está a passar em Cabo Delgado" e "esta situação está a alastrar-se para outros distritos", avisou.
Ossufo Momade, fez ainda um apelo à comunidade internacional para que impeça a "ditadura monopartidária" em Moçambique e avisou que o partido irá ainda decidir se os seus eleitos tomam posse dos cargos.
De acordo com os resultados preliminares das eleições moçambicanas de 15 de outubro, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) ganhou com maioria qualificada no parlamento e o atual Presidente, Filipe Nyusi, foi reeleito com 73% dos votos, resultados que a Renamo não reconhece, assegurando ter provas de fraude.
Caso o Conselho Constitucional confirme os resultados, a Renamo irá reunir "os órgãos do partido: a comissão política nacional e o conselho nacional", porque a decisão de tomar posse dos lugares eleitos não pode resultar de "um posicionamento apenas do presidente", afirmou Momade. "Se os deputados vão ou não tomar posse... neste momento é prematuro" e, em dezembro, "os órgãos vão reunir e vão decidir qual vai ser a decisão do partido", explicou o líder da Renamo, que terminou este sábado uma visita à Holanda.
Na viagem, Ossufo Momade levou uma caixa com "boletins que estão fora do circuito da Comissão Nacional Eleitoral (CNE)" e que estão pré-preenchidos com uma cruz nos candidatos da Felimo. "Desta vez, nós trazemos elementos que provam fraude eleitoral", disse Momade, considerando que os observadores internacionais "não podem ficar calados" perante "evidências tão claras".
"Em Moçambique, está instalado um regime que não quer abandonar o poder e, para não sair do poder, usa a polícia" contra a oposição, afirmou, acrescentando: "É uma coligação: polícia, a CNE,o STAE (Secretariado Técnico de Administração Eleitoral) para manietar a Renamo".
Na Holanda, Ossumo Momade reuniu-se com parceiros internacionais da Renamo, entre os quais o Instituto Holandês para a Democracia Multipartidária. "Nós temos confiança na comunidade internacional na medida em que não gostaríamos que voltássemos aos erros do passado", em que o país viveu uma situação de guerra civil, sublinhou.