Começando pelo MotoGP. Como foram os primeiros testes como a nova moto?.A maior diferença é a atenção mediática. A este nível há muito mais coisas a acontecer fora da pista. Estar no MotoGP é por si só fantástico e difícil. Existe uma fase de adaptação àquilo que é a condição física necessária, o aprender os aspetos mais técnicos para poder andar rápido sem saltar passos. Estamos a tentar que este período de adaptação seja o mais curto possível..A moto é muito diferente da que tinha no campeonato de Moto2?.É. Não tem nada a ver. A única semelhança é que tem duas rodas e a forma de pilotar é mais ou menos a mesma. De resto, difere em muita coisa, nos pneus, na travagem, na aceleração, a moto requer outro tipo de exigências por parte do piloto e da equipa. A moto tem maior complexidade, requer muito mais pessoas a trabalhar nela..A velocidade é assustadora ou desafiadora?.A velocidade não me assusta nada. Desde pequeno que gosto de tudo o que tenha adrenalina. A adrenalina para mim é viciante e não me assusta, pelo contrário. A minha zona de conforto é a pista e a velocidade. Tudo o resto é que me assusta..Embora seja dos pilotos com menos quedas, não o assusta de alguma forma poder cair... Afinal, vai a mais de 200 km por hora....As pessoas assustam-se muito com a velocidade, mas quando se começa a andar de moto não se vai logo a 300 km por hora e mesmo quando se vai é em linha reta. Eu quando comecei tive muitas quedas, fruto também de estar a aprender, umas foram quedas para o lado, outras foram mais violentas, fruto de não ter experiência, faz parte. Mas andar de moto na pista é cada vez mais seguro. Temos um equipamento de segurança muito evoluído, com airbag, os capacetes são desenvolvidos de forma a proteger mais a cabeça e haver menos traumatismos. De todas as quedas que eu já dei, posso dizer que apenas parti alguns ossos... Coisa que pode acontecer a qualquer um a descer as escadas..O que faz um piloto quando não há competição ou testes? Treina?.Relaxa, mas pouco. Depois de testar a moto é altura de tratar do físico. É importante conseguir uma base forte a nível físico porque durante a época não haverá muito tempo para vir a Portugal fazer ginásio. Depois, aproveito para descansar um pouco, estar com a família, dar umas entrevistas....Já passou algum tempo desde que se soube que o MotoGP ia ser uma realidade. Já caiu a ficha ou ainda anda um pouco nas nuvens....Nas nuvens nunca estive. O meu contrato foi assinado em maio durante um grande prémio em que fiquei em segundo. Se eu andasse com a cabeça no ar tinha ficado lá mais para trás. A ficha já caiu à muito tempo, é uma coisa que eu mereço e sinto que já estava pronto para dar esse salto. Claro que é especial, por ser o primeiro português a chegar a este nível, por estar na elite dos pilotos, mas agora tenho de me manter lá, esse é o meu foco. Já absorvi tudo o que era novo e havia para absorver, agora é pés no chão e mãos ao trabalho....O que podemos esperar do Miguel no MotoGP?.Primeiro eu e a equipa temos de perceber qual é o objetivo concretizável e, para que isso aconteça, precisamos de rodar mais vezes, perceber as limitações da moto, saber o que eu preciso de mudar na minha condução, e isto só se vê com quilómetros em pista. Por isso vamos ter de esperar um pouco mais para dizer se poderei lutar já pelos pontos ou se posso lutar já pelo top 10. Neste momento não sabemos....O ser o primeiro português a conseguir entrar na prova rainha do motociclismo significa o quê para si?.É muito importante, porque não fui mais um, fui o primeiro. Quando se escrever a história sobre o motociclismo português eu serei recordado com carinho por isso, porque tracei um caminho que ainda não tinha sido percorrido por outro português. Sei que isso não me vale de muito, mas é claro que isso dá um sabor especial à minha entrada no MotoGP e torna especial as minhas conquistas. Agora tenho de estar focado em ser um como os outros, mas melhor....O motociclismo a este nível é uma atividade de milhões. Quanto é que o Miguel Oliveira já investiu para chegar ao MotoGP?.Centenas de milhares de euros, sem dúvida. Começámos com nada, com uma mota comprada a meias pelo meu pai e um amigo e fomos crescendo com ajudas, muitos peditórios, alguns padrinhos e algumas oportunidades que soubemos aproveitar..Na F1 o piloto é escolhido com base nos patrocínios que tem. E no MotoGP?.Não é bem assim, mas também se usa. Obviamente que se eu tivesse um grande patrocinador por trás teria chegado ao topo muito mais rápido do que cheguei....Como são os ordenados....Temos um ordenado como qualquer pessoa. Neste momento, um piloto de uma equipa oficial terá um salário que ronda um milhão de euros. Mas estamos a falar do topo dos topos. O Rossi, por exemplo, chegou a ganhar 33 milhões numa época! Mas para quem foi campeão nove anos seguidos... A minha realidade está bastante abaixo disso..Falando em Valentino Rossi. Cresceu a idolatrá-lo. Como vai ser agora correr ao lado dele?.Vai ser um adversário como outro qualquer. Já aceitei há muito tempo que todos passariam a ser rivais. Há que tirar partido de correr com ele, aprender o que há para aprender, mas claro que vai ser especial chegar à frente dele....Chegar à frente....Sim, chegar à frente dele. Talvez seja a minha motivação extra, chegar à frente do Rossi a cada corrida..Deixou o Moto2 sem o título mundial. Saiu de alguma forma desiludido por isso....Não. Olhando para trás sei que as coisas tinham tudo para correr mal e não para correr bem como correram. No final, ser segundo foi um prémio. Nós achamos sempre que merecemos sempre mais e, no meu caso, eu e a equipa merecíamos o título, mas o nosso adversário também teve muita sorte e acabou por ser mais feliz..Portugal não tem muita tradição no motociclismo. Será que isso tem vindo a mudar? E qual é a responsabilidade do Miguel nisso?.É óbvio que ajudei a que se falasse de motos e obviamente que as minhas conquistas fazem que haja um buzz à volta da modalidade ainda maior. Tenho a sorte de ser o único representante português no Mundial. O MotoGP, por si só, já é um desporto muito emotivo, capta a pessoa pela emoção e ter alguém por quem se possam torcer do outro lado do ecrã é muito importante, torna as provas ainda mais apelativas. Os portugueses ainda mais, porque têm um compatriota a correr, que representa a bandeira e é claro que quando se chega ao hino, supera tudo....Como é e o que se sente ao ouvir o hino?.O hino é aquilo que verdadeiramente dá sentido à corrida. Ter várias nacionalidades a lutar por uma vitória e só um faz tocar o hino. Faz-nos sentir que estamos ali a representar alguma coisa e eu estou ali a representar o meu país. Para mim, tem um sentido especial porque a letra do nosso hino é forte, também representa um momento de luta e conquista e é isso que eu sinto quando estou lá em cima no pódio..Será que ter um português a liderar os destinos do automobilismo mundial (José Viegas) e um atleta no MotoGP pode ajudar a regressar o motociclismo a Portugal?.Pelo menos conseguimos captar a atenção e fazer que voltasse a falar-se do assunto, isso era muito importante. Ter um português no campeonato é mais um dos motivos para trazer de volta o MotoGP a Portugal, país que o recebeu durante 12 anos seguidos. Eu acho que temos todas as condições para ter cá um Grande Prémio. Se dependesse de mim, já o teríamos há algum tempo....O que se sente quando o presidente da Federação Internacional de Motociclismo diz que o "Miguel Oliveira é piloto de topo mundial"....Esses elogios deixam-me feliz, é sinal de que estamos a trabalhar bem e as pessoas estão atentas ao nosso trabalho. Eu espero é ser esse piloto de topo mundial..Disse numa entrevista que sonha ser campeão do mundo. Do sonho à realidade, há agora menos um degrau....Neste caso, o sonho comanda a vida. É incrível, mas eu quando meto uma ideia na cabeça vou até ao fim, não descanso até o alcançar. Sei entender as circunstâncias de quando não alcanço alguma meta, até para não acabar com um sentimento de frustração. Neste momento, esse é o meu sonho e espero ao longo de cada corrida torná-lo cada vez mais uma realidade..Quem é o jovem Miguel por detrás do piloto Miguel Oliveira?.Os meus interesses estão todos relacionados com as duas rodas. É difícil separar o Miguel do Miguel Oliveira. Eu sou poucas vezes o Miguel, sou mais vezes o Miguel Oliveira. Por vezes, é como se tivesse duas personalidades, mas eles entendem-se bem os dois, têm os mesmos valores. Na rua, quando alguém me aborda, é difícil ser o Miguel porque as pessoas conhecem-me por ser o Miguel Oliveira, mas é tranquilo porque gosto de ver o Miguel a passar valores ao Miguel Oliveira e ele a passar esses mesmos valores às pessoas. É bom saber que nós podemos de alguma forma transparecer para as pessoas aquilo que somos, sem capa ou máscara. Eu trabalho de capacete, ninguém me vê a cara e sou abordado na rua, é sinal de que as pessoas reconhecem aquilo que eu represento, a luta e a conquista dos nossos sonhos..Ainda se lembra da primeira moto....Claro. O meu pai ofereceu-me uma moto 4 num Natal tinha eu uns 3 ou 4 anos. O meu pai sempre foi ligado às motos e passou-me a paixão pelas duas rodas. Cresci rodeado de motos e sempre quis ser piloto. Vem daí essa paixão. O meu pai diz que eu era muito irrequieto e partia muitas coisas e foram as motas que me trouxeram um pouco mais de calma... Depois, passava o dia inteiro em cima da moto. Foi esse Natal que mudou a minha vida, a partir daí nunca mais saí de uma moto..E como passou para a competição?.Eu tive a oportunidade e a sorte de haver um campeonato em Portugal com as motos do tipo daquela em que o meu pai investiu e me ofereceu. Tirei a licença e comecei por aí com a ajuda dos amigos..Anda de moto em lazer ou para si a moto é um instrumento de trabalho?.Eu nem sequer tenho carta de moto... Ando de carro ou bicicleta, moto só na pista..Como é ter um clube de fãs e ter pessoas que o seguem por todo o lado?.Quando entrei para o mundial tratámos de fazer umas T-shirts e criar um clube de fã à volta, com uma imagem, e as coisas forma crescendo. Hoje em dia organizamos jantares no Casino com mais de 500 pessoas, é fantástico. Há pessoas que me acompanham em todo o lado, fazem bancadas de apoio. É uma massa associativa que me segue para todo o lado. As pessoas compram bilhetes, não são pagas para me apoiar [risos]. Há uma máquina montada, umas dez pessoas... Não me assusta, é investir no meu futuro..Perdeu-se um dentista?.Ainda não. Lá para os 40 anos e com alguns cabelos brancos ainda devo ir a tempo de terminar o curso e fazer carreira...