Vale a pena recuar até às europeias de 2014. Nessa altura, França e Reino Unido testemunharam duas vitórias que abririam, pouco tempo depois, caminho para o quadro fragmentado e polarizado que se vive na Europa: o UKIP e a Frente Nacional venceram essas eleições, legitimando com o triunfo um discurso agressivo contra a União Europeia (UE). Mais: pelo seu desmantelamento. Dois dos lobos mais venenosos tinham acabado de entrar com estrondo no galinheiro. O efeito não foi pequeno. O furacão UKIP obrigou David Cameron a prometer nas legislativas de 2015 um referendo à manutenção do Reino Unido na UE e, a partir de 2016, sabemos bem como as coisas têm corrido. O país está politicamente caótico, mais pobre, menos credível e mal consegue cumprir o mandato que resultou dessa consulta popular..Em França, o partido de Marine Le Pen reconquistou espaço para atacar as presidenciais de 2017, refinanciando-se em Moscovo e alargando a rede pan-europeia que maximizou o discurso antieuro e anti-Bruxelas. Só não chegou ao Eliseu, depois de ter ficado em segundo na primeira volta, porque o fenómeno Macron congregou e motivou uma frente sociológica republicana pró-UE. Estes dois exemplos mostram bem como a Europa e em particular a União são, com sucesso, várias vezes usadas como instrumento eleitoral..É também importante relembrar que no pico do entusiasmo pelo referendo do Brexit, em 2016, pelo menos quinze partidos da extrema-direita e da extrema-esquerda espalhados pelos Estados membros defendiam publicamente uma consulta popular à permanência na UE. Este elemento diferenciador em relação aos partidos do sistema, e que acomodou com uma força destrutiva esse clássico subterfúgio dos populistas chamado inimigo externo, tinha na Europa o alvo preferencial. Desde logo, uma Europa aberta aos imigrantes que a vinham destruir por dentro com ataques terroristas, coincidindo no tempo (finais de 2015 e meados de 2017) com as mortes de Paris a Bruxelas, de Nice a Berlim, de Londres a Barcelona. O mantra "em cada refugiado um bombista" foi gasolina atirada às massas pela pandilha de mentirosos encartados à frente de partidos radicais. O discurso do ódio acabou com uma deputada inglesa assassinada em plena campanha para o referendo, mesmo que toda a tese da paranoia identitária fosse facilmente desmontada pelos factos..Nenhum dos autores desses atentados chegou à Europa na vaga de refugiados e a esmagadora maioria era de nacionalidade do Estado membro. Quando muito, há um problema grave na integração de minorias que nos faz perder para a radicalização algumas das suas franjas. Associar terrorismo e vaga de refugiados é pura mentira e, no entanto, fez toda a diferença no crescimento da extrema-direita em países como Alemanha, França, Itália, Holanda, Hungria, Polónia, Espanha ou Suécia. Isto não retira críticas justas à gestão caótica europeia no pico da vaga migratória, o que, aliás, expõe a extrema necessidade de reforçar os mecanismos de articulação entre as instituições europeias e os Estados membros na resolução de uma futura crise humana (foi disto que se tratou em 2015-2016). O que não legitima é uma qualquer solução milagrosa puramente nacionalista que forre as fronteiras a arame farpado ou escorrace para a morte milhares de crianças nas águas mediterrânicas..Hoje, na véspera de novas europeias, já nenhum desses partidos que acenava com o referendo de saída em 2016 se atreve a levantar a bandeira. O caos do Brexit vacinou-os, mas sobretudo souberam ler as posições de um segmento importante do seu eleitorado, os jovens entre os 18 e os 25 anos. Uma dessas perceções geracionais está ligada a um pico histórico de europeísmo, segundo dados do Eurobarómetro. A pertença europeia não só é aceite como não é interpretada como destruidora da identidade nacional. Percebendo isto, os partidos nacionalistas adotaram outra linha, já não agressivamente anti-UE ou antieuro, mas por "uma outra Europa". É aquilo que em ciência política certamente se chamará de grupo de lobos com pele de cordeiro..Outra perceção resulta da importância do voto jovem - coisa que os partidos tradicionais teimam em desvalorizar com o "eles não querem saber" -, e que em Itália pode constituir 50% dos eleitores que assumem ir votar a 26 de maio, em França 40% e na Holanda 25%. Não é por acaso que Marine Le Pen escolheu um jovem de 23 anos para cabeça-de-lista às europeias. Em França, tal como em Espanha, Suécia, Holanda ou Eslováquia, o eleitorado jovem tem estado consistentemente com os partidos de extrema-direita. Contudo, há sempre um outro lado, e vemos também uma base sólida de eleitores da geração sub-30 a impulsionar partidos liberais e verdes na Áustria, na Holanda, na Alemanha ou na Suécia, todos eles ocupando um espaço relevante nos parlamentos e nas sondagens..A grande questão está na incapacidade de atração pelos grandes partidos tradicionais, dificilmente vistos como agentes de mudanças políticas ou de regeneração do sistema, mas também por apresentarem uma agenda muitas vezes desfasada das prioridades dessa geração. Um recente estudo do Carnegie mostrava serem as alterações climáticas, a sustentabilidade do planeta, a qualidade de vida e os desafios tecnológicos o cardápio de preocupações prioritárias dessa geração. Ora, nenhum deles pode ser encarado com uma cartilha identitária de fechamento ou de incitação ao medo. Pelo contrário. Só o cosmopolitismo permite a compatibilidade entre diferentes níveis de soberania para a resolução dos problemas, nacionais e globais. Como dizia Rui Tavares num recente debate promovido pela Representação da Comissão Europeia em Ílhavo, "não se pede às Nações Unidas para virem tapar um buraco na nossa rua, tal como não se pede a uma junta de freguesia para resolver uma crise humana"..Se os partidos pró-europeus não trouxerem a União Europeia para o centro das soluções que verdadeiramente preocupam os jovens, não só estarão a cavar a sua sepultura como a tornar irrelevante a pertença comunitária. O medo do passado não pode ser substituído pelo medo do futuro..Investigador universitário