Plano "audacioso" cai por terra A primeira e óbvia consequência da demissão da primeira-ministra é que os deputados são poupados, por ora, a novo debate e votação do acordo de retirada, através de um projeto de lei que deveria ter sido apresentado na sexta-feira. Após seis semanas de negociações com os trabalhistas, que redundaram em fracasso, a primeira-ministra propunha complementar o documento assinado com Bruxelas com um "audacioso novo plano". Este previa a possibilidade de os parlamentares decidirem se os eleitores teriam a última palavra através de um referendo, bem como a continuidade na união aduaneira, ainda que provisoriamente. Estas propostas foram a gota de água para parte significativa do Partido Conservador, a começar pela líder da Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom. Recusou levar o projeto de lei ao Parlamento e em consequência demitiu-se. Foi o 36.º membro do governo de Theresa May a demitir-se..Boris Johnson avança... Oito dias antes da declaração emocionada da líder dos tories e de o governo a selar a saída de Downing Street, o seu ex-ministro dos Negócios Estrangeiros já preparava terreno. "É claro que vou avançar. Não acho que seja um segredo para ninguém", disse Boris Johnson. O antigo mayor de Londres foi a cara da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia e saiu do executivo em julho do ano passado, em desacordo com o plano de May. Autor de alguns mitos sobre a União Europeia enquanto correspondente do Daily Telegraph, defende um acordo sem acordo, isto é, que permita negociar um acordo de comércio livre com a UE e a solução da fronteira da Irlanda do Norte. Enquanto deputado regressou às páginas do Telegraph, no qual assina uma coluna semanal a troco de 25 mil euros mensais. "Vamos sair da UE no dia 31 de outubro, com ou sem acordo. A maneira de obter um bom acordo é preparar para não haver acordo", foram as primeiras palavras públicas de Boris após o anúncio de May..... mas tem concorrência Boris Johnson é o favorito dos apostadores para suceder a Theresa May. Os mercados de apostas dão uma probabilidade de 40% de Johnson ficar em primeiro lugar. Outros adversários cotados são Dominic Raab, antigo ministro para o Brexit, com uma probabilidade de 14% de sucesso. O ministro do Ambiente, Michael Gove, a ex-líder da Câmara dos Comuns Andrea Leadsom e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, têm uma probabilidade de 7% cada. As casas de apostas indicam ainda a secretária da Defesa, Penny Mordaunt, e o secretário do Desenvolvimento Internacional, Rory Stewart, com 4%, e o ministro do Interior, Sajid Javid, com 3% de hipóteses. Desta lista, Hunt e Stewart confirmaram a candidatura à liderança dos conservadores. Outros candidatos a avançar são Esther McVey, ex-ministra do Trabalho; e Graham Brady, o também demissionário presidente do Comité 1922, grupo que reúne os deputados sem cargos governamentais e que vai gerir o processo de eleição..Eleição em etapas Theresa May deixa de ser líder dos tories a 7 de junho, mas continuará a exercer a chefia do executivo até se encontrar um novo líder partidário e, por inerência, do governo. Os deputados candidatos têm de receber a nomeação de dois dos seus pares. As candidaturas são oficializadas a partir de dia 10 e até ao final de junho devem decorrer as votações no Parlamento (às terças e quintas), com o candidato menos votado a ser eliminado em cada ronda, caso existam mais de dois concorrentes. Por fim, os dois mais votados deverão ser escolhidos pelos militantes através de voto postal. Mas não está escrito na pedra: o processo poderá ser acelerado e resolvido na Câmara dos Comuns. Foi apenas com o voto dos deputados que Theresa May foi eleita sucessora de David Cameron..Janela temporal a fechar-se Se a eleição for decidida pelos mais de 120 mil membros dos tories, o novo líder será anunciado em julho, com larga probabilidade no final do mês. Os trabalhos parlamentares são interrompidos no dia 25 e só são retomados a 10 de setembro - mas para nova pausa, de 13 de setembro a 8 de outubro. É a altura em que tradicionalmente os partidos políticos realizam congressos. Os liberais-democratas, por exemplo, que devem ter ficado em segundo lugar nas eleições europeias de quinta-feira, vão escolher um novo presidente. Em conclusão, o futuro líder pode ter apenas 18 dias de trabalhos parlamentares até à data em que o Reino Unido sairá, com ou sem acordo, da União Europeia. E quando se sentar na Câmara dos Comuns, os mesmos deputados vão continuar em funções. Como recordou ao DN o analista político Dominic Walsh, "em última análise um novo líder não mudará a aritmética parlamentar. Os deputados votaram contra todas as opções concebíveis do Brexit, e contra parar o Brexit. A menos que muitos deles mudem de opinião, a única saída pode ser uma eleição geral. E não há garantia de que quebrará o impasse também". Se o novo primeiro-ministro acreditar que esse é o caminho, tem de ter o apoio de dois terços dos deputados para aprovar a antecipação das eleições, que só podem ser marcadas a partir de 25 dias úteis depois. Caso a oposição esteja em desacordo com o novo líder conservador, também pode voltar a apresentar uma moção de censura. Em janeiro, May conseguiu manter-se no cargo por 19 votos. O líder trabalhista defende a realização de eleições: "Quem quer que seja o novo líder conservador, deve deixar o povo decidir o futuro do nosso país através de eleições gerais imediatas", disse Jeremy Corbyn..Hard Brexit ganha terreno A fazer fé nas declarações de Boris Johnson e de outros possíveis candidatos, como Andrea Leadsom ou Dominic Raab, a perspetiva de a Câmara dos Comuns não poder tomar decisões em tempo útil não os assusta: o hard Brexit é preferível ao acordo por três vezes rejeitado pelos deputados. Ou seja, com May fora de cena, aumentam as probabilidades da saída desordenada. Como disse a ministra da Educação e porta-voz do governo espanhol, Isabel Celaá, "um Brexit duro parece uma realidade quase impossível de travar". Os economistas do banco de investimento Goldman Sachs reviram em alta as probabilidades da saída de acordo: é agora de 15%, "não porque este Parlamento (ou mesmo o próximo) é suscetível de se unir a favor da sua prossecução, mas porque o recente desempenho do Partido do Brexit e as credenciais eurocéticas do próximo primeiro-ministro podem reforçar a necessidade de incluir a opção no deal no boletim de um segundo referendo para desbloquear o impasse", disse Adrian Paul..A opção do referendo Em função do resultados das eleições europeias, de sondagens e do impasse parlamentar, o futuro líder poderá devolver a voz aos eleitores através de um segundo referendo. Essa opção iria desencadear um novo pedido de adiamento do Brexit à União Europeia, uma vez que está em jogo um processo demorado e complexo. Constitucionalistas da University College London estimam que o tempo mínimo para se concretizar novo plebiscito é de cinco meses e meio, desde a legislação necessária à aprovação da questão e ao período de campanha..Europa insensível A União Europeia reagiu através da porta-voz do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, reiterando que o acordo de retirada assinado entre o governo britânico e Bruxelas, e ratificado pelo Conselho Europeu, não vai ser objeto de renegociação. "A ideia de que um novo primeiro-ministro será um negociador mais duro e que irá impor-se à UE e conseguir um acordo muito melhor para o Reino Unido? Não é assim que a UE funciona", resumiu o ministro dos Negócios Estrangeiros irlandês, Simon Coveney. "Só há duas opções para o próximo líder tory: ou cancela o Brexit, o que não fará, ou é honesto com as pessoas sobre as consequências [do Brexit], o que também não fará. A mesma coisa vai acontecer de novo, com outra pessoa, de uma forma ligeiramente diferente. E vai voltar a repetir-se, até que haja alguém corajoso o suficiente para dizer o que é tão flagrantemente óbvio: isto é tudo um erro terrível", escreveu Ian Dunt, o editor do site Politics.co.uk.