O que é que o planeta ficou a ganhar com esta cimeira? Há cada vez mais países comprometidos com a neutralidade carbónica e a perceber que têm mesmo de arrepiar caminho para que ela possa conseguir acontecer tão cedo quanto possível. Esta não foi uma COP, que fixou objetivos, esta foi uma cimeira de boas práticas. E a palavra é mesmo práticas. São cada vez mais os países que estão comprometidos com a neutralidade carbónica. Portugal foi o primeiro a fazê-lo e por isso teve tanto destaque nesta cimeira. Outro acontecimento importante foi o facto de a Rússia ter assinado o Acordo de Paris no dia da cimeira..O secretário-geral das Nações Unidas pediu ação... Cada vez mais se percebem duas coisas. Esta cimeira mostra muito bem que esta é muito mais do que uma responsabilidade dos Estados. O que vimos foi líderes de grandes países do mundo a falarem em paridade de circunstâncias com líderes de empresas, companhias de seguros, para haver uma cada vez maior participação e compromisso por parte das empresas e da sociedade civil. Em bom rigor, a conferência foi formalmente aberta pelo secretário-geral das Nações Unidas, mas foi também aberta com a intervenção de Greta Thunberg. Por isso, o papel que é atribuído à sociedade civil e às empresas é cada vez maior porque só conseguimos atingir os nossos objetivos se houver uma responsabilidade muito alargada..As pessoas ficam preocupadas se lhe dizem que o seu carro a gasóleo daqui a uns anos não pode andar, mas ainda têm dificuldade de compreender esta linguagem carbónica... Portugal vai atingir em 2050 a neutralidade carbónica. O que é que isto quer dizer? Há dois setores que têm de reduzir a zero as suas emissões. Um deles é o setor eletroprodutor e o outro o da mobilidade. Qual é que é mais fácil? Não tenho dúvidas de que é o eletroprodutor. Estamos a falar de empresas da eletricidade. Quando liga a luz que lhe chega a casa, o consumidor ficará muito satisfeito sabendo que a eletricidade é produzida a partir de fontes saudáveis, mas no seu dia-a-dia não muda nada..E no setor da mobilidade? Quando temos a mesma ambição para o setor da mobilidade, estamos a falar de mudar muitas coisas nos nossos hábitos. Por isso, temos de fazer um grande investimento no transporte coletivo, não tenho a mais pequena dúvida. Mas não podemos ter a ilusão de que o transporte coletivo seja capaz de suprimir todas as necessidades de deslocação das pessoas. Temos de, para além dele, ter soluções de transporte individual. E essas soluções não têm de significar um automóvel, podem significar andar a pé, andar de bicicleta, andar de trotineta. Mas, se significar um automóvel, este deve ser elétrico. E, sendo elétrico, pode ser uma solução de mobilidade partilhada..Como é que se vai promover a mobilidade partilhada? Há três vetores que têm de se conciliar: primeiro, o vetor da regulamentação (e Portugal foi dos primeiros países a regular o car sharing). Em segundo lugar, a própria vontade das marcas - a Volvo veio a público dizer já há cerca de um ano que em 2025 só quer vender metade dos carros que fabrica e não quer carros em stock, quer pôr os outros em soluções de mobilidade partilhada, que é também fundamental do ponto de vista da economia circular, porque todos os materiais que compõem um automóvel, ao fim de cinco, seis anos podem voltar a ser reutilizados para fazer novos automóveis e com isto poupam-se imensas matérias-primas. Em terceiro lugar, tem de haver um novo star de quem não precisa necessariamente de ser dono daquilo que lhe dá conforto. Dou-lhe o exemplo de um berbequim, uma coisa que as pessoas querem ter em casa, e que é suposto um avô doar a um neto, uma coisa para durar décadas, mas sabe quanto tempo é usado em média no seu ciclo de vida? Doze minutos..Um carro é usado mais tempo... Nós temos é de ter roupa lavada e não máquina de lavar roupa. Um carro está parado 90 por cento do seu tempo, a ocupar espaço. Nós queremos é poder deslocar-nos. Aqui tem de haver uma tarefa de aprendizagem, mas temos todos as melhores indicações de que as novas gerações vão dar um impulso muito grande ao perceberem que querem ter o mesmo bem-estar das gerações anteriores, mas não têm de ser donas desses objetos de bem-estar..E como é que vai passar essa mensagem? Ou as novas gerações já não precisam de campanhas, estão conscientes desta questão? Não tenho a mais pequena dúvida de que precisam, todos precisamos. Oitenta e cinco por cento dos portugueses estão muito preocupados com os efeitos das alterações climáticas, somos o povo da Europa em que essa preocupação é mais aguda. Também se percebe porquê, aprendemos um bocadinho à bruta com os incêndios de há dois anos. Isso significa que há aqui um potencial para a mudança muito grande. É verdade que, quando se pergunta quem quer a mudança, todos metemos o braço no ar, quando se pergunta o que é que está disposto a mudar, aí já há menos pessoas a pôr o braço no ar. A emergência climática obriga-nos a esta mudança e também neste aspeto este tipo de cimeiras e a boa publicidade que é dada a partir da comunicação social faz que estas preocupações cheguem a um grupo alargado de pessoas. Temos mesmo de arrepiar caminho e de mudar de vida..Como é que Portugal vai alcançar o objetivo de neutralidade carbónica em 2050? Para sermos neutros em carbono em 2050 temos de reduzir 85% das nossas emissões e temos de fomentar a nossa capacidade de sumidouro de carbono - a nossa capacidade é de nove megatoneladas de CO₂ /ano, tem de subir para 13 megatoneladas e as emissões de 68 megatoneladas de CO₂ têm de reduzir para 13 megatoneladas. Para que isto aconteça, temos de reduzir já até ao final de 2030 em 50% as nossas emissões - esta meta vai para além da meta que o secretário-geral da ONU colocou (falou em 45%). Oitenta por cento da eletricidade consumida em 2030 em Portugal tem de ter origem em fontes renováveis. Um terço da mobilidade em 2030 tem de ser elétrica ou a hidrogénio. Para 2050, 100% da eletricidade para consumir tem de ter origem em fontes renováveis e 100% da mobilidade tem de ser completamente descarbonizada. Todos os setores contribuem, sendo o da agricultura o que menos contribui, porque é aquele onde a introdução da tecnologia é mais difícil. Mesmo assim, terá de reduzir as suas emissões até 2050..O passe único já se insere nestes objetivos. Se me pedir para dizer uma só medida de transição, eu diria o passe único. Porque é uma medida pensada em termos ambientais, mas, ao mesmo tempo, é capaz de reduzir a despesa das pessoas com as deslocações..Ao nível dos transportes públicos, pode avançar com outros exemplos? A compra neste momento de 710 autocarros a gás natural ou elétricos em todo o país. Um terço na STCP, um terço na Carris e o outro em todo o país. O Barreiro, por exemplo, renova a frota quase toda. Mas também em Braga, Aveiro, Bragança, Coimbra, por exemplo. Tivemos dois avisos dos fundos comunitários que gerimos para a aquisição desses autocarros. No primeiro aviso, há cerca de dois anos, 15 por cento dos autocarros eram elétricos e 85% eram a gás natural. Passado ano e meio, no aviso que foi lançado, 41% dos autocarros são elétricos, 59% a gás natural. Ou seja, a maturidade da tecnologia elétrica está a ganhar, é uma tecnologia que perdura mais, com maior capacidade, com maior autonomia. E Portugal pontua aqui porque tem uma fábrica de ponta dessa mesma matéria, que é a Caetano Bus, uma fábrica de referência de autocarros no mundo todo..O Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) fala da importância de "formar uma visão estratégica da rede elétrica nacional" que envolverá o incentivo à participação dos consumidores. Que incentivos são esses? O governo já aprovou o decreto-lei das comunidades energéticas, ou seja, a possibilidade do autoconsumo coletivo, que é muito importante para os prédios e ainda mais importante para as zonas industriais. Depois, a redes de baixa tensão - que levam a luz para casa - têm de evoluir para serem redes inteligentes. Isto é, redes que têm de ter contadores inteligentes nas nossas casas, redes bidirecionais que permitam, por exemplo, que a eletricidade produzida no nosso prédio seja injetada também na rede e redes preparadas para o que irá ser o maior consumo de eletricidade, que será a mobilidade..Quando leem a palavra "incentivos", os cidadãos pensam em dinheiro, ou, pelo menos, na diminuição de pagamentos... Se queremos eletrificar o país, temos de em simultâneo garantir a redução do preço da eletricidade e a melhor forma de o fazer é diminuir as importações de petróleo e de carvão e utilizar recursos próprios. No Mibel - Mercado Ibérico de Eletricidade, o preço anda à volta de 55 euros por megawatts/hora. A produção de eletricidade a partir de carvão neste momento tem andado à volta de 45 euros por megawatts/hora. No leilão para energia solar, o preço médio de produção são 20 euros por megawatts/hora, ou seja, quanto mais eletricidade for produzida a partir de fontes renováveis, mais barata será.