"Medalha nos Jogos? Não prometo, mas sou livre de sonhar"

Atleta trouxe duas medalhas de ouro da jornada mais bem-sucedida da história do atletismo português. Agora, resolvida a "pedrinha no sapato" da falta de reconhecimento presidencial, Sara Moreira já aponta ao Jogos Olímpicos.
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Seis medalhas no total - três de ouro, uma de prata e duas de bronze -, cinco conquistadas só no domingo: pode dizer-se que os Campeonatos Europeus de atletismo de 2016 correram ainda melhor do que o que tinha sido sonhado pelos atletas portugueses?

Sim, estatisticamente foi a melhor participação da história. A conquista de seis medalhas superou todas as expectativas. Foram desempenhos excelentes, para além de outros resultados muito bons, que ficaram perto das medalhas.

Como é que vocês viveram as emoções daquele domingo repleto de medalhas [ouro para a Sara Moreira na meia-maratona, para a equipa feminina de meia-maratona e para Patrícia Mamona no triplo salto, bronze para Jessica Augusto na meia-maratona e Tsanko Arnaudov no lançamento do peso]?

Foi um dia maravilhoso, que vamos recordar para sempre. Começou brilhante e acabou da mesma forma, com uma nova medalha de ouro a fechar. Com o meu título individual e o coletivo na meia-maratona, ouvimos por três vezes A Portuguesa na praça das medalhas. Passámos por muitas emoções: começámos concentradas a nossa prova, passámos pela cerimónia do pódio e fomos para o estádio acompanhar os nossos colegas; vimos o Tsanko conquistar a medalha de bronze, a Marta [Pen Freitas] fazer um maravilhoso 5.º lugar [1500 metros, na estreia em Europeus enquanto sénior], e tivemos aquela final tão emotiva no triplo salto, com a Susana [Costa] e a Patricia a alternarem nas posições do pódio. Foi mesmo perfeito. Depois regressámos ao hotel, jantámos e vimos a seleção nacional de futebol ganhar a final do Euro 2016. Foi mesmo o dia de Portugal.Tenho a certeza de que nunca o vamos esquecer.

O futebol acabou por roubar protagonismo ao melhor dia da história do atletismo nacional. Fica alguma mágoa por isso?

Não, mágoa não... Num país pequeno como o nosso, cabemos todos. Ainda nos falta uma cultura desportiva mais ampla: é algo que está em construção. O futebol tem sempre destaque. Mas quem gosta realmente de desporto também deu atenção ao atletismo e percebeu quão importantes foram ambas as coisas. Eu senti-me reconhecida e valorizada por essas pessoas.

Depois da receção em festa, por centenas de pessoas, no aeroporto, a condecoração pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo Sousa (ao exemplo do que já tinha sido feito aos campeões europeus de futebol), era o reconhecimento que faltava?

Essa era a única pedrinha no sapato. Se não viesse a existir, seria uma enorme injustiça. Devemos ser todos tratados da mesma forma, sejamos do atletismo ou de outras modalidades. Na comunicação social, o marketing do futebol é diferente, pesa mais... No entanto, quando se fala da mais alta entidade do país não pode haver diferenças... Esperemos que as coisas vão mudando aos poucos.

Quanto ao atletismo nacional, estes Europeus de Amesterdão foram uma grande prova de vitalidade, não só nas provas de fundo - que voltou à ribalta - como em disciplinas técnicas como os saltos e os lançamentos, não é verdade?

Sim, as medalhas estão a vir das várias especialidades: o atletismo português volta a mostrar que está bem e se recomenda. Estes atletas já existiam mas no domingo aconteceu um dia perfeito. É improvável acontecer a todos no mesmo dia mas, no domingo, ninguém falhou. Os astros estavam todos voltados para nós. Esperemos que um dia destes volte a acontecer - e que quando não acontecer as pessoas não se esqueçam de que já fomos campeões europeus e não deixem de nos apoiar.

No seu caso em particular, o título europeu de meia-maratona [na estreia da disciplina em Europeus] tornou-se ainda mais especial, por se juntar ao ouro coletivo e por ter tido a companhia de Jéssica Augusto no pódio individual?

Foi muito especial mesmo. Eu não o tinha idealizado desta forma. Queria muito o ouro mas não idealizei ganhar e ter outra portuguesa no pódio: foi ainda melhor do que esperava.

Quando é que sentiu que estava lançada para a vitória?

Eu senti-me sempre muito bem. Parti muito determinada a lutar pelas medalhas. De início, duas atletas [a turca Sultan Haydar e a italiana Veronica Inglese] isolaram-se. Ao apanhá-las, ao quilómetro sete, senti-me confiante. Tentei impor o andamento e acabei por descolar da italiana por volta do quilómetro 15 [a turca já ficara para trás]. Pelo 18/19 percebi que dificilmente perdia o ouro. Acabou por correr lindamente.

Agora, seguem-se os Jogos Olímpicos [5 a 21 de agosto, no Rio de Janeiro, Brasil]. Os problemas da organização, dos atrasos nas obras à ameaça do vírus Zika (agravados pela instabilidade política e financeira) causam-lhe apreensão?

Estive no Rio Janeiro em maio e assustei-me um bocadinho com a organização. Mas tenho evitado pensar nessas questões mais burocráticas para não perder o foco nos objetivos desportivos.

Também tem mínimos nos 10 000 metros mas a sua grande prioridade é outra, correto?

O foco está mesmo na maratona olímpica. Esta semana é de recuperação mas já recomecei a treinar. A medalha conquistada ajuda à confiança e motivação. O objetivo é chegar à melhor forma de sempre, para lutar pelo melhor resultado possível.

Isso pode ser um lugar nas oito primeiras ou mesmo uma medalha...

O melhor possível, claro, é uma medalha, mas não o posso prometer porque vão estar lá as melhores atletas do mundo a lutar pelo mesmo. Julgo que é possível pensar num lugar entre as oito primeiras. Além disso, sou livre de sonhar.

Para além da maratona, os restantes desempenhos dos atletas nacionais nos Europeus criam grandes expectativas para a participação de Portugal no Rio 2016.

Todos queremos ganhar. Contudo, somos humanos e nem sempre temos dias perfeitos. Os adeptos portugueses têm de compreender que Europeus e Jogos Olímpicos são duas realidades diferentes. No Rio vão estar os melhores atletas do planeta: é preciso estar consciente disso. Ainda assim, estamos preparados para dar o nosso melhor. E espero sinceramente que estes resultados sejam um bom presságio para os Jogos Olímpicos.

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