"Estas eleições foram sobre a mudança", disse a líder do Sinn Féin e possível futura primeira-ministra da República da Irlanda. Mudança foi uma das palavras mais faladas durante as últimas semanas durante a campanha. Apesar dos números positivos na economia e nas negociações do Brexit, os eleitores castigaram o governo de centro-direita liderado por Leo Varadkar, do Fine Gael, devido à crise da habitação e à deterioração no setor da saúde..Mais de 48 horas depois do ato eleitoral os resultados finais foram divulgados. O Sinn Féin foi o partido mais votado, com 24,5%, mas está longe de garantir uma maioria parlamentar, uma vez que elegeu 37 deputados em 160 (mais 14 do que nas eleições anteriores). O segundo partido mais votado foi o Fianna Fáil, com 22,1% e 38 deputados, menos seis do que em 2016. Um dos parlamentares eleitos é o presidente da legislatura cessante, pelo que, a ser reeleito, o partido terá menos um voto. Em terceiro, o Fine Gael, com 20,8% e 35 deputados. Uma configuração parlamentar que não assegura nenhuma maioria óbvia e que, em última análise pode acabar em novas eleições..O país pode vir a ter a primeira mulher a liderar um governo depois de Varadkar, o primeiro chefe de governo abertamente gay e que representou uma Irlanda mais progressista, após referendos ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo..Mary Lou McDonald, de 50 anos, representa uma rutura com o antigo líder Gerry Adams e com o extinto grupo paramilitar Exército Republicano Irlandês (IRA). Ao falar sobre temas concretos como as listas de espera nos hospitais ou ao prometer congelar os valores dos arrendamentos, obteve o apoio de cerca de um terço dos eleitores entre os 18 e os 34 anos, segundo as sondagens à boca das urnas. O perfil de McDonald não é o óbvio para quem herda um partido com o peso do Sinn Féin. Nascida em Dublin, estudou numa escola católica privada, e estudos superiores em literatura inglesa, gestão de recursos humanos e um mestrado em integração europeia. Casada e com dois filhos, trabalhou em consultoria e foi membro do Fianna Fáil (centrista), tendo saído em 1998. Quatro anos depois candidatou-se pela primeira vez pelo Sinn Féin, mas não foi eleita, o que aconteceu nas eleições de 2004 para o Parlamento Europeu..Em 2009 ascendeu a vice-líder e em 2011 foi pela primeira vez eleita deputada ao parlamento irlandês. Delfim de Gerry Adams, foi designada sua sucessora como presidente do partido, não tendo havido oposição..Sinn Féin cativa descontentes.O partido que mais lucrou com os eleitores insatisfeitos foi o Sinn Féin. O partido de esquerda de raiz republicana e independentista, que no passado foi o braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA), apresentou-se com propostas para solucionar os problemas do quotidiano e o eleitorado correspondeu. Mas nem as previsões mais otimistas do partido poriam o partido em primeiro lugar, como acabou por acontecer, com 24,5% dos votos, mais 10,7 pontos percentuais do que nas eleições de 2016. Prova de que este resultado foi inesperado é o facto de que só 42 membros do Sinn Féin concorreram aos 160 lugares em disputa nos 39 círculos eleitorais, o que impediu a possibilidade de chegar ao fim do escrutínio com mais deputados..O sistema eleitoral irlandês (voto único transferível) torna o apuramento dos resultados demorado, pelo que 48 horas depois das urnas fechadas ainda havia círculos com deputados por eleger. Perante os candidatos no boletim do seu círculo, os eleitores elegem por ordem de preferência. Os votos de segunda preferência e conseguintes são distribuídos à medida que os candidatos são eleitos, porque atingiram o patamar necessário, ou eliminados..Por exemplo, em Dublin Central, onde são eleitos quatro deputados, a líder do Sinn Féin, Mary Lou McDonald, foi eleita na primeira contagem. Só à nona contabilização é que os outros três foram eleitos. O quarto, o social-democrata Gary Gannon, teve 9,2% dos votos na primeira preferência, menos do que a candidata do Fianna Fáil Mary Fitzpatrick (10,2%), mas a combinação dos votos acabaram por atribuir a última vaga a Gannon..Mary Lou McDonald é o rosto da mudança do Sinn Féin e agora quer ser o rosto da mudança da Irlanda. Ainda com os resultados parciais, McDonald desfez as dúvidas, ao mostrar ambição para liderar um governo de coligação. Os comentadores políticos previam, e alguns não descartam ainda essa hipótese - de o Sinn Féin preferir que os dois partidos que têm governado o país, ora à vez ora em coligações se mantenham no poder e aprofundem a crise.."Queremos falar com quem estiver interessado em apresentar um programa para o governo. Um governo com o qual as pessoas se relacionam, que esteja em sintonia com a realidade do dia-a-dia das pessoas, e não um que esteja distante e à deriva das vivências dos cidadãos", disse McDonald à estação de TV RTE..Sobre os dois principais partidos, Fine Gael do primeiro-ministro Leo Varadkar e Fianna Fáil liderada por Micheál Martin, McDonald disse que estão "em estado de negação" e que não tinham escutado a voz do povo. A vencedora das eleições prometeu falar com todos e todos ouvir, mas não deseja uma coligação com os dois partidos.."Não há dúvida de que o velho sistema partidário acabou. Isto não é uma coisa transitória, é apenas o começo", disse. Por isso, explicou, vai dar prioridade à tentativa de formação de um governo com os pequenos partidos e independentes antes de se virar para o Fianna Fáil e o Fine Gael..Durante a campanha, o Fine Gael e o Fianna Fáil excluíram qualquer acordo com o Sinn Féin por causa da associação no passado ao IRA. O primeiro-ministro e líder do Fine Gael, Leo Varadkar, reiterou a posição assumida na campanha de que não iria formar uma coligação com o Sinn Féin. "Ninguém pode ser forçado a um casamento forçado ou coligação forçada.".Varadkar vai ficar para a história como o primeiro chefe de executivo que se recandidata e não é eleito deputado na primeira contagem, um sinal da derrota do partido e da mudança em curso. "Parece que agora temos um sistema tripartidário. Isso vai tornar a formação de um governo bastante difícil", comentou..Já o líder do Fianna Fáil, Michéal Martin, suavizou a sua posição contra uma hipotética coligação com o Sinn Féin..Pela primeira vez, os votos combinados das formações que mantiveram um sistema de bipartidarismo não chegam para formar uma maioria de deputados no Parlamento..O professor universitário de Ciência Política Eoin O'Malley crê que, quando o Parlamento (Dáil) reabrir no dia 20, o cenário mais provável será o de uma coligação do Sinn Féin com o Fianna Fáil, ao ouvir o líder do partido centrista suavizar a posição contra o partido de esquerda. "Sob sigilo, provavelmente haverá conversações entre o Sinn Féin e o Fianna Fáil", comentou O'Malley à AFP..Referendo na bagagem.Seja numa aliança com verdes (o quarto partido mais votado, com 7,1%), sociais-democratas, trabalhistas e outros pequenos partidos e independentes (que juntos atingiram 15,3%); seja com o Fianna Fáil, o Sinn Féin não irá abdicar da sua bandeira política: a reunificação da ilha. "Um referendo durante a próxima década é inevitável", disse o ex-primeiro-ministro Bertie Ahern. O Sinn Féin quer consultar a população da ilha, como previsto no Acordo de Sexta-Feira Santa de 1998, nos próximos cinco anos.."No fim de contas, dissemos que deveria haver um referendo de unificação dentro de cinco anos e é essa a posição que vamos assumir nas negociações", afirmou Michelle O'Neill, vice-presidente do Sinn Féin e vice-chefe do governo da Irlanda do Norte..Atualizado no dia 11/02