Continua a ser uma das maiores estrelas do cinema americano. Matt Damon é da primeira liga em Hollywood mesmo num ano em que vê dois dos seus filmes mais recentes terem sido fracassos de bilheteira. Mas se é verdade que O Último Duelo, de Sir Ridley Scott e Stillwater, de Tom McCarthy não faturaram milhões, também é verdade que tiveram muito apoio da imprensa especializada, em especial Stillwater, acabado de chegar em Portugal ao mercado dos videoclubes das operadoras sem passar pelas salas. Este drama policial sobre um pai americano que se instala em Marselha para descobrir provas que possam provar a inocência da filha acusada de um crime acabou por estar na seleção do Festival de Cannes. Trata-se de um regresso assaz estimável de McCarthy após a bonança dos Óscares de Spotlight e é também uma notável transformação física do seu protagonista, aqui na pele de um capataz de perfuração de petróleo do Oklahoma, uma espécie de redneck de valores morais íntegros. Meio homem invisível por detrás de uma barba cerrada e um boné antigo. Um ator a apagar-se ao serviço da personagem, ao nível do melhor que fez em filmes como O Talentoso Sr. Ripley ou Por Detrás do Candelabro..Em Cannes, numa suite de hotel, encontra-se pela primeira vez após a pandemia com uma série de jornalistas internacionais. Está francamente bem disposto e a ostentar um polo havaiano bordado e mal percebe que sou português não se esquece do distante título europeu da nossa seleção de futebol... Sobre o filme, vai direto ao assunto: "Este é um filme que pode ter um discurso sobre a perceção dos americanos na Europa, mas para além de milhões de americanos terem dado a vitória a Trump da outra vez, a ascensão do nacionalismo está a acontecer em muitos países. Sinto que todos nós temos de levar com isso... Filmo há muito pela Europa e nos anos de Bush sentia na pele a maneira como os europeus se passavam com a nossa política externa. Por onde quer que fosse, a América de Bush criava uma série de interessantes discussões intermináveis. Trump era tão fora que nem causava debate e felizmente nunca fui acusado de poder estar conotado com esse presidente... Todavia, quando perguntam à minha personagem de Stillwater se ele votou em Trump, ele diz não e as pessoas ficam aliviadas, embora depois acrescente que não votou porque não podia. Fica implícito que obviamente teria votado nele, coisa tão natural no Oklahoma. Estive lá a pesquisar e percebi que é mesmo o estado mais redneck da América! Quem trabalha para a indústria do petróleo não há volta a dar: vota sempre nos republicanos... E votam com orgulho, é um povo nada humilde... Este é um homem feliz por ser americano de gema! Quando ouve a namorada francesa dizer-lhe que parece mesmo americano não percebe o comentário pejorativo". Na verdade, este Bill é de uma complexidade tão grande que se torna fácil ter compaixão sobre ele..Meticulosamente escrito, Stillwater é de uma justeza matemática, mais um exemplo da escrita para cinema tão única de McCarthy, aqui ajudado pelo francês Thomas Bidegain e por Markus Hinchey. Mas como Matt Damon é também um argumentista oscarizado (foi em O Bom Rebelde, no ano de 1998), surge a pergunta se por vezes tem vontade de tocar nos argumentos dos filmes em que é contratado apenas como ator: "Mudar uma frase ou algo já tem acontecido", começa por responder e continua: "Muitas vezes sinto que não faz sentido dizer isto ou aquilo. E quando um ator está com esse pressentimento é sinal que o diálogo não vai resultar. Os diálogos são algo que muda imenso por uma série de razões, como por exemplo o local onde se filma. Às vezes, não faz sentido estar a dizer uma coisa num certo contexto... Quando são os meus guiões digo sempre aos atores que quero o seu contributo para eventuais mudanças. É bom quando os atores querem acrescentar coisas. Eu e o Ben Affleck escrevemos a representar ao mesmo tempo, ou seja, a sentir as palavras". Insistimos: como se fosse uma sessão de leitura? "Exato! É muito positivo o que um ator sente sobre as frases que vai dizer. É preciso sentir o que está escrito..."..Sem máscara, já nas despedidas, olha nos olhos dos jornalistas e diz que prefere entrevistas ao vivo: "Estava desejoso de estar de novo com a imprensa! O contacto físico é muito melhor do que a distância. As entrevistas em Zoom distraem-me facilmente e estou sempre a ser interrompido. É como estar a ver cinema em casa. O pessoal está sempre a colocar em pausa e a parar, não é a mesma coisa, já para não falar que aparece sempre um gato para distrair ainda mais"..dnot@dn.pt