A 28 de janeiro de 2017, a Câmara Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de Arroios inauguraram, no âmbito do Plano Municipal dos Mercados de Lisboa (2016-2020), o "novo" Mercado de Arroios. Depois de dois anos em obras e um investimento de cerca de um milhão de euros, a requalificação prometia uma nova vida para o mercado. Contudo, a dinâmica do comércio tradicional estagnou muito antes desta intervenção..Classificado na década de 1980 como edifício de interesse cultural, a sua remodelação previa a criação de um espaço para todos, adequado às exigências do presente. Pontos de venda requalificados, uma nova rede de águas, rampas para pessoas com mobilidade reduzida e novos elevadores foram algumas das intervenções realizadas, sem esquecer a substituição do pavimento e a pintura interior de que foi alvo. A abertura de novos estabelecimentos, com portas para o exterior e interior do mercado, foi uma das medidas para criar uma nova dinâmica comercial..A autarquia pretendia abrir um novo concurso público para a ocupação dos pontos de venda vazios. Passou a existir um Espaço Criança, um Swap Spot para troca de roupa e uma área destinada à realização de eventos, que seria dinamizada por uma programação mensal heterogénea..A grande novidade era a futura implementação de uma estufa hidropónica na cobertura do mercado, onde seriam cultivados produtos sem recurso ao solo, através do contacto entre as raízes das plantas e água enriquecida com os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento..Mercado meio vazio.A trabalhar no mercado há 50 anos, Luísa tem acompanhado as suas transformações. Lamenta que metade do mercado continue vazio e acha que as bancas por explorar deviam ser ocupadas com produtos e serviços que complementem a oferta existente. "Há muita coisa que se pode pôr, muita coisa para dinamizar, feiras gastronómicas que podiam fazer-se. Até mesmo um posto para a Segurança Social", frisa..Quanto à requalificação, diz que a gestão do espaço se manteve semelhante ao que era, mas que o mercado está mais bonito. No entanto, diz que muitos dos seus clientes habituais aderiram à "moda" dos supermercados. "60% das pessoas que lá estão vinham ao mercado", confessa. Quanto ao projeto da estufa, Luísa não compreende os benefícios de uma plantação em hidroponia para o negócio dos comerciantes tradicionais. E lamenta também os supermercados que abriram à volta do mercado: "É mais uma concorrência desleal."."Conseguimos sobreviver ao pé deles com muitas dificuldades, sem apoios nenhuns, sem publicidade nenhuma. Não fazemos campanhas na televisão, não nos financiam, não somos capa de nenhum jornal, de nenhum suplemento, nada... É impossível mantermo-nos assim." E acrescenta: "Ninguém está a olhar para o mercado... O mercado é um diamante em bruto, precisa de ser lapidado, precisa de ser dinamizado, precisa que alguém faça alguma coisa por ele, não podemos ser só nós (comerciantes) a dar murros em ponta de faca." Apesar de notarem uma geração mais jovem ao sábado, quem vende no mercado reconhece que a maior parte dos clientes habituais pertence a uma faixa etária mais envelhecida e com problemas de mobilidade..Manuela, moradora na freguesia de Arroios, não tem dúvidas de que as obras deram um novo ar ao espaço, mas tem pena de que esteja mal aproveitado. Lamenta que os seus 75 anos não lhe permitam carregar grandes quantidades de compras até ao quarto andar sem elevador onde vive. Acha que o mercado beneficiaria de um serviço de entrega de compras ao domicílio, assegurado pela junta de freguesia. "Qualquer coisa para um velho é difícil levar e grande parte dos imóveis nesta zona não têm elevador." Manuela considera que a praça poderia lucrar com este serviço, não só para idosos, mas também para quem trabalha e não tem disponibilidade para ir ao mercado no horário de funcionamento, entre as 07.00 e as 14.00..Numa altura em que a sustentabilidade é considerada, além de uma moda, uma necessidade, seria de esperar que o comércio tradicional renascesse com essa tendência. Fábio Abreu costuma ir à praça para comprar produtos para o Fome, restaurante onde trabalha ao lado do mercado. Acredita que esta é uma escolha "muito mais sustentável" do que comprar em supermercados. "Sustentabilidade é um tema muito grande. Quando falamos em sustentabilidade, não estamos só a falar no meio ambiente, estamos a falar das pessoas. A distribuição económica acaba por ser mais justa", adverte o jovem de 25 anos..Isabel Alves também faz parte da nova geração de clientes atenta à temática da sustentabilidade que apoia o comércio tradicional. Residente em Arroios há pouco tempo, não conheceu o mercado antes das obras de requalificação, mas mostra-se surpreendida pelo espaço e pela qualidade dos produtos. Para Isabel, ir ao mercado é uma experiência. Além de valorizar a oportunidade de estar com pessoas que conhecem os produtos que estão a vender (e que não a obrigam a pôr tudo em sacos de plástico), realça ainda que a relação preço-qualidade é melhor..Sábado, dia de esperança.Bruno Alves, um dos vendedores mais jovens, diz que o negócio vive entre altos e baixos e que agora está a atravessar uma fase difícil. Muitas vezes, são as vendas ao sábado que compensam a semana inteira. A requalificação trouxe a ilusão de uma nova etapa para o comércio, que rapidamente voltou a estagnar..Bruno começou por ajudar a mãe na banca do peixe. Agora, aos 30 anos, está à frente do negócio. "Está-me no sangue", afirma com orgulho. Mostra-se indignado com a escassez de estacionamento perto do mercado, um problema apontado por todos os comerciantes. Queixam-se da intransigência da Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa e da rapidez com que um carro é multado ou bloqueado naquela zona, algo que afasta imensos clientes. Laura Soledade, responsável pela fiscalização do espaço, concorda com os comerciantes e indica a falta de estacionamento como uma das principais causas para o insucesso do mercado. No entanto, dá um balanço mais positivo da requalificação terminada em 2017. Salienta a luz natural e única do espaço, algo que o torna bastante agradável, e sublinha o sucesso dos estabelecimentos que não são obrigados a cumprir o horário de encerramento do mercado, como os restaurantes, por terem portas viradas para o exterior. Considera que a ocupação das bancas vazias iria tornar o mercado mais apelativo. Ainda sem confirmação, há a possibilidade de abertura de um novo concurso público para a concessão dos espaços vazios, à semelhança do que aconteceu no Mercado de Campo de Ourique, com o objetivo de reabilitar e criar condições para novos negócios, sem descurar a manutenção dos antigos..O projeto da estufa hidropónica, uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta de Freguesia de Arroios e a start-up Lisbon Farmers, ainda consta num dos dossiês da administração. Contudo, passados três anos, aquele que seria "o primeiro mercado hidropónico do mundo", assim anunciado em 2017, continua sem previsão para a criação da estufa..Benilde Marques começou a trabalhar no mercado aos 12 anos. Agora com 77, recorda a sua segunda casa com a nostalgia de quem sabe que não voltará a ver "tudo vivo" e "cheio de gente". O receio de Benilde é o medo de todos. Um medo que os une numa luta que travam diariamente, certos de que a qualidade dos seus produtos e o atendimento personalizado são as suas melhores armas.