Menos do que perpétua para Mladic seria "insulto para vítimas"

Nas alegações finais, a defesa reclama inocência e a acusação exige o resto da vida na prisão. Especialista ouvido pelo DN não tem dúvidas: "A responsabilidade de comando era sua"
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O julgamento está na reta final e o veredicto marcado para novembro de 2017. Mas, seja qual for a sentença, para Ratko Mladic, o comandante máximo do exército sérvio-bósnio durante o conflito nos anos 1990, aquela que terá sido a maior das penas atingiu-o ainda durante a guerra. Em março de 1994, a filha, Ana Mladic, de apenas 24 anos e descrita como uma das melhores estudantes de Medicina da sua geração, suicidou-se com a pistola preferida do pai. Não deixou uma explicação, mas acredita-se que terá sido por não conseguir lidar com os crimes cometidos pelo progenitor, dos quais terá tido conhecimento pela imprensa estrangeira, durante uma visita de estudo a Moscovo.

Na semana que hoje termina, a acusação fez as alegações finais e pede prisão perpétua para Mladic, acusado de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. A defesa arrancou na sexta-feira com os derradeiros argumentos e terminará nos próximos dias. Os advogados alegam que a culpa foi dos outros e dizem que os "fanáticos" líderes muçulmanos estavam a preparar-se para a guerra há muito tempo. "Mladic está aqui apenas porque é sérvio e porque se opôs à jihad de Alija Izetbegovic [ex-presidente bósnio], sublinhou um dos casuísticos. O julgamento, que decorre em Haia, no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPI), começou há quatro anos e meio, em maio de 2012, depois de Mladic ter sido preso em 2011.

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Os procuradores apresentam o ex-líder das forças sérvio-bósnias como o principal responsável pela matança de 8500 muçulmanos no enclave de Srebrenica, na zona nordeste do país. "Qualquer outra pena que não a máxima disponível seria um insulto para as vítimas, mortas e vivas, e uma afronta para a Justiça", afirmou Alan Tieger. A defesa nega as acusações e reclama inocência, argumentando que Mladic, hoje com 74 anos, nunca ordenou qualquer morte e estava ausente do país entre 14 e 17 de julho de 1995, os dias das execuções em série.

"Não interessa onde ele estava nem se foi ele a puxar o gatilho", defende, em declarações ao DN, Norman Cigar, investigador na Marine Corps University e autor do livro Genocide in Bosnia - The Policy of "Ethnic Cleansing" (Genocídio na Bósnia - A Política da "Limpeza Étnica"). "A responsabilidade de comando era sua. Não acredito que Hitler tenha matado pessoalmente algum judeu", diz o especialista.

Durante o julgamento, a defesa apresentou vários vídeos do tempo da guerra. Num deles, Mladic aparece em Srebrenica, a 12 de julho de 1995, a dizer aos habitantes que se tinham refugiado na base da NATO que lhes restava duas hipóteses: "Sobreviver ou desaparecer." Outras filmagens, do dia anterior, mostram o comandante a garantir que tinha chegado o "momento da vingança".

"Disse-nos que tudo ia correr bem. Mas depois, quando já não estava a ser filmado, ouvi-o dizer aos soldados: "Irmãos sérvios, aproveitem porque não irão ter outra oportunidade como esta"", relembrava Kada Hotic, uma mãe de Srebrenica, em conversa com o DN, numa reportagem publicada em julho de 2015, por ocasião dos 20 anos do massacre.

Mladic é um dos três principais rostos dos crimes cometidos na Bósnia entre 1992 e 1995. Slobodan Milosevic, ex-presidente sérvio, foi encontrado morto na sua cela na prisão de Haia, ainda decorria o julgamento. E Radovan Karadzic, líder político dos sérvios-bósnios durante a guerra, foi considerado culpado no passado mês de março - também por genocídio e por crimes de guerra e contra a humanidade - e sentenciado a 40 anos de prisão.

"Mladic merece prisão perpétua e essa é a minha expectativa. Até para subordinados seus, como os generais Stanislav Galic e Zdravko Tolimir, foi essa a sentença", sublinha Norman Cigar. Professor de História na Universidade de Sarajevo, Amir Duranovic também acredita que será essa a decisão dos juízes. "Menos do que isso seria incompreensível", defende o académico. Mas diz que não seria surpreendente se o veredicto fosse outro: "Lembremo-nos de Karadzic, lembremo-nos de Vojislav Seselj [ultranacionalista sérvio declarado inocente em março, depois de o tribunal ter considerado que os apelos à matança eram apenas uma forma de "aumentar o moral das tropas]."

Mladic é o último grande julgamento em curso no TPI. Os outros seis casos que ainda decorrem estão em fase de recurso. Desde a fundação, em 1993, foram encerrados os procedimentos para 154 acusados - 83 foram condenados.

"Esperemos que o veredicto no caso de Mladic seja o último capítulo neste longo processo de espera por alguma forma de justiça. Algumas feridas podem fechar com decisões dos tribunais, mas muitas outras continuarão sempre abertas", afirma Duranovic.

Ainda assim, na opinião de Norman Cigar, o desfecho do caso Mladic reveste-se de particular importância, "porque ele era o símbolo mais visível e o cérebro militar por detrás dos crimes". O académico norte-americano acrescenta ainda que o veredicto "só será completamente significativo se for absolutamente claro e condenar toda a ideologia e a estratégia que motivaram as ações de Mladic".

O ex-comandante sérvio-bósnio responde pelo crime de genocídio não apenas pela matança de Srebrenica, mas também pelo cerco de Sarajevo. Ao longo de 1425 dias a cidade viu-se cercada e bombardeada pelas tropas debaixo do seu comando. Mais de 12 mil pessoas morreram.

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Durante as alegações finais da acusação, relata a agência Reuters, Mladic foi lendo o jornal e às vezes meneando a cabeça em reação ao que os procuradores iam dizendo.

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