Michelle Williams, o bicho-do-mato de Showing Up
Um gato mimado que ataca um pombo. Um pombo que depois se torna uma espécie de musa para uma artista plástica. Em Showing Up, de Kelly Reichardt, Michelle Williams é a escultora que vê o seu gato atacar o tal pombo mas, mais tarde, torna-se a sua salvadora, tudo isso na véspera da preparação da sua nova exposição e num momento de crise familiar: o seu irmão está cada vez pior de uma crise mental.
Filme de uma delicadeza e de um murmúrio siderantes, Showing Up é um retrato de uma comunidade de artistas mas sobretudo um olhar a uma mulher sozinha e obcecada pela sua arte. Coisa de egos, coisa de dolência artística. A câmara de Kelly Reichardt parece fascinada pelo movimento de Williams, sempre à distância - há pudor pelo close-up... A sua escultora luta contra a inclinação genética de ser amarga e má pessoa, é um bicho-do-mato que não foi feito para a interação social. Nessa descrição o filme pede paciência ao espectador, sobretudo devido a uma secura de ritmo que adiante começa a fazer sentido. É daqueles casos que parece que nada se está a passar mas há tanto em jogo, o habitual na cartilha de Reichardt, implacável cronista de uma singularidade americana. Desta vez, é um exame às vulnerabilidades da vida pessoal do artista. E este super-naturalismo cai que nem ginjas nesta equação.
Com o final do Marché, começaram a surgir notícias e especulações sobre o que a indústria poderá ter para os próximos festivais. Parece mais do que seguro que a Netflix prepara uma invasão ao Festival de Veneza, estando quase garantidos Blonde, o biopic de Marilyn Monroe de Andrew Domminik, e Bardo, de Alejandro Iñarritu. Na calha também um dos objetos de luxo da Prime, The Son, de Florian Zeller, adaptação a uma peça do próprio; Bones and All, de Luca Guadagnino, e The Banshes of Inisherin, de Martin McDonagh, o sucessor de Três Cartazes à Beira da Estrada. De Portugal, candidatos há muitos, mas talvez Marco Martins com The Great Yarmouth e João Canijo com Mal Viver, possam ter mais hipóteses, mas não é de excluir Rodrigo Areias com O Pior Homem de Londres. Antes, em Locarno, não era de espantar que Bodyhackers, de Carlos Conceição, Índia, de Telmo Churro, e Onde Fica esta Rua?, de João Pedro Rodrigues e Guerra da Mata, fossem escolhidos.
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