Ministra de Bolsonaro acusada de sequestrar criança indígena
Integrantes da tribo indígena Kamayurá, no Xingu, em Mato Grosso, acusam a ministra brasileira da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de ter tirado uma criança de seis anos da aldeia para efetuar tratamento dentário e de, 14 anos depois, nunca a ter devolvido. Hoje, aos 20 anos, é apresentada por Damares como sua filha adotiva, embora a adoção não tenha sido formalizada.
De acordo com membros da aldeia ouvidos pela edição desta quinta-feira da revista Época, Kajutiti Lulu Kamayurá era criada pela avó paterna, Tanumakuru, após ter sido rejeitada pela mãe. "A branca levou a Lulu", diz, em tupi, a senhora de quase 80 anos na capa da revista. "Chorei, e Lulu estava chorando também por deixar a avó. Márcia [amiga de Damares] levou na marra. Disse que ia mandar de volta, que quando entrasse de férias ia mandar aqui. Cadê?", questiona Tanumakuru. Ela afirma que nunca foi informada de que a criança não voltaria.
Os indígenas, através de entrevista com Mapulu, pajé [curandeira] kamayurá e irmã do cacique [chefe da aldeia], alegam que Lulu foi levada por Márcia Suzuki, amiga de Damares, com quem fundou a Atini, ONG que se apresenta como organização sem fins lucrativos "reconhecida internacionalmente pela sua atuação pioneira na defesa do direito das crianças indígenas".
Em resposta à revista, a ministra diz que Lulu foi salva de infanticídio porque seria morta pela mãe. Segundo ela, a família biológica visita a jovem com regularidade. Damares conta ainda que a filha adotiva voltou à aldeia para reencontrar familiares após o tratamento dentário. "Ela deixou o local com a família e jamais perdeu o contacto com os seus parentes biológicos".
Indígenas ouvidos pela reportagem alegam que a primeira visita de Lulu só ocorreu há dois anos e rebatem as acusações de maus-tratos feitas pela ministra. A pajé Mapulu, porém, admite que já houve sacrifício de crianças na aldeia, mas afirma que esse não seria o destino de Lulu. "Antigamente, havia o costume de enterrar. Hoje, a lei mudou", completou a pajé na entrevista.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), subordinada a Damares, afirma que a retirada de crianças de uma aldeia é ilegal e que a adoção depende de aprovação da justiça federal e do próprio órgão.
Pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular, Damares disse durante um culto, em 2013, que salvou Lulu da miséria dos kamayurás e do infanticídio. Segundo ela, se tivesse ficado na aldeia, a menina seria escrava do próprio povo.
Criada em 2006, a Atini é alvo de indigenistas e do Ministério Público, que falam em tráfico e sequestro de crianças e incitação ao ódio contra indígenas. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, a Polícia Federal pediu, em 2016, informações à Funai sobre suspeitas de "tráfico e exploração sexual" de indígenas - despacho da fundação cita a Atini e outras duas ONG.
A organização diz que, com seu trabalho, já salvou 50 crianças em situação de risco, algumas delas enterradas vivas. Em entrevista à Folha, a advogada da entidade, Maíra de Paula Barreto Miranda, afirmou que o problema da matança de crianças é real e não deve ser justificado pelo relativismo cultural nem desmerecido por ativistas. Damares se afastou da Atini em 2015.