Medicina legal faz autópsias virtuais a corpos infetados e cujas mortes são suspeitas

O Instituto Nacional de Medicina Legal e das Ciências Forenses está a fazer autópsias virtuais a cadáveres com covid, assim como nas mortes violentas ou com suspeitas de crime. "É uma alternativa eficaz em tempos de pandemia, protege os profissionais." No entanto, até outubro, o instituto fez menos 701 autópsias em relação a 2019. Não porque tenha havido menos mortes suspeitas, mas porque há menos pedidos do Ministério Público.
Publicado a
Atualizado a

De janeiro a outubro, o Instituto Nacional de Medicina Legal e das Ciências Forenses (INMLCF) fez 4855 autópsias nos casos de morte violenta e com suspeitas de crime. No ano passado, e no mesmo período homólogo, já tinha feito 5556.

Mas tal não quer dizer que tenham existido menos mortes deste tipo, significa sobretudo que entraram menos pedidos de autópsias do Ministério Público - e no sentido de dar cumprimento à norma emanada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) em que solicita que sejam pedidas as autópsias estritamente necessárias.

Conforme explicou ao DN a diretora do INMLCF da Delegação Sul, Eugénia Cunha, "há uma diminuição nos pedidos de autópsia", o que "não significa que haja menos morte". No entanto, e como especifica, "em relação ao número de mortes notou-se uma diminuição nas mortes violentas provocadas por acidentes de viação nos períodos em que foi proibido viajar".

Esta foi assim uma das grandes diferenças registadas no trabalho dos INMLCF e dos gabinetes de medicina legal espalhados pelo país, porque relativamente a outras situações, de suspeita de crime, o instituto tem continuado a trabalhar.

Mesmo quando se impõe uma autópsia a um corpo que testa positivo à covid-19. Ou seja, todos os cadáveres são testados à doença, até porque, segundo explicou ao DN Eugénia Cunha, "o facto de ser realizado o teste de rastreio à covid-19 pode ajudar a esclarecer a causa de morte, por outro lado temos de o fazer porque protege os profissionais do risco de contaminação, e um objetivo de todos nós é tentar controlar as cadeias de transmissão".

No caso de testar positivo, a autópsia é feita segundo um método virtual - designado virtópsia, que foi desenvolvido por peritos da Universidade Zurique, no início do século XXI , e que tem vindo a ser adotado em situações de doença infetocontagiosa e que agora começa a ser adotado com mais regularidade no nosso país. "Já aconteceu haver casos positivos em que o Ministério Público entendeu em que não poderia abdicar da autópsia, pelas suspeitas de uma situação de crime, e que foi feita autópsia virtual", confirma a dirigente do INMLCF da Delegação do Sul.

DestaquedestaqueAutópsia virtual utiliza a tecnologia usada hoje para exames de imagiologia para perceber a causa de uma morte suspeita.

A especialista explica ainda que se trata de "um método que usa a tecnologia, como a tomografia axial compturizada (TAC) ou a ressonância magnética, para visualizar o interior do corpo, através de um procedimento que não é invasivo e que permite, ao mesmo tempo, num caso de homicídio por arma de fogo, perceber a(s) entrada(s) e a(s) saída(s) de projéteis, ou se estes ficaram alojados no corpo e onde".

Este método "tem mostrado a sua eficácia, mesmo com a pandemia é possível fazer autópsias. Por outro lado, tem ainda outra vantagem, que é podermos ficar com um documento digital armazenado, sendo possível consultá-lo sempre que for necessário". Além do mais, "tais imagens podem ser usadas em tribunal", afirma Eugénia Cunha, sublinhando que "é a melhor alternativa que temos para ilustrar e esclarecer a causa de uma morte".

Na opinião da especialista, "este exame por TAC, juntamente com o exame toxicológico, que pode ser feito, e o exame do lado externo, exterior do corpo, são procedimentos que, no nosso entender, são suficientes para esclarecer casos suspeitos e que testaram positivo. E até aqui tem corrido bem".

A TAC tem sido a técnica mais usada para as situações de autópsia virtual, mas há outras técnicas. A ressonância magnética "permite observar os tecidos moles com maior detalhe, sendo também uma mais-valia. A TAC permite observar as fraturas ou as entradas e saídas de projéteis, ou se não saíram, onde ficaram alojados".

Até aqui, e segundo Eugénia Cunha, este método foi usado apenas em situações pontuais, embora considere que "temos de nos preparar cada vez mais para outras situações como a que estamos a viver agora".

Na sua opinião, vivemos tempos em que "a médio e longo prazo iremos registar um aumento da criminalidade. Não tenho qualquer dúvida. A pandemia está a causar efeitos económicos trágicos e a falta de emprego vai gerar violência", disse ao DN, salientando que é o que se está a passar noutros países, como o Brasil. "Infelizmente, é esse o grande risco que corremos."

Neste momento, a especialista considera que "estamos a trabalhar melhor e com mais tecnologia. Está tudo modernizado, não temos outra alternativa em relação à pandemia senão as autópsias virtuais", sublinhando que "a seguir a esta pode vir outra, e temos de tirar lições e aprender alguma coisa para que na próxima situação estejamos mais bem preparados".

De acordo com o que foi explicado ao DN por escrito e como resposta a perguntas feitas pelo DN sobre a atividade deste instituto, a direção do INMLCF refere que o instituto continua a "desenvolver toda a atividade pericial que lhe é solicitada, com as adaptações necessárias à situação de pandemia que atravessamos, não tendo encerrado nenhum serviço da sede, delegações ou gabinetes médico-legais e forenses".

Logo no início da pandemia, "o INMLCF, em articulação com o Ministério da Justiça, criou uma Comissão de Acompanhamento Médico-Legal da covid-19, que tem vindo a estabelecer orientações internas específicas para esta área, cumprindo as recomendações da DGS e as determinações do Governo".

Foi nesse sentido que "elaborou um plano de contingência, que tem vindo a aplicar na medida das necessidades de cada serviço médico-legal, que criou um Laboratório de Virologia que foi credenciado e integrou a Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico Laboratorial da covid-19 , que se encontra a funcionar normalmente".

DestaquedestaqueO INMLCF conseguiu "uma recuperação de 80% nos atrasos relativamente ao último triénio (de 5694 processos pendentes no início de 2017 para 1128 processos pendentes no segundo quadrimestre de 2020".

Por outro lado, e por forma a apoiar outros serviços, tem permitido que os seus "médicos prestem apoio voluntário na área da saúde, em situações de necessidade de intervenção clínica".

Quanto ao equipamento de proteção individual, o INMLCF afirma ter "vindo a reforçar regularmente a aquisição deste equipamento, para que não haja faltas de proteção para utentes e trabalhadores", optando por "adquirir acrílicos, espaçar os atendimentos e por criar equipas em espelho, estabelecendo de forma generalizada o regime de teletrabalho, sempre que possível, e com vista a prevenir o aparecimento de qualquer surto".

Num balanço à sua atividade, a direção do INMLCF relembra ainda que no serviço ao cidadão "reforçou a possibilidade de requerimentos de perícias pelos cidadãos por via digital". Ao mesmo tempo sublinha que "apesar dos constrangimentos provocados pela pandemia, tem mantido a sua trajetória de recuperação de pendências, tendo conseguido uma recuperação de 80% nos atrasos relativamente ao último triénio (de 5694 processos pendentes no início de 2017 para 1128 processos pendentes no segundo quadrimestre de 2020, o que constitui o menor número de pendências desde a criação do INMLCF, sendo realizadas cerca de 200 000 perícias por ano)".

Foi também conseguida uma recuperação de 90% nos atrasos do Conselho Médico-Legal relativamente ao último triénio (de 390 pareceres pendentes no início de 2017 para 35 pareceres pendentes no segundo quadrimestre de 2020).

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt